sábado, fevereiro 28, 2009

Segurança: o debate necessário

                                  

Cinco anos atrás a intervenção rápida da comunidade internacional impediu uma crise em Cabo Verde, escreveu António Maria Costa, o Director do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime no jornal Washington Post de 29 de Julho de 2008. E acrescentou, os cartéis [da droga] simplesmente desviaram as suas operações para a Guiné-Bissau.

 O aproveitamento de Cabo Verde para ponto de trânsito do tráfico global de estupefacientes e, particularmente da cocaína sul americana, deve levar os governantes, e também toda a sociedade caboverdiana, a reflectir sobre a segurança do País e sobre as ameaças, presentes e reais, que hoje se colocam. O que se passa actualmente na Guiné Bissau ilustra bem as consequências de não se lidar efectivamente com o crime transnacional altamente sofisticado. Na Guiné contribuiu para inoperacionalidade do Estado e para a fragmentação das forças armadas em facções, cada uma servindo interesses específicos e envolvendo-se em rivalidades mortíferas.

 Segundo António Maria da Costa, no artigo citado, Cabo Verde, mercê dos esforços feitos, designadamente na cooperação entre policia, alfandega e agentes nos portos e aeroportos, é hoje menos atractivo para o tráfico. Mas as ameaças persistem e a região onde se insere o País está no corredor de movimentação de um negócio que, por ser altamente lucrativo, leva os seus agentes a uma procura incessante de fraquezas no sistema, passíveis de serem exploradas.

 A percepção desse facto obriga a que, no que respeita à segurança, se repense tudo, designadamente a natureza das ameaças emergentes, a estratégia para a defesa e segurança do País no actual contexto e a estrutura das forças para a sua implementação. E o ponto de partida seria a avaliação do pensamento actual sobre essa matéria e o nível de adequação das forças para fazer face às ameaças.  

 A crise referida, evitada há cinco anos atrás, derivou, antes de mais nada, do facto de Cabo Verde, um País arquipélago, não ter um controlo mínimo das suas praias, costas e mares. Tornou-se atractivo enquanto hub para operações de tráfico. E não tem esse controlo porque foi incapaz de desenvolver e reorganizar as suas Forças Armadas (FA) tendo como seu núcleo central uma unidade aero-naval.

 Cabo Verde é um País arquipélago com dez ilhas e vários ilhéus e com uma linha de costa de cerca de 1000 KM. O mais lógico é que colocasse suficiente esforço na criação e desenvolvimento de uma guarda costeira efectiva. Tem uma vasta zona económica exclusiva por fiscalizar e responsabilidades de busca e salvamento nesta região, enquanto gestor de FIR atlântica. E, certamente, que as populações costeiras e, particularmente os pescadores, esperam que o Estado, num País de história e vivência marítima profunda, dedicasse especial atenção à segurança dos que no mar procuram o sustento e dos que asseguram o tráfico de bens e pessoas entre as ilhas, indispensável para o desenvolvimento global do País.

 Paradoxalmente isso não aconteceu. O governo durante todo o regime de partido único insistiu no exército. Ao lado manteve uma marinha incipiente. A preocupação central de então era a segurança interna, a defesa do regime. A ideia da Guarda Costeira só desabrocharia com o governo democrático. Mas o seu enquadramento nas Forças Armadas, por várias razões, designadamente constrangimentos constitucionais quanto à assunção plena do policiamento dos mares e costas e luta contra actividades ilícitas, dificultou a sua afirmação institucional. A Constituição no seu artigo 244º nº2 alínea b) diz que missões outras que não a defesa militar da República, designadamente protecção do meio ambiente e do património arqueológico submarino, prevenção e repressão da poluição marítima, do tráfico de estupefacientes e armas, do contrabando e outras formas de criminalidade organizada devem ser feitas em colaboração com as autoridades policiais e outras competentes e sob a responsabilidade destas.

 Naturalmente que isso inibe o desenvolvimento de uma força especialmente dirigida para prevenção e combate ao crime que acontece nos mares e costas do País. O papel que a Constituição parece estabelecer para às Forças Armadas, enquanto Guarda Costeira, é de apoio logístico e suporte em caso de combate mais violento. Diz claramente que só deve agir em colaboração e sob a responsabilidade das autoridades policiais. Isso retira iniciativa e, em consequência, o incentivo para o desenvolvimento organizacional que resultaria de uma capacidade operacional própria e autónoma de prevenção e combate ao crime.

 Uma outra consequência disso é ter-se um maior número de interlocutores nacionais na relação com a cooperação externa. Um exemplo recente é a entrega pela Espanha de duas lanchas rápidas à Polícia Marítima no dia 15 de Janeiro último. Segundo a Inforpress, citando fonte policial, as lanchas irão servir na fiscalização dos mares e na intercepção e abordagem de embarcações que entrem nos mares de Cabo Verde de forma ilegal. O despacho da Inforpress acrescenta ainda que para operar as lanchas, Espanha vai formar agentes da Polícia Marítima, estando já no País técnicos espanhóis que vão dar formação de pilotagem. 

 Onde, nisto tudo, pára a Guarda Costeira?

  O grande problema é que a Constituição faz uma diferença muito clara entre Defesa e Segurança Interna. Entrega às Forças Armadas a responsabilidade pela defesa militar da República e à polícia a missão de velar pela ordem e tranquilidade pública e de luta contra a criminalidade. Recentemente, o Governo do PAICV tem forçado a intromissão das FA na segurança interna, valendo-se de uma interpretação da Constituição. Conjuga o que está estabelecido no artigo 244º nº2 alínea b) da CR, dirigido especificamente para operações no mar, com a alínea f) do mesmo artigo que se refere genericamente a desempenho de outras missões de interesse público.

 Para o Governo isso significa que as Forças Armadas podem ser estruturadas numa Guarda Nacional, constituída por um corpo da Polícia Militar cuja missão principal seria o apoio à Polícia Nacional na manutenção da ordem pública, e de uma Guarda Costeira, apoiado por corpo de fuzileiros para o policiamento dos mares e costas. O Governo justifica ainda este enviesamento da Constituição com a natureza das ameaças actuais.

 As ameaças são de facto de natureza criminal e transnacional, altamente organizada, rica em recursos e sofisticada nos meios utilizados. Isso porém não significa que as FA, suportadas pelo serviço militar obrigatório, sejam a resposta adequada a elas. Mesmo que se force a interpretação da Constituição e se vá além dos constrangimentos que põe à intervenção na segurança interna, da responsabilidade exclusiva da polícia (artigo 240º).

 È interessante notar que na actuação do Governo parecem coexistir duas interpretações sobre esta matéria. Nas discussões havidas em 2005 na Assembleia Nacional a propósito da criação da Polícia Nacional (PN) e da Lei das FA ficou evidente que não havia uma preocupação de complementaridade. Por um lado, forçava-se as FA na segurança interna e, por outro, alargava-se a POP para absorver a Guarda Fiscal e a Polícia Marítima. Faltou a apresentação de uma visão conjunta da estrutura de forças.

 O resultado é o que se vê: A PN recebe lanchas rápidas para patrulhar os mares. Com isso sugere que não está disposta a ceder, para a Guarda Costeira, área da sua competência. Desenvolve a sua cooperação internacional à parte e consegue os meios, mesmo que não esteja devidamente preparada para deles fazer uso.

 O imbróglio que parece aqui existir resolveu-se noutras paragens com a criação de forças de segurança de natureza militar, chamadas ás vezes de paramilitares para as diferenciar das forças armadas. Essas forças de segurança vão de encontro à  necessidade de resposta à luta contra a criminalidade de uma forma mais robusta, de defesa da legalidade em sectores específicos mais exigentes em termos logísticos, de perícia e de disciplina, como é o controlo dos mares, costas e portos, e ainda de manutenção da ordem em áreas dispersamente povoadas. Assim, Portugal tem a sua Guarda Nacional Republicana, a Espanha a sua Guarda Civil e a França, Itália e Holanda também instituíram forças similares, Gendarmerie, Caribinieri e Marechaussee, respectivamente.

 A opção de agregar à Polícia de Ordem Pública, sem uma visão e uma estratégia que tal justificasse, a Guarda Fiscal e a Polícia Marítima, forças de segurança com uma cultura e história próprias e regimes salariais e de carreira diferenciados, foi de encontro á tentação de intrometer as forças armadas na segurança interna, desviando-as da sua missão primeira de defesa nacional. Na intercessão dessas duas opções ficou um vazio que devia ser preenchido por uma força segurança militar a exemplo de muitos outros Países. Á volta, ficaram sobreposições de competências, a ineficácia na cooperação, as dificuldades em criar capacidade própria para fiscalizar o mares, combater o crime, que usa o País como um hub, estar em posição de organizar busca e salvamento efectivo e garantir protecção civil num País arquipélago.

 Uma outra questão que esse arranjo levanta é se as FA estão essencialmente viradas para a segurança interna o que fazer do serviço militar obrigatório, estabelecido no artigo 245º da Constituição. Será que se pode obrigar cidadãos, chamados em nome do dever de fidelidade à Pátria e de participação na sua defesa (artigo 84º, alínea a), a fazer, de forma sistemática, missões de natureza policial? Entre outras questões pode-se ainda perguntar: como estender protecção, para além do período da sua incorporação de 18 meses, aos jovens rapazes, que no quadro da PM são envolvidos em operações perigosas e que, por causa delas, podem vir a ser sujeitos a retaliação?

 A questão da PM nas ruas tem levantado muita controvérsia. Muitos que se mostram a favor, provavelmente, não viram esse aspecto do problema. Talvez, porque não lhes toca directamente. Os filhos não fazem o serviço militar obrigatório. O serviço militar obrigatório não cobre todos os mancebos elegíveis. Só uma minoria e proveniente, essencialmente, de famílias de fracos recursos e de zonas rurais ou periferia das cidades é que cumpre.

 Decisões sobre as forças armadas e sobre a sua utilização estão constitucionalmente submetidas a um processo complexo. Processo que envolve o Presidente da República, o Parlamento, o Governo e órgãos consultivos como o Conselho Superior de Defesa  precisamente porque a actuação das FA resulta do esforço de cidadãos ligados pelo dever de defesa da pátria. Esforço esse que pode ir até à cedência do bem maior que é vida. Para garantir o crivo da opinião pública sobre todo o sistema o serviço militar obrigatório deve ter um carácter universal. Ou seja, as decisões devem afectar todos. Não existindo condições para isso, ele deve ser repensado

 A revisão constitucional, já em movimento, permite que as discussões, verificadas no parlamento no quadro da aprovação das leis das forças armadas e outras leis da segurança interna, sejam retomadas. Pode-se chegar a uma solução que resolva as questões de competência em matéria de segurança interna e prepare o País para enfrentar as ameaças actuais com forças dedicadas, motivadas e especialmente preparadas. 

                                                                                                   Humberto Cardoso

Publicado pelo jornal A Semana de 21 de Fevereiro de 2009

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Debate já a enviesar-se?

O debate nacional dos três projectos de revisão constitucional parece já estar comprometido. E nem se iniciaram os trabalhos preparatórios da comissão eventual.

O risco de constrangimento do debate emerge, particularmente, da tendência em se encaminhar para a polarização de posições com base partidária. E sabe-se que esta é a fórmula certa para inibir consideravelmente a participação de muitos.

Extradição, por exemplo, tem sido matéria para os partidos se degladiarem em sucessivos encontros na comunicação social e para pronunciamentos calorosos de líderes partidários. Curiosamente nem é tema central do projecto de revisão de deputados do PAICV, nem consta do projecto dos 18 deputados do MpD. Mas tem como subtexto, ou narrativas associadas, matéria que no passado recente serviu para suportar acusações irresponsáveis de relacionamento da classe política com o mundo do tráfico de drogas e do branqueamento de capitais. O que desvirtua o debate e dá à participação do MpD um carácter quase masoquista. Particularmente, quando o que, de facto, se trata é de ganhar flexibilidade constitucional para que Cabo Verde seja parte da cooperação jurídica internacional de luta contra o terrorismo e o crime organizado transnacional. A exemplo do que muitos estados democráticos como Portugal, Alemanha e França fizeram, ao alterar normas constitucionais sem pôr em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

O escopo do debate também diminuiu quando a reforma da Justiça deixou de ser prioritária. A reforma foi a razão principal para se despoletar o processo de revisão da Constituição. Mas a designação política dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça, com base no artigo 290º das disposições transitórias da Constituição, alterou tudo. O mandato de cinco anos, estabelecido pelo n.1 desse artigo, retirou urgência à reforma da Justiça nos moldes preconizados.

O novo modelo de Justiça devia iniciar-se com o fim da interferência política no Poder Judicial, o que não aconteceu. Pelo contrário, a interferência renovou-se.  

A agravar a situação está-se a prever, ainda, uma outra interferência: a possibilidade de interromper o mandato dos actuais juízes, em sede de revisão constitucional. Entre as várias consequências de se tornar transitório o mandato, é de perguntar se, não cumprindo os cinco anos estabelecidos, os juízes do STJ poderão vir a beneficiar do n.6 do artigo 8º dos Estatutos dos Magistrados que os coloca no topo da carreira da respectiva magistratura, findo o mandato.

Nada ficou firmado no sentido da transitoriedade do mandato. Vai depender de entendimentos que eventualmente os partidos poderão chegar, tendo sempre presente a oposição de círculos próximos do Presidente da República.

Entretanto, a contestação do juiz conselheiro Raul Varela, vinda dos mesmos quadrantes de sempre, persiste. A iniciativa do Procurador Geral da República, que seguramente nada tem a ver com isso, introduziu um quê de controverso ao novo STJ, ao qual  importa ao órgão superar rapidamente com uma decisão tempestiva quanto à constitucionalidade ou legalidade da nomeação do juiz Varela. De qualquer forma, prevê-se que os sobressaltos no STJ vão continuar. Se a contestação, nas suas diferentes formas, levar ao fim prematuro do mandato do Juiz abrir-se-á uma nova frente de disputa entre os partidos para se saber quem deve propor o novo juiz e como garantir a maioria de dois terços dos deputados para a sua eleição.  

Com os novos desenvolvimentos há quem diga que a revisão constitucional não irá à frente. Nota-se, entretanto, que, no ambiente distorcido criado, outras matérias constantes dos projectos de revisão constitucional e de importância para o funcionamento do sistema político já se vêem secundarizadas. Nomeadamente, as que resultam de convivência prática e diária entre órgãos de soberania e que dão soluções para se ultrapassar tensões derivadas dessa interacção. 

Tensões na relação entre orgãos de soberania existem e manifestam-se particularmente na operacionalização do princípio fundamental de separação e interdependência dos poderes. Algumas competências sobrepõem-se ou são concorrentes A tendência natural, especialmente do governo, é subtrair-se à fiscalização do parlamento.

Um caso actual revelador dessa tendência e das tensões, que gera, é a taxa rodoviária.

O caboverdiano tem hoje alguns dos seus custos agravados devido à criação dessa taxa, por decreto do Governo. É uma taxa controversa porque, entre outras razões, é tida como um verdadeiro imposto e, portanto, fora da alçada do governo. Mas não pode ser suspensa. A única saída deixada à oposição foi pedir a fiscalização abstracta e sucessiva do decreto-lei ao Tribunal Constitucional. O que aconteceu há mais de dois meses. E o que já tinha acontecido anteriormente em relação a outros decretos do governo, designadamente o decreto-lei que alterava a base de incidência do IVA. Esse decreto-lei só foi revogado pelo Tribunal Constitucional mais de dois anos depois do requerimento feito. Entretanto, todos suportaram os prejuízos e nunca foram realmente compensados pelo que pagaram a mais.

A Constituição caboverdiana, diferentemente da constituição de vários países com sistemas políticos parlamentares, não permite que o Parlamento chama a si o decreto do Governo para ratificação, com a consequente suspensão temporária dos seus efeitos. O resultado é que, se o Presidente da República não formular um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto-lei, para que o Tribunal Constitucional reaja em vinte dias, os indivíduos as famílias e as empresas poderão ficar sujeitas a custos acrescidos, com consequências gravosas para toda a economia.

Recentemente, no âmbito de um pedido de fiscalização preventiva, a taxa de iluminação foi considerada um imposto e dada como inconstitucional a forma como criada. O mesmo devia acontecer com a taxa rodoviária, visto que, aparentemente, padecem dos mesmos males. Mas como se trata de fiscalização abstracta e sucessiva, sem prazos estabelecidos, leva-se tempo a decidir, talvez sem a devida conta pelas consequências disso nas instituições, na economia e na sociedade.    

Propostas contidas nos dois projectos de revisão de deputados do MpD vêm, em diferentes graus, restaurar a primazia da Assembleia Nacional enquanto órgão legislativo, ao alargar o poder de ratificação (artigo 182º da CRCV) de decretos legislativos para os decreto-leis, no 1º projecto, e para decretos de desenvolvimento no outro projecto de revisão. Em conformidade, aliás, com o carácter parlamentar do regime político caboverdiano e em coerência com posições assumidas politicamente e levadas à apreciação do Tribunal Constitucional, em várias ocasiões.

O projecto de revisão de deputados do PAICV tem uma outra abordagem em relação a essa matéria. Propõe alteração da maioria de votos necessária para a aprovação de leis sobre impostos e o sistema fiscal (artigos 159º, 160º e 175º). Quer passar dos dois terços de deputados, actualmente exigidos, para a maioria absoluta dos deputados. Nesse caso, a responsabilidade completa para o lançamento de impostos ficaria essencialmente com o Governo e a sua maioria parlamentar.

Há quem dispute da bondade da solução, introduzida na revisão de 1999, que obrigou a maioria a conseguir o apoio da oposição para criar impostos e alterar taxas e bases de incidência dos impostos. Hoje sabe-se que a alteração constitucional serviu bem para conter a tentação de aumentar impostos. Mas tinha um outro lado. Obrigava a oposição, em certas situações, a ser co-responsável  por medidas do governo, medidas intrinsecamente controversas porque derivadas de opções de governação.

Um aspecto globalmente positivo do regime apertado, criado com a revisão de 99, foi de instilar na sociedade caboverdiana a importância de se baixar a carga fiscal. Tanto na perspectiva de forçar uma maior racionalidade e eficácia nas despesas como de contribuir para a competitividade das empresas caboverdianas. Hoje, esse sentimento é generalizado e é reforçado pelo acordo cambial. O acordo limita o governo em matéria de política monetária e exige, para a manutenção da paridade da moeda caboverdiana ao euro, uma política fiscal que favoreça a competitividade geral do País.

Relaxar ou manter rígido o sistema é tema para discussão profunda. De ambos lados há argumentos fortes. O tempo de crise que se vive actualmente irá necessariamente condimentar o debate, alterando alguns dos seus pressupostos. Muitos que já vinham cedendo à possibilidade de flexibilização das exigências constitucionais na aprovação de matéria fiscal já podem estar a rever as suas posições.

De facto, está-se a passar de um período conservador em matéria de política fiscal para um período em que défices orçamentais são aceitáveis para financiar a economia, evitar a recessão e criar emprego urgente. Porém, nestas mudanças de ideias todo o cuidado é pouco para não se passar de um extremo ao outro. E com isso levar o Estado a incorrer em custos que poderão vir a constituir sobrecargas para governos e gerações futuros.

Provavelmente não é este o melhor momento para a alteração preconizada. Entendimentos alargados entre os partidos talvez se mostrem ainda necessários para não se hipotecar o futuro com políticas fiscais desabridas. Mas o debate deve continuar. Assim como deve continuar para outras matérias constantes dos três projectos de revisão constitucional.

Melhorar o funcionamento do sistema político, adequar o País na sua globalidade a relacionar-se consigo próprio e com o mundo e daí extrair a dinâmica para sustentar crescente prosperidade para todos são objectivos que devem nortear todo o processo de discussão da revisão constitucional. Para isso é fundamental que não se deixe o debate enviesar-se. É de evitar particularmente o monopólio da discussão pelos partidos e excessivas manifestações de interesses puramente conjunturais ou politiqueiros. 

      Publicado pelo jornal A Semana de 7 de Fevereiro de 2009