domingo, abril 26, 2009

A importância da diferença

Em Cabo Verde já se vive um ambiente político pré eleitoral. Não obstante o facto de se estar a mais de dezoito meses das eleições legislativas, previstas para Janeiro de 2011.

A crise mundial pôs um fim prematuro a qualquer esperança que a actual governação do País seria capaz de cumprir os dois grandes objectivos da legislatura: o crescimento de economia a mais de 10% e o debelar do desemprego para níveis abaixo dos 10%. Não o fez no tempo das vacas gordas do crédito fácil, de expansão rápida do comércio internacional e de forte crescimento mundial. Ninguém espera que o faça no momento actual que já é chamado de Grande Recessão, para caracterizar a maior contracção da economia mundial desde da Grande Depressão de 1929.  

A crise, constituindo o fim de um ciclo e muito provavelmente de um modelo de  crescimento, impõe reflexões profundas e urgentes. De como as diferentes economias foram, por ela, apanhadas, como acabaram por ficar afectadas e que perspectivas têm de minorar o impacto e adaptarem-se às novas relações económicas que irão emergir. A preocupação com o futuro é mais premente em países como Cabo Verde que ficaram muito aquém de retirar o proveito possível, quando as condições eram mais favoráveis. 

Há a consciência que já é o futuro em discussão. Porque só políticas novas e uma renovada legitimidade irão dar tempo e energia á governação. Nessa perspectiva já se assiste o governo e o partido que o suporta a lançarem-se na ofensiva para se manterem no Poder. E a Oposição a ser espicaçada para se revelar como uma verdadeira alternativa.

Cabo Verde vive um momento de verdade. Tem que se confrontar com o facto de não obstante os níveis de crescimento atingidos não conseguiu, em mais de oito anos, baixar o desemprego para valores iguais, e muito menos inferiores, aos do ano 2000. Também tem que encarar o facto de não ter conseguido alargar a base da sua economia, deixando-a perigosamente a suportar-se sobre o turismo, como bem alertou o FMI no seu relatório de Julho de 2008. E ainda com o facto de hoje ser classificado como País de Rendimento Médio e ver progressivamente diminuir ajudas e empréstimos concessionais.   

Respostas adequadas devem ser encontradas:
  • Para questões sobre a natureza e a qualidade dos investimentos que até podem mexer com os números no PIB mas falham em alargar a estrutura produtiva e em criar empregos sustentáveis;
  • Para se saber  porque o País ainda não se mobilizou para adquirir uma cultura de serviços e desenvolver nas pessoas um espírito cosmopolita  traduzido, designadamente, na atitude certa para com o mundo e em competência linguística relevante;
  • Para se determinar o papel que o Estado deverá ter na economia nacional, o peso limite permitido na absorção dos recursos nacionais, o impacto que a descentralização, ou não, das suas estruturas poderá ter sobre a economia local das ilhas;
  • E, também, de como fazer para se passar da actual situação de dependência do Estado para uma outra de autonomia do indivíduo em que o exercício pleno dos direitos se conjuga com o sentido de responsabilidade e de pertença.

Respostas só podem ser encontradas no exercício do contraditório, em ambiente de liberdade e com elevado sentido de justiça. Pressupõem a existência de diferenças, o respeito pela diferença e a condenação da arrogância totalitária, patrioteira e moralista que insiste na inutilidade da diferença.

A democracia liberal tem nos seus fundamentos o exercício das liberdades, particularmente a rainha das liberdades, a liberdade de expressão e de informação. Ou seja, a democracia liberal não só pressupõe a diferença como vive das suas múltiplas manifestações e interacções. Compreende-se, assim, porque não há democracia sem partidos políticos e como é importante mantê-los não obstante as suas notórias insuficiências e imperfeições.

Em momentos críticos, como o actualmente vivido em Cabo Verde, é de suprema importância que os partidos sejam chamados a exercer em pleno o seu papel. Têm a responsabilidade de criar soluções de governo e devem colocar-se à altura. Ou seja, devem dizer quem são, o que representam e que políticas propõem. Com isso dinamizar o debate nacional, fazendo com a sociedade tenha uma ideia dos desafios existentes e das possíveis vias para os enfrentar e vencer. O espectáculo do exercício da democracia na América, que produziu Barak Obama, deve ser fonte de inspiração, para se discutir e encontrar soluções de políticas e de liderança para o País, na encruzilhada em que também se encontra.

O período pré eleitoral actual não deve focalizar-se unicamente nas personalidades pretendentes a líderes e nos relatos de intrigas palacianas, que acompanham a expressão das ambições. Mais do que nunca urge discutir o País. Para isso é fundamental que os partidos se dêem a conhecer, afirmem as diferenças e confrontem políticas nos diferentes sectores de governação.

O MpD e o PAICV são os dois partidos da área de governação. Como tal têm responsabilidades acrescidas. Não devem deixar deslizar-se para posturas de simples protesto ou de contra poder. Uma tentação que não é simplesmente de quem, conjunturalmente, está na oposição. Também quem governa, no alto da sua arrogância pode reagir às tentativas de fiscalização e de limitação da governação com protestos que o escusam de prestar contas e mostrar-se responsável. E pode agir como contra poder quando nega à oposição os poderes de check and balance que a Constituição lhe confere. 

Os dois partidos pilares do sistema político caboverdiano surgiram em momentos diferentes da História do País. A matriz ideológica diferenciada e a cultura política que a acompanha são tributárias das respectivas trajectórias.

O PAICV, o velho partido único, evoluiu para o campo socialista do tipo europeu. Em consonância com os tempos e no governo após 2001, a exemplo de partidos socialistas na Europa, aproximou-se mais do centro político e tornou-se, na prática, herdeiro de políticas iniciadas pelo MpD nos anos noventa. A defesa do Acordo Cambial, a implementação das reformas fiscais e o desenvolvimento do sector financeiro e de regulação ilustram isso.

O MpD, inicialmente  um movimento anti - partido único, define-se pelas tarefas que se impôs após a vitória de 13 de Janeiro de 1991. Tarefas essas em consonância com o mundo saído da queda do comunismo e do fim da Guerra Fria: a construção das instituições democráticas, a começar pela Constituição da República, e a reestruturação da economia caboverdiana, visando construir uma economia de base privada, inserida na economia mundial, a partir de uma economia estatizada, essencialmente autárcica.

No essencial ao longo dos quase quinze anos de vigência democrática os dois partidos mantiveram os elementos essenciais da sua matriz ideológica. O PAICV dá a aparência de suavizar os seus contornos, pressionado pelas instituições e procedimentos democráticos. O MpD sofreu dissensões internas em 1993 e 1998, ano do Acordo Cambial, em reacção às reformas económicas em curso, mas manteve o rumo. Na prática, tirando as nuances e focalizando no essencial, pode-se ver que o PAICV procura apresentar-se como o partido do Estado, o partido social e o partido das questões identitárias. O MpD mostra-se como o partido da Constituição e das liberdades, o partido da descentralização e o partido da iniciativa privada e da autonomia do indivíduo e da sociedade civil.  

As políticas do PAICV convergem no reforço do Estado na relação com os indivíduos, a sociedade e a economia. Resultam no elevar do nível de centralização do País e de aumento da dependência das pessoas. O partido alimenta-se de questões identitárias (nacionalismo, africanização, género, língua, etc.) aproveitando-se da motivação e forte sentimento de pertença que assola os indivíduos quando se posicionam em campos antagónicos. Sociologicamente o PAICV aparenta ser o partido da elite urbana que gravita á volta do Estado seja na Administração Pública, seja nas empresas, outrora públicas e hoje privatizadas. Compreende-se pois que insista sempre que o critério para avaliação do Governo seja o de capacidade de captação de ajuda e de outros fluxos externos. Na cadeia alimentar sustentada por esses fluxos ganha quem está no topo, ou seja quem está com o Estado.  

Em contrapartida o MpD aparenta ser o que alguém, uma vez, chamou o partido de bóias frias, o partido dos mais pobres, dos menos escolarizados e dos mais velhos. Em Cabo Verde os partidos políticos, grosso modo, não reflectem a base social que normalmente estão associados a partidos de direita e de esquerda. A razão para isso está no facto do sistema económico do País, alimentado de fora desde da sua fundação, desenvolveu um sistema rentista em que os privilegiados estão no Estado. Nas populações chega um fiozinho das ajudas, ficando a parte de leão nas elites, sob várias formas. O chamado desemprego estrutural é, em grande parte, consequência do modelo que privilegia captação de ajudas sobre a produção e a exportação de bens e serviços. A persistência do nível de desemprego a mais de 20% da população, não obstante os avultados investimentos feitos e os anúncios de entrada de milhões em investimento directo estrangeiro, é a demonstração completa do fracasso do modelo.

O que faz do MpD um partido popular e de multidões é a esperança que os deserdados do regime rentista de captação de ajudas têm de ver nascer no país uma economia nacional, inserida no mundo, capaz de assegurar empregos sustentáveis e de proporcionar rendimentos crescentes e maior qualidade de vida ás pessoas. Isso naturalmente colide com os interesses de quem beneficia da aproximação do sistema rentista. E não só. Também colide com medos atávicos em boa parte da sociedade caboverdiana, que ainda vê no Estado a salvação em caso de crises profundas. Medos esses que estão sempre debaixo da superfície e, às vezes, ardilosamente reavivados.

Mover o país para frente e colocá-lo na posição de criar trabalho para todos, e assim efectivamente combater a pobreza, deve ser o ponto focal do debate para as eleições legislativas. Questões relacionadas, como sejam o papel do Estado, a descentralização, a eficácia de justiça, a segurança, a educação e a saúde deverão ser equacionadas.
Os partidos políticos têm a responsabilidade de condução do processo. Que o debate se inicie. E que, para cada caboverdiano, fique claro qual é afinal a distinção entre um e outro partido e as opções de desenvolvimento propostas. 

    Publicado pelo Jornal A Semana de 26 de Abril de 2009

sexta-feira, abril 10, 2009

Oficializar o crioulo? Porquê a pressa

A questão de oficializar ou não o crioulo ganhou uma outra dinâmica com a apresentação do projecto de revisão constitucional, apresentado por um grupo de deputados do PAICV. Anteriormente a questão, ciclicamente, recebia impulsos políticos de diferentes quadrantes. Momentos houve, no passado recente em que Ministros, Primeiro-Ministro e o próprio Presidente da República se desdobraram em declarações, pontuadas por elementos de retórica nacionalista, clamando pela sua oficialização.

A pressão pela oficialização do crioulo tem um conteúdo essencialmente ideológico.
 No projecto de revisão constitucional, o PAICV quer “dignificar” o crioulo face ao português. Assim propõe que o nº 1 do artigo 9º da Constituição passe a ter o seguinte texto: 1. São línguas oficiais da República o Cabo-verdiano, língua materna, e o Português. Com isso pretende retirar o crioulo de algum suposto estatuto inferior e finalmente libertá-lo da opressão da língua portuguesa. O facto porém é que, em Cabo Verde, diferentemente de outros países onde se procura oficializar línguas maternas, não há discriminação do crioulo.  

Fala-se crioulo no Parlamento, o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e os Ministros falam crioulo com o País através dos órgãos de comunicação social, nenhum cidadão está impedido de fazer declarações nos Tribunais em crioulo e a Administração Pública responde a solicitações colocadas oralmente pelos utentes. No País, não há uma elite que só fala a língua do colonizador, como acontece em outras sociedades racialmente mistas, designadamente nas Caraíbas. Também não se acusa de elitismo os escritores, intelectuais e políticos que, no dia a dia, só falam português. Não se pode, pois, seriamente, erigir o crioulo como uma putativa língua de resistência em confronto com o português. Só se for para atiçar chamas nacionalistas em proveito próprio.

O crioulo parece ter emergido do estado de isolamento, abandono e pobreza extrema vivido nas ilhas que não permitiu a subsistência de uma comunidade metropolitana homogénea capaz de impor a sua língua ao resto da população. Como aconteceu, por exemplo, no Brasil, mas também, na generalidade das colónias europeias nas Américas.

Procurando a origem dos crioulos, Derek Bickerton, um linguista norte-americano da Universidade de Hawai e autor do livro “Dinâmica das Línguas Crioulas”, diz que o estudo do crioulo do Hawai demonstra que o processo inicia-se, em ambientes poliglotas forçados, com uma linguagem de recurso, o chamado pidgin, caracterizado por variações, de pessoa para pessoa, consoante a sua origem étnico-linguística. E que na sequência disso as crianças nascidas em tal ambiente apropriam-se do pidgin dos pais e vizinhos, imprimem-lhe uma estrutura, padronizam o seu uso e fazem a língua aceitável para gerações sucessivas de crianças.

Um fenómeno que parece indiciar a existência de uma gramática universal inata, como defende Noam Chomski, o linguista do MIT. Bickerton concorda com o modelo gramatical inato mas diz que só não é suprimido nas comunidades onde a língua de comunicação é o pidgin, ou seja, em comunidades sem uma língua estruturada preponderante. Para ele, a língua crioula nasce quando essa estrutura gramatical inata absorve e modela os vocábulos já disponíveis.

Steven Pinker, professor de ciências cognitivas no MIT relata um caso no seu livro The Language Instint que parece confirmar esse processo. Nas primeiras escolas de surdos- mudos na Nicarágua as crianças reunidas pela primeira vez desenvolveram a partir dos gestos de comunicação que traziam de casa um conjunto de sinais com as características e as limitações de expressão de um pidgin. A leva seguinte de alunos mais novos aprenderam esse pidgin e, ainda, segundo Pinker, reinventaram a linguagem, agora já com gramática, uma maior versatilidade e outra capacidade expressiva. E a gramática revelou-se similar à dos crioulos falados.  

Os estudos referidos mostram-se pertinentes em vários aspectos. Põem de lado a ideia de que o crioulo teria importado a sua gramática de alguma língua africana que, até agora,  ninguém parece ter identificado. Por outro lado, ao ressaltarem o carácter inato das estruturas gramaticais, ajudam a compreender a resistência que as crianças manifestam em abandoná-las. E levam a considerar as possíveis implicações no ensino e na aprendizagem da segunda língua.

Do efeito surpreendentemente resistente do crioulo caboverdiano fala Baltazar Lopes da Silva no seu livro Dialecto Crioulo: “Bem cedo o crioulo das ilhas deve ter disposto de uma estrutura coerente e de um vocabulário bastante para as necessidades; e, assim, bem cedo, ao que me parece, o homem crioulo se sentiu idiomaticamente auto-suficiente. Acrescentou ainda que a aproximação [do português] tem balizas nítidas que a contem dentro de limites naturais. E os limites são, na essência, o sistema morfológico, definitivamente simplificado e fixado há séculos e o  agenciamento sintáctico do discurso”.

A resistência do crioulo é também visível no facto de, em matéria de uso da língua, Cabo Verde ir à contra corrente do que se passa na generalidade dos países africanos, designadamente dos PALOP. Nesses países, as línguas europeias dos colonizadores tornaram-se línguas oficiais e continuam a ganhar terreno, suportando-se na crescente urbanização e escolarização. Em Cabo Verde, apesar dos altos níveis de educação e de urbanização, o crioulo continua inabalável na sua condição de língua materna.

A ansiedade, com a imaginada perda de terreno do crioulo em relação ao português, só existe nos círculos que procuram tirar proveitos políticos de conflitos identitários exacerbados. Para o cidadão comum não há crise. E nem há para os escritores, músicos e artistas diversos que têm conseguido passar com sucesso para o mundo inteiro a alma e a arte caboverdianas, sem quaisquer constrangimentos.

A Constituição estabelece no nº2 do artigo 9º que o Estado deve promover  as condições  para  a  oficialização  da   língua  materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa. Uma dessas condições seria a estandardização da escrita do crioulo, com impacto em duas áreas: a comunicação escrita do/e com o Estado e a língua de ensino.

Em termos de comunicação a oficialização obrigaria a que todos os documentos do Estado fossem disponibilizados em crioulo para quem quisesse acede-los nessa língua. A Administração Pública teria que se tornar apta a responder a solicitações escritas dos cidadãos, sem equívocos provocados pelo desconhecimento de uma escrita padronizada. Os custos que tudo isso acarretaria poderão não se justificar. Corre-se o risco de subutilização ou por falta de alfabetização generalizada no crioulo ou por falta de interesse.

No ensino, a somar aos custos de produção e publicação de manuais juntar-se-ia, a exemplo do que se passou noutras paragens, designadamente Aruba e Curação, a reacção dos pais. Uns a querer a educação só em português para os filhos em escolas privadas e outros a resignarem-se e a ficar por escolas públicas onde se ensina em crioulo. Em África, a grande maioria dos países tem uma única língua oficial, que também é língua do ensino, a todos os níveis. Poucos se aventuraram em levar as línguas maternas para o sistema de ensino

O argumento de uso do crioulo para facilitar os alunos nos primeiros anos só parece ter sentido porque o Estado falha em propiciar às crianças o acesso ao português desde da tenra idade. A consagração constitucional da língua portuguesa como língua oficial obriga o Estado a agir no sentido, por exemplo, de redefinir todo o pré-escolar como o centro focal do esforço nacional em tornar verdadeiramente bilingue o caboverdiano. O caboverdiano não é bilingue por deficiência do seu crioulo, mas sim por falhas no domínio do português. E é isso que urge remediar.

O Governo com o decreto-lei nº8/2009 aprovou um alfabeto para a escrita caboverdiana, o chamado ALUPEC. Não ficou definido uma forma padronizada de escrita. Simplesmente fez-se uma opção de como escrever o crioulo nas suas diferentes variantes. E, provavelmente, não foi boa opção ter seleccionado o alfabeto fonético – fonológico, em detrimento do alfabeto etimológico. 

O próprio preâmbulo da lei dá conta do uso generalizado do alfabeto etimológico nas publicações dos escritores, poetas e ensaístas caboverdianos nos séculos dezanove e vinte. Assim fala de Adolfo Coelho, Cónego Teixeira, Napoleão Fernandes, Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, Baltasar Lopes, Dulce Almada, B.Leza, Sergi Fruzoni, Luís Romano, Jorge Pedro Barbosa, Ovídio Martins, Kaoberdiano Dambará, Kwame Kondé, Emanuel Braga Tavares, Ano Nobo, Manuel d´Novas e muitos outros. A experiência no uso do alfabeto fonético – fonológico, para além do caso do António Paula Brito no século dezanove, só a registar trabalhos na recolha e transcrição de tradições orais, obras do doutor Manuel Veiga, actual Ministro da Cultura, e algumas traduções de clássicos portugueses feitos por José Luís Tavares. 

O alfabeto etimológico aparenta ter uma outra vantagem, para além do seu uso abrangente por vários autores ao longo de mais de um século. O crioulo é classificado como uma língua neolatina. Quase a totalidade do seu léxico deriva de línguas latinas. Num ambiente em que, em simultâneo, se aprende duas línguas, português e crioulo, ou mais de duas línguas (português, crioulo, francês e mesmo inglês), obrigar as crianças caboverdianas a escrever palavras com a mesma origem etimológica, usando alfabetos diferentes, causa a maior apreensão. O nível actual de rigor ortográfico dos alunos no ensino primário e secundário já traz sérias preocupações a pais e professores. Imagina-se a evolução dos alunos com a generalização do uso do ALUPEC .

Quanto á variante do crioulo a adoptar na padronização necessária para a oficialização do crioulo, isso não parece fácil, nem despido de controvérsias. Baltazar Lopes dizia que “Era preciso que já existisse uma literatura, um passado literário escrito para nós podermos escolher um crioulo padrão” . E advertiu, “não confundamos viabilidade da língua escrita com a da língua oral. O uso oral do português data do século V ou VI… mas o português [escrito] só no século XIII”.

Em Cabo Verde, a abertura constitucional para a oficialização do crioulo existe mas as condições adequadas terão que ser criadas. As autoridades devem ser pacientes e resistir à tentação de usar uma questão tão séria, e com implicações múltiplas e complexas, para o presente e futuro do País, como elemento de agendas político-partidárias, ou outras.

       Publicado pelo Jornal A Semana de 10 de Abril de 2009