terça-feira, fevereiro 05, 2008

Stand Down

Uma vez mais o Movimento para a Democracia fica em sobressalto sob o impacto de acções e declarações dos seus ex-presidentes. A inesperada entrada em cena de Gualberto do Rosário como possível candidato às autárquicas em S.Vicente repete o mesmo padrão de interferências na vida do partido já constatado em outros momentos cruciais da vida política nacional e partidária. Isso foi notório em 2004 após a extraordinária vitória do MpD nas autárquicas. O processo de escolha do candidato do partido a primeiro ministro que se seguiu às eleições e que devia culminar na Convenção do MpD foi sujeita a manobras violentas dos ex-presidentes. Gualberto do Rosário, posicionou-se, então, para presidente do MpD enquanto líder de Sintonia, movimento ao qual, segundo ele, os candidatos Agostinho Lopes e Ulisses Correia e Silva também pertenciam. Ou seja, a sua candidatura esvaziava as dos outros dois. A sua posterior desistência e o subsequente apoio dos activistas do Sintonia a Agostinho Lopes deixaram a forte impressão que tudo se tratara de um jogo com vista a neutralizar o Ulisses. Carlos Veiga, por sua vez, lançou um apoio firme mas discreto à candidatura de Jorge Santos, um ex-militante do MpD com mais de dez anos afastado das lides partidárias. A guerrilha interna tinha voltado a instalar-se após três anos de crescimento, maturação e afirmação do MpD enquanto partido de oposição, três anos que culminaram na maior vitória autárquica de sempre. A convenção de 2004 consagrou o regresso das tricas políticas. A solução de liderança encontrada provocou uma queda brusca e estrondosa nas expectativas de observadores nacionais e estrangeiros quanto à possibilidade do MpD ganhar as eleições legislativas. Durante o ano de 2005 o País pôde ver o PAICV a recuperar-se enquanto o MpD mostrava-se incapaz de se tornar credível como alternativa de governo. As duas derrotas sucessivas, legislativas e presidenciais, são, em boa parte, consequências directas desse estado de coisas. Em 2003, sinais dessas interferências dos ex-presidentes já se tinham manifestado. Na Praia, um auto proclamado grupo de reflexão, onde Carlos Veiga, alguns militantes do MpD e altos dirigentes do PCD pontificavam, desencadeou uma iniciativa com vista à coligação do MpD e do PCD nas eleições autárquicas. Negociações foram encetadas e um acordo só não se concretizou devido a notória arrogância do PCD. Reclamava mais peso político do que os seus resultados eleitorais alguma vez demonstraram. Via-se como um partido de generais mas sem soldados, enquanto o MpD tinha soldados sem comando. A barganha proposta era clara: ceder generais e obter tropas. As autárquicas de 2004 revelaram o bluff. O MpD foi sozinho para a vitória. Não obstante isso, o grupo de reflexão manteve-se na mesma linha. Mas adoptou uma outra linguagem: Regresso ao ano noventa. Para o grupo, o regresso a uma pretensa idade de ouro de unidade no partido seria a chave para ganhar outra vez as eleições. Como hoje se sabe os resultados eleitorais de 2006 fizeram cair por terra essa abordagem nostálgica da política. Uma abordagem que em vez de preparar o partido para confrontar os desafios do presente e do futuro do país fá-lo viver numa miragem, esperando que a História se repita mais uma vez. Mas, as lições de 2006 não foram devidamente apreendidas. Diluíram-se nas acusações de fraude eleitoral. A consequência directa disso é a eleição de Jorge Santos na mesma base com que se tinha apresentado em 2004: restaurar a unidade do partido com o regresso dos que saíram em dissidência nos anos noventa. A dinâmica recente do partido é reveladora a esse respeito. O MpD aparenta hoje a face de um partido que foi infiltrado por dirigentes de partidos desaparecidos ou moribundos. De facto, alguns dos novos aderentes não se limitaram a entrar e a percorrer, humilde e construtivamente, o caminho de qualquer outro militante que se inicia ou se reencontra com o partido. Literalmente guindaram-se para posições regionais e nacionais de decisão e estratégia política. Hoje, apesar das derrotas das legislativas e das presidências, o MpD insiste em provar nas autárquicas que NOVENTA o fará ganhar outra vez. O impacto do protagonismo recente de Gualberto do Rosário deixa claro que afinal todos os ex-presidentes mantêm intactos os seus soldados e a sua rede de influência. Coexistem e conservam sempre a possibilidade de negociar entre si, mesmo que, momentaneamente, um ou outro esteja na mó de baixo. Ganham porque se mantêm pessoalmente influentes. Não é certo, porém, que o MpD ganhe com esse tipo de jogo de influências no seu seio. Realmente, as de facto facções dentro do partido não representam visões, estratégias ou formas de acção distintas. Se assim fosse o partido beneficiaria da dinâmica que o confronto proporcionaria. As facções são estéreis per si porque dependentes de glórias antigas e tributárias de relações do passado. Isso nota-se na deriva recente do discurso político para o populismo esquerdista totalmente incaracterístico do MpD que modernizou Cabo Verde, construindo a democracia liberal e constitucional e lançando as bases da inserção na economia mundial. Democracia implica a existência de alternativas políticas de governo viáveis e credíveis. Isso pressupõe necessariamente partidos políticos capazes de acompanhar, fiscalizar e contrariar a governação a passo e passo e, ainda, de perceber os tendências actuais e futuras do mundo. Ou seja, partidos capazes de fornecer soluções múltiplas ao país de como lidar com os desafios que a cada momento se colocam. A saúde do sistema político depende muito da saúde interna dos partidos. De modo o que se passa no seio deles não é somente problema dos militantes e dos amigos próximos. É também de todos os cidadãos caboverdianos que hoje se revêem no pluralismo político e sentem no dia a dia a importância de se ter uma oposição firme, combativa, fiel aos princípios e valores da República e com uma visão séria e distinta para o País. Para isso é fundamental que o partido não fique com os olhos postos no passado, nas glorias do antigamente e nos mitos que circunstâncias específicas produziram. È tempo para se dizer aos ex-presidentes que, assim como no passado souberam reconhecer o momento para se erguerem - stand up - pelo País e pelo Mpd, vem um tempo que os chama à retirada, a um stand down. O extraordinário papel que tiveram nas lides partidárias e nacionais aconselha a uma maior descrição nas lides com o partido actual. Só assim se conservam como referências fundamentais do partido e da unidade da sua herança e trajectória. Só assim podem libertar o MpD para, hoje, encontrar o caminho certo e continuar a servir Cabo Verde com a mesma energia, criatividade e determinação com que se distinguiu no passado.