terça-feira, abril 22, 2008

Denúncia ou chantagem política?

O PAICV volta a acusar o MpD de ligações com o mundo da droga. No sábado, na presença do Primeiro-Ministro, Felisberto Vieira, contrapondo-se à candidatura do MPD para a Câmara da Praia, disse: nós não engordámos no dinheiro de privatização nem recebemos comissão do narcotráfico através de advogados amigos. A 23 de Janeiro de 2006, no dia das eleições legislativas, o Primeiro Ministro referiu-se explicitamente a indícios graves, de que houve compra de votos na véspera das eleições, com dinheiro da droga. Entre as declarações do PM e as afirmações de sábado passaram mais de 800 dias. As acusações subjacentes continuam a ser, substancialmente, as mesmas. Toda a gente está perplexa. Afinal, quem dirige o Estado em Cabo Verde? Quem comanda e supervisiona a Polícia Judiciária e a Polícia Nacional? Quem tem a responsabilidade primeira de definição da política criminal, e também, de garantir a sua execução? Como podem os governantes colocaram-se na posição de denunciantes quando a eles é que foi dada a legitimidade, os meios e os recursos do Estado para pôr cobro a quaisquer ilegalidades? Como podem alijar a responsabilidade perante a Nação e deixar a Procuradoria-Geral assacar com todo o ónus da inacção perante crimes desta natureza? Também é caso para perguntar: O acto de denúncia pública significa impotência do Governo? Impotência perante a inércia ou resistência de organismos competentes do Estado em investigar, acusar e punir o crime? Ou será uma forma de pressão, de chantagem que politicamente o partido do Governo usa contra a Oposição. Chantagem a funcionar em dois sentidos: Um, colocar o MpD na defensiva, a esquivar-se para não enfiar a carapuça e, no processo, a distrair-se da luta eleitoral. Talvez o objectivo desejado por Felisberto Vieira no seu comício. Outro, provocar uma quebra de confiança nos eleitores, na sociedade caboverdiana e mesmo na comunidade internacional quanto à possibilidade da Oposição ser Governo. Provavelmente o resultado procurado pelo Primeiro Ministro com as suas declarações à saída de uma assembleia de voto, no dia das eleições legislativas. A gravidade disto tudo não pode ser minimizada, nem desculpada, dizendo que se trata simplesmente de tricas políticas de campanha. São declaração de altos dirigentes do Estado e do partido no Governo. Ou são verdadeiras e, nesse caso, pode-se legitimamente perguntar: se há indícios de crime ou há dados concretos, porque é que Polícia Judiciária não agiu, não investigou, não deu conta dos resultados ao Ministério Público e a Procuradoria da República não acusou e os Tribunais não julgaram. Quem impediu a polícia judiciária de investigar? A sua Lei Orgânica dá-lhe autonomia para isso, designadamente em matéria de tráfico, suborno, corrupção. Aliás deve-se, talvez, começar por perguntar quem forneceu os dados ao Governo? Se não foi a polícia, porque é que o governo não os fez chegar à Judiciária e à Procuradoria Geral? Se foi a polícia que os obteve, quem a impediu, posteriormente, de dar os passos seguintes no processo: investigação, instrução, acusação. Se, porém, se trata simplesmente de uma invenção, de uma calúnia, onde é que fica a credibilidade do Estado de Cabo Verde quando o seu principal dirigente, o Primeiro-Ministro, serve-se do seu cargo para fazer acusações de tamanha gravidade. Acusações que, como talvez nenhuma outra, põem em causa a imagem de Cabo Verde. De facto, se o crime organizado no narcotráfico já penetrou a classe política com financiamentos de campanha e de compra de votos, quem garante que outros sectores da sociedade, da economia, da polícia, do Estado, também não foram tornados permeáveis ao dinheiro sujo. Acreditamos que não é assim. Que a corrupção em Cabo Verde não atingiu os níveis que tais acusações, se fossem verdadeiras, implicariam. Todo este triste e degradante espectáculo e a total irresponsabilidade, que quem o protagoniza revela, simplesmente demonstram as consequências desastrosas de se insistir na cultura política que afina pelo diapasão: os fins justificam os meios.

segunda-feira, abril 21, 2008

Má governação em evidência?

Períodos eleitorais são normalmente extraordinariamente elucidativos acerca das formas de actuação dos diferentes actores políticos. Deixam, particularmente, a claro as tentativas de instrumentalização do Estado em benefício dos interesses partidários da força política que suporta o Governo. Revelam, para além de toda a retórica e a propaganda oficial, as ainda frágeis bases de governança ou governabilidade do País. Vem-se se multiplicando, nos últimos tempos, alguns sinais de má governação. Governança, ou como o PAICV prefere, governação, significa respeito pelo primado da Lei, a transparência e prestação de contas na actuação dos governantes e ambiente institucional adequado para a criação, desenvolvimento e implementação de políticas públicas. De facto, há indícios de má governação quando o Governo desdobra-se em reuniões de conselho de ministros descentralizados nos meses que precedem as autárquicas. Pelo menos cincos se realizaram nos últimos três meses. E alguns foram seguidos de apresentação de candidatos do partido no Governo às eleições municipais. Quanto aos efeitos na resolução dos problemas das localidades e das populações, a posição, por exemplo, do presidente da comissão instaladora de S.Salvador é esclarecedora: utopia, nenhuma resposta concreta, as pessoas não têm oportunidade para os esclarecimentos adicionais e terem as informações, …na prática deixa as pessoas mais angustiadas. Ou seja, trata-se basicamente um show off de onde se procura, simplesmente, extrair ganhos partidários. indícios de má governação quando membros do Governo, frequentadores assíduos dos seus municípios de origem, em missões de Estado poucas vezes ligadas às suas competências específicas, se apresentam como candidatos às autárquicas. A impressão que fica é que de há muito vêm-se preparando para tal, com óbvios prejuízos para a acção do Estado e para a relação do Estado com o Poder Local. O Estado perde porque a intervenção do membro do Governo submete-se à necessidade de se construir a sua imagem junto às populações como futuro candidato autárquico. E, de passagem, envenena-se a relação com a câmara porque os seus actuais titulares são vistos como rivais directos na corrida eleitoral. Há indícios de má governação quando o partido no Governo, recorrentemente, recruta para os principais cargos autárquicos funcionários públicos, que ganharam proeminência nos concelhos enquanto chefes de serviços desconcentrados do Estado que lidam com as populações. Os agentes do Estado, segundo a Constituição, estão exclusivamente ao serviço do interesse público e estão obrigados a agir com respeito estrito pelos princípios de justiça, isenção e imparcialidade não podendo beneficiar ou prejudicar outrem em virtude das suas opções político-partidárias. Tornar, designadamente, chefes de delegação de Educação, de serviços de Agricultura, do ICASE em instrumentos de actividade partidária não abona para a qualidade, a lealdade e a solidariedade que, em nome dos interesses das populações, devem caracterizar as relações entre os órgãos municipais e os serviços do Estado nos concelhos. Também, decididamente não ajuda muito no estabelecimento de boas relações institucionais Estado/Poder Local a decisão de preparar o director geral de descentralização, do Ministério que tutela os municípios, como candidato a presidente de uma das câmaras. Há indícios de má governação quando todos os presidentes das comissões instaladoras dos novos municípios são apresentados pelo partido no governo como candidatos a presidente da câmara. Ao mesmo tempo que o esforço do Estado e a solidariedade nacional traduzida nos investimentos públicos extraordinários feitos nesses municípios são dados pelo próprio primeiro-ministro, em ambiente de campanha eleitoral, como obra pessoal dos presidentes das comissões instaladoras, transformados em candidatos. A instrumentalização de meios e recursos do Estado para fins partidários é também neste caso por demais evidente. Há indícios de má governação quando na presença do Sr. Primeiro Ministro em Santa Catarina na ilha do Fogo, pela boca do presidentes da comissão instaladora, o País fica definitivamente a saber que o pintar de amarelo as obras do Estado é parte de um esforço de criação da uma onda amarela claramente identificável com o partido no Governo. Que a cor amarela em palácios de justiça, aeroportos, centros de saúde, escolas, centros de juventude etc etc é a manifestação de um partido em permanente campanha, usando recursos do Estado, aproveitando-se das obras do Estado e servindo-se da exposição mediática privilegiada dispensada às cerimónias oficiais para influenciar os eleitores. Há indícios de má governação quando o Gabinete de Assessoria de Imprensa do Primeiro Ministro edita no mês das eleições autárquicas uma revista de propaganda oficial, a revista Ilhas, ricamente financiada pela publicidade de grandes empresas privadas do país. Das muitas questões que tal financiamento suscita, uma é inescapável, pelas suas graves implicações: A decisão comercial dessas empresas privadas em fazer publicidade numa revista do Governo visa o quê!? Certamente que não é para atingir clientes potenciais dos seus produtos e serviços, considerando que a revista pela sua própria natureza não tem uma estratégia comercial. Só pode, então, ser agradar ou ficar nas boas graças do Sr. Primeiro Ministro que é quem assina o editorial da Revista. Se assim é, à impropriedade do aproveitamento de subvenções privadas para propaganda do partido no Governo, em vésperas de eleições, junta-se o potencial de criação de relações promíscuas dos poderes públicos com o sector económico em que todos, o País, os cidadãos e os agentes económicos saem a perder. Em Cabo Verde, avançar no sentido da boa governança obriga a que se dê combate permanente à tentação de se reinstalar o partido/Estado em Cabo Verde. O esforço de construção institucional do Estado de Direito deve ser acompanhado de uma profunda renovação da cultura política. E a relação com os cidadãos terá que deixar de se caracterizar pelo paternalismo, pelo aprofundamento da dependência das populações e pelo recurso à instrumentalização do Estado para influenciar o eleitorado.

quinta-feira, abril 10, 2008

O Partido/Estado em onda amarela

                  
            aeroporto da Boavista


Anteontem no telejornal o candidato do PAICV para as autárquicas no município de Santa Catarina no Fogo disse, em tom desafio, que 11 casas de habitação social tinham sido construídas e entregues a mulheres chefes de família, todas pintadas de cor amarela, cor da onda amarela. Ao seu lado estava o presidente do PAICV e também primeiro-ministro a apoiar a sua candidatura e a prometer outras benesses à população. As declarações do candidato, e também presidente da comissão instaladora do município, retiraram qualquer dúvida, a quem ainda a tivesse, das razões porque obras e edifícios do Estado, materiais de publicidade de empresas públicas e instituições do Estado sistematicamente destacam o amarelo. É a onda amarela do PAICV que cresce todos os dias com os recursos do Estado e se mostra em todos os pontos do país, em todas as cerimónias oficiais e em todos os telejornais que dão conta da actividade do governo da República. O descaramento não podia ser maior. O abuso dos meios e recursos do Estado não podia ser mais escandaloso. O desprezo pelos princípios democráticos da liberdade, do pluralismo político, e da existência de um Estado, instrumento de consecução do interesse público, e não de quaisquer interesses, não podia ficar mais patente. Hoje realiza-se mais um Conselho de Ministros Descentralizado, desta feita em S. Salvador do Mundo. No telejornal, certamente que o país passará a saber que a onda amarela já chegou a esse município e que mais uma vez um presidente da comissão instaladora de um município irá ser apresentado como candidato às eleições autárquicas. Que as obras, financiadas pelo Estado ao longo dos três anos de criação de condições para o município funcionar e estar á altura de eleger os seus próprios órgãos de forma livre e justa, são, afinal, obras do presidente da comissão instaladora. E que por isso ele merece ganhar, depois de todos estes anos de campanha eleitoral. Face a isto tudo questões se colocam: Onde é que neste ambiente opressivo do peso ideológico e partidário do Estado, de atropelo de princípios essenciais à coesão e confiança no seio da comunidade nacional e de desvio de persecução do interesse público a favor de interesses privados encontrarão os cidadãos, particularmente os mais novos, forças para acreditar na igualdade de oportunidades? Como poderão libertar todas as energias na realização pessoal, profissional, empresarial, e, no processo, imprimir dinâmica necessária ao desenvolvimento do país, se aperceberem que o sentido de fairness na sociedade não existe, que o mérito não é reconhecido e que a criatividade é vista com desconfiança num mundo ainda nostálgico do monolitismo?

quarta-feira, abril 09, 2008

Excesso nos efeitos de renúncia?

A questão dos efeitos de renúncia de mandato nos órgãos municipais aparece de forma recorrente nos debates políticos nacionais, particularmente em tempo de eleições autárquicas. De facto, o artigo 59 dos Estatutos dos Municípios determina que os que renunciarem ao mandato não podem concorrer às eleições subsequentes que se destinam a completar o mandato dos anteriores eleitos nem nas eleições que iniciem o novo mandato. O problema é que a restrição de direitos políticos, do direito fundamental de ser eleito, como consequência do exercício do direito de renúncia só é prevista na Constituição para o presidente da república. É o que diz o nº 2 do artigo 133º: se o Presidente da República renunciar ao cargo não poderá, a partir da data da renúncia, candidatar-se para um novo mandato nos dez anos seguinte. Compreende-se que assim seja considerando que o presidente da república é um órgão singular e a renúncia ao cargo leva necessariamente à convocatória de eleições no prazo de noventa dias. Esse artigo evita que tensões ou conflitos resultantes do papel moderador do presidente da república na sua relação com os outros órgãos de soberania, Assembleia Nacional e Governo, desemboquem numa inesperada eleição presidencial com características de um autêntico plebiscito aos actos do presidente. Deixar a possibilidade ao PR de renunciar e voltar a candidatar-se constituiria uma tentação muito grande em situações de crise política, quando o que se pretende é que relações entre órgãos de soberania sejam marcadas pela serenidade na tomada de posições. Problema similar não existe ao nível municipal. Os órgãos municipais, a Câmara e s Assembleia Municipal, são órgãos colegiais. A renúncia de um dos titulares não acarreta novas eleições. É substituído imediatamente por um dos suplentes. Por isso o impacto político desestabilizador é mínimo se não nulo. Não se vê, portanto, razões ponderosas para penalizar a renúncia ou constranger o seu uso. Aos Deputados da Nação, por exemplo, a Lei não põe quaisquer impedimentos ao exercício do direito de renúncia ou define efeitos do acto em termos de restrições no acesso a órgãos de poder político. A dissonância representada pelo artigo 59 dos Estatutos dos Municípios compreende-se, porém, se se tiver em conta que a norma muito provavelmente é uma norma reactiva. Nos fins de 1994, princípio de 1995 o país assistiu à cena da renúncia colectiva da Câmara Municipal de S.Vicente, orquestrada pelo seu então presidente Onésimo Silveira. Apesar de se desconhecer na Lei essa figura de renúncia colectiva, o Governo de então permitiu que a manobra política fosse levada até às suas últimas consequências. Ou seja, aceitou a ideia de que com a renúncia colectiva a Câmara Municipal de S.Vicente tinha perdido o quórum de funcionamento. E permitiu que os que renunciaram continuassem tranquilamente a administrar o município e que se apresentassem como candidatos para terminar o mandato que tinham deliberadamente interrompido. Posteriormente, via legislação, o Governo procurou evitar a repetição de situações análogas. Só que a norma criada é excessiva em termos de restrição de direitos e procura responder a situações improváveis e que só aconteceram uma vez devido à complacência das autoridades que detêm a tutela da legalidade da actividade municipal. Porque restringe direitos fundamentais sem se justificar pela necessidade de equilíbrio e funcionamento do sistema político, a norma 59 do estatuto dos municípios revela-se de duvidosa constitucionalidade. Urge, pois, que seja revista em sede do poder legislativo ou de fiscalização da constitucionalidade para que deixe der ser um obstáculo irrazoável a candidaturas às eleições autárquicas.