segunda-feira, novembro 13, 2006

Os vencimentos da classe política

É certo e sabido que falar de salários de políticos traz à superfície o que de pior, em termos de falta de razoabilidade, de hipocrisia e de inveja mal disfarçada, existe na sociedade. A posição social dos mais ofendidos nota-se logo pelo argumento preferido para desmerecer qualquer actualização de rendimentos para os titulares de órgãos de soberania. Escudam-se na pobreza existente e atacam acenando com os  problemas dos coitados. Não é possível esconder, porém, a inveja subjacente a esses ataques. A inveja que envenena as relações sociais, que não deixa o mérito ser reconhecido e que bloqueia o espírito de cooperação indispensável para o contínuo enriquecimento material, moral e cultural de uma sociedade. Em Cabo Verde já se convencionou que a vida é um jogo de soma zero. Há um bolo a repartir e se alguém está a servir-se isso significa que diminuiu a parte dos outros. É consequência de uma existência à base de ajuda externa e reforçada no dia-a-dia pela relação perversa entre doadores e recipientes que caracteriza as relações de Poder no País. Normalmente, disfarça-se a inveja mas, quando se trata de políticos, salta logo a matar. O espectáculo de ontem no programa “Noite Ilustrada”é elucidativo a esse respeito. Titulares de órgãos de soberania, políticos e juízes, e titulares de outros órgãos de poder político, presidentes de câmara e vereadores não viram durante nove anos (desde 1997) os seus rendimentos serem actualizados. Porquê? Porque os partidos políticos não chegam a acordo quanto ao mecanismo de actualização dos vencimentos. É forte a tentação de explorar essa questão de forma demagógica e populista. Resultado: a Democracia perde de várias formas, designadamente: 1- No nível de transparência da actividade do Estado. Ninguém acredita que os senhores ministros e presidentes conseguem sustentar-se nos rigores e exigências dos cargos, ano após ano, sem actualização de rendimentos. A falta de actualização é suprida por outras vias: subsídios, ajudas de custo, despesas de representação etc. 2- No enfraquecimento da oposição. Quem está em oposição sofre mais porque não tem os outros expedientes para minorar a persistente perda de poder de compra. Isso torna os membros da oposição vulneráveis a tácticas mais agressivas de quem está no poder com consequentes perdas para a democracia. 3- Na perda de coerência da política de salários na Administração Pública. Altos funcionários têm vencimento superior aos titulares de órgãos de soberania a quem estão subordinados. É o que já está a acontecer, devido ás actualizações anuais no funcionalismo e ao congelamento dos vencimentos de políticos e de magistrados judiciais.

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