terça-feira, novembro 28, 2006

Auto-Censura em Cabo Verde

Ontem no Parlamento o Sr. Primeiro-Ministro desferiu ataques directos ao jornal electrónico Liberal e ao Expresso das Ilhas. Pouco antes, o PM tinha-se insurgido contra o que considerou de excesso de conferências de imprensa da oposição. As acusações e os comentários severos do PM não podem ser vistos de ânimo leve. Organizações internacionais que monitorizam o nível da liberdade de imprensa chamam a atenção para a auto-censura em Cabo Verde. A auto-censura emerge quando formas mais ou menos subtis de intimidação coexistem com a possibilidade de ganhos pessoais, em caso de complacência ou cumplicidade de jornalistas. Apesar do n.5 do art. 59 da Constituição garantir a isenção dos órgãos e a independência dos jornalistas no sector público da comunicação perante o Governo, a Administração e demais poderes públicos, o Conselho de Administração, nomeado pelo Governo, interfere pesadamente na prestação do serviço público. Os directores, que deviam ser nomeados só após um parecer do Conselho de Comunicação Social e que, portanto, deviam ter larga autonomia, estão completamente a seu mercê. Na Televisão já se perdeu a conta do número de directores demitidos. Cá fora o quadro não é menos negro. Sectores de opinião, próximos do actual Poder, são aparentemente favorecidos pela a publicidade comprada de principais empresas e instituições do País. Revistas institucionais constituem uma fonte adicional de biscates para os escolhidos porque não é aplicada a proibição de exercício de jornalismo em simultâneo com actividades de publicidade e de relações públicas, prevista na alínea f) do art. 8º do Estatuto do Jornalista. Outras incompatibilidades notórias como as de jornalista/assessor do Governo são ignoradas. O resultado é que há pouco incentivo para se fazer jornalismo a sério. A liberdade de imprensa é, de facto, o que alguns chamam de liberdade-resistência aos poderes públicos. Se as autoridades por via directa ou indirecta e até por invectivas de primeiros-ministros condicionam a liberdade dos jornalistas, não é de estranhar que o País ainda não tenha a comunicação social essencial ao funcionamento pleno do sistema democrático. Uma comunicação social que fomente um diálogo livre, aberto e plural, que dê voz à sociedade civil e que forçe os poderes públicos a cumprir as regras e a respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos. Uma comunicação social que, particularmente, seja ciosa da sua própria liberdade. Jornalistas e orgãos de comunicação que neste ambiente lutam por fazer o seu trabalho, com todo o profissionalismo, merecem a consideração de todos. 

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