segunda-feira, maio 31, 2010

Findar "o mais do mesmo"

Cabo Verde luta com desemprego acima de 20% na população em geral e de mais 40% entre os jovens. As perspectivas de emprego variam de ilha para ilha. Nalgumas ilhas, desemprego é consequência da estagnação ou falta dinâmica económica. Noutras resulta, em parte, de migrações para os centros urbanos, particularmente para a Capital, à cata de emprego induzido pelas despesas concentradas do Estado e de particulares.

O drama de milhares de pessoas que se vêem desempregadas ou subempregadas parece não tocar profundamente a consciência da Nação. È a sensação que se tem quando é notório nos discursos dos governantes a quase ausência da problemática de criação de emprego. O discurso insiste no mesmo de sempre: a criação de meios. E fica por aí, sem que ênfase ou qualquer consideração especial se dê à questão básica: como vão esses meios debelar o desemprego? Em que grau e medida? O custo dos meios utilizados justifica-se face aos benefícios esperados na criação de postos de trabalho, na e dinâmica empresarial conexa e nas exportações de bens e serviços?

A insensibilidade perante o desemprego coloca o País num lugar à parte do que se vê acontecer no mundo real. Por exemplo, no fim da semana passada, 3 de Abril, as manchetes dos jornais em todos os continentes convergiram para as últimas estatísticas do mercado de trabalho na América que apontavam para a criação de 162 mil novos empregos. Porquê? Porque crescimento económico, acompanhado de criação de postos de trabalho, é globalmente visto como sinal de se está a trilhar o caminho certo.

Em Cabo Verde, pelo contrário, fala-se por exemplo do programa Casa Para Todos e não fica claro quantos postos de trabalho a curto e médio prazo vão ser criados com o empréstimo de 200 milhões de euros. Ou como se vai usar a construção de 8000 casas para ajudar a consolidar as empresas de construção civil nacionais. E como se vai aproveitar a carteira de trabalhos para ajudar a estruturação do mercado de trabalho no sector e a fomentar articulação desejada entre os esforços de formação profissional e as necessidades das empresas e do País em ter trabalhadores produtivos, qualificados e com zelo profissional. Curiosamente, sabe-se logo à partida, via declarações do Director Geral do MDHOT, citadas pelo Expresso das ilhas de 11 de Março, que com a dívida criada de 200 milhões de euros "apenas 20% dos bens e serviços de origem cabo-verdiana podem ser adquiridos. Os restantes 80% serão de origem portuguesa".

A mesma coisa aplica-se quando se ouve insistentemente na comunicação social estatal os anúncios das barragens a serem construídas. Mais uma vez o discurso concentra-se nos meios. Água parece ser tudo. A questão de que tipo de culturas, cash crops, pode-se produzir de forma rentável é secundarizada e a problemática do mercado não é devidamente equacionada. As ilhas dos Açores e de S Tomé e Príncipe testemunham que água não é, talvez, o constrangimento maior. Central é o acesso a mercados externos, tendo em conta a pequenez, a descontinuidade e os custos adicionais de transporte que caracterizam o mercado interno insular. Por outro lado, a competitividade dos produtos exportados, como mostra a história de todas as ilhas e de todos os arquipélagos, não é certa nem permanente. Na generalidade dos casos é puramente conjuntural.

A sensação de dèjá vu reforça-se com actos como o lançamento da primeira pedra do Centro Tecnológico no passado dia 25 Março. O Governo apressou-se logo a anunciar que estava “a lançar as bases de um sector que será motor da nova economia de Cabo Verde”. A visão do Primeiro-Ministro é que o Centro Tecnológico “albergue actividades de investigação avançada e aplicada, desenvolvidas preferencialmente pelas universidades, bem como projectos de concepção e desenvolvimento de soluções informáticas aplicadas nos domínios estratégicos”. Não ficou claro, porém, é como os investimentos previstos de 17 milhões de dólares irão traduzir-se em crescimento económico e criação de empregos no sector, ao ponto de vir a ser qualificado como motor da economia nacional.

Provavelmente, porque falta essa preocupação central com o crescimento e o emprego, é que todo o esforço de construção da governação electrónica, avaliado em quase um milhão de contos, não teve os efeitos desejáveis no emprego e no desenvolvimento empresarial na área das TICs (tecnologias de informação e comunicação). Perdeu-se a oportunidade que o e-government, com a sua procura sofisticada de serviços, poderia constituir num mercado pequeno como Cabo Verde para arrancar o sector. Ficou mais difícil arrancar algo que bem poderia vir mostrar capaz de fornecer serviços a privados e exportar, via serviços de outsourcing, e, também, de ser motor de crescimento e de criação de empregos jovens em todas as ilhas.

Mas, pelo que se vê, agora é que se pensa em lançar bases. Bases que, de imediato, só podem ser as de betão. Porque as outras, como ter gente qualificada para investigação avançada e para criar soluções vendáveis no mercado global, levam o seu tempo e exigem um ambiente cultural e intelectual que, positivamente, não é o que prevalece no País.

Noutras paragens a mentalidade é completamente diferente. Recentemente a revista Economist referiu-se às grandes expectativas geradas no Quénia pela amarração próxima de três cabos de fibra óptica. O governo mostra-se optimista e projecta a criação de mais 120 mil empregos só em Business Processing Outsourcing (BPOs) designadamente em call centers, digitalização e introdução de dados. No Gana, já com uma boa experiência de servir o mercado americano em call centers e serviços de back office, o governo espera criar 40 mil empregos no sector até 2015.

Aqui em Cabo Verde tudo indica que na criação dos bancos de dados de suporte à governação electrónica não se teve em devida consideração soluções de criação de emprego. Na introdução dos dados podia-se ter privilegiado métodos de utilização intensiva de mão-de-obra. Isso teria criado empregos para jovens saídos dos liceus em todas as ilhas. E poderia ter sido o gérmen de criação de empresas de prestação de serviços que, com a experiência adquirida, poderiam desenvolver um potencial de exportação para outros países, designadamente os lusófonos.

O Call Center da Praia que chegou a gerar mais de 200 empregos permaneceu uma experiência isolada. Para isso deverá ter contribuído o facto de contornar parte significativa dos custos elevados das telecomunicações do País com uma ligação directa ao cabo de fibra óptica Atlantis 2. A excepção criada teve pelo menos duas consequências: Não apareceram outros operadores de call centers internacionais e o Governo não deu a prioridade necessária à questão da competitividade externa do País em termos de custos de comunicações.

O Primeiro-ministro inaugurou o call center em 2004 e ficou-se basicamente por aí. Imagine-se o número de postos de trabalho que poderiam ter sido criados com o alargamento da actividade. E os efeitos induzidos na formação profissional e na definição das prioridades do sistema educativo, designadamente no que respeita às competências linguísticas que são estrategicamente importantes para o País.

A problemática dos custos de comunicações central para um país pequeno, insular e remoto devia ter sido confrontado com mais visão, mais pragmatismo e menos posturas politiqueiras, do género das que causaram estragos nos sectores de energia e água. O resultado é que os BPO, que bem podiam ter representado uma opção real para o País, passaram de lado. Indiferente a isso sonha-se com a comercialização de soluções informáticas, produtos colocados muito mais acima na cadeia de valor internacional, sem muita preocupação pelo que é exigível, em termos de sofisticação, para fazer brotar tais criações.

A disponibilidade do Banco EXIM, export-import, da China de financiar em 17 milhões de dólares o sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já abriu um caminho que pode levar ao aparecimento de um novo operador de telecomunicações. A empresa chinesa Huawei vai dotar o Estado de um sistema de comunicações wireless com a tecnologia WiMax, que irá cobrir todo o território nacional. O sistema em princípio é para servir a rede do Estado. Resta saber se irá além disso, para também entrar no mercado de oferta de serviços em banda larga, valendo-se da “muleta” dos computadores do Mundo Novo. O concurso lançado pela ANAC, a agência de regulação, em Dezembro último para operadores de 4G, WiMax e LTE, não deverá ser completamente alheio a todo esse desenvolvimento.

Uma vez mais, o Governo, indo atrás dos meios, muitos deles resultados de promoção das exportações de outros países, não cuida o suficiente da necessidade urgente de Cabo Verde conseguir exportar os seus produtos e serviços e criar novos empregos. Urge de facto baixar os custos de comunicação em Cabo Verde. Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações. E não é só para incentivar o acesso a utilizadores internos. Fundamentalmente uma quebra nos custos deve ser um componente essencial de competitividade externa de possíveis serviços a exportar, usando mão-de-obra a partir de qualquer ponto do território nacional.

Os avanços de Cabo Verde do 107º lugar para 102º no índice 2010 da ITU, União Internacional das Telecomunicações, verificam-se essencialmente no acesso e na diminuição de preços. Quanto ao uso mantém-se baixo, contribuindo para isso a falta de concorrência na banda larga, com um único provedor a prestar serviço de ADSL a partir da linha do telefone fixo. Certamente que o aparecimento de outros operadores de banda larga, utilizando redes wireless, WiMax ou LTE, deverá baixar os custos e aumentar o acesso.

O uso só dará um salto gigante se os custos de interligação com outros pontos do globo caírem significativamente. Nisso, o Governo, estrategicamente, deverá aplicar-se para que toda uma actividade empresarial de importância para a economia nacional ganhe ímpeto. Mesmo actividades como a imobiliária turística e residencial poderão beneficiar da possibilidade de potenciais compradores se decidirem pela compra, cientes que facilidades e baixo de custo de comunicações com a Europa e o resto do Mundo lhes permite, de forma permanente ou temporária, trabalhar a partir de Cabo Verde.

Por tudo isto é fundamental que se crie e se mantenha uma pressão sobre os governantes no sentido de sempre terem presente a questão central da governação que é de mobilizar as energias da Nação para o crescimento económico e a criação de empregos. Evitam-se assim tentações de se transformar o governo do País numa gigantesca operação de relações públicas e propaganda, cheia de gestos simbólicos e cerimónias vazias, enquanto milhares se mantêm desempregados e a pobreza e o desespero se acentuam. Publicado no Jornal Asemana de 9 de Abril de 2010

segunda-feira, maio 24, 2010

Crise 2.0 : Será desta?

Finalmente foram publicadas números sobre o emprego em Cabo Verde. Mudou-se a metodologia do estudo, mas 3,5% continua a ser o aumento em desemprego registado ao nível nacional. S.Vicente ficou em primeiro lugar com 26,7% de desemprego.

Os dados do emprego vieram confirmar o que tem sido o maior falhanço do Governo actual. A incapacidade em acertar com numa política económica que propiciasse crescimento sustentável e emprego em número suficiente para debelar o desemprego e satisfazer as expectativas de quem anda à procura de trabalho ou entra pela primeira vez no mercado de trabalho. Já trocou cinco vezes de titular de Economia, mas não muda políticas nem a atitude em relação á economia e ao sector privado nacional. Actualmente é o próprio Primeiro-Ministro a assumir a pasta, coadjuvado por um Secretário de Estado Adjunto, e tudo continua essencialmente na mesma.

O Governo tem invocado a Crise internacional como razão pelo não cumprimento das promessas de crescimento e de emprego. Mas muito claros eram os sinais de quebra de ritmo antes da crise. Via-se que as oportunidades criadas pelo boom no crédito e a expansão do comércio internacional, esfumavam-se por entre os dedos dos caboverdianos. Intenções de investimento perdiam-se com demonstrações de ganância, com obsessão de controlo e com a luta politiqueira entre o Governo e as câmaras municipais.

S.Vicente foi especialmente atingida pela falta de visão, pela falta de vontade e pela cultura política de prepotência do Governo central. Nos primeiros anos de governação assistiu perplexo à retirada do Promex, o centro de promoção de investimentos. Subsequentemente foram destruídos milhares de postos de trabalho na indústria. A promessa que o programa americano do AGOA podia significar para a expansão industrial e mais emprego esvaneceu-se perante a indiferença do Governo. Ficou claro que os governantes só se deixam excitar com programas como o MCA, que é essencialmente de doações.

As facilidades de exportação do AGOA foram aproveitadas, por exemplo, pelo Lesotho, um pequeno país encravado entre vários outros no sul da Africa e a muitas horas de voo dos Estados Unidos. Segundo a publicação do Banco Mundial “Yes, Africa Can” Lesotho criou mais de 35 mil postos de trabalho entre 2000 e 2008 na indústria de vestuário e calçado. E, a jusante e a montante da actividade de exportações, conseguiu erguer um cluster de indústrias e serviços conexos que, para além de criar mais emprego, lhe garantiu sustentabilidade e competitividade acrescidas.

O Governo não parece interiorizar a ideia que Cabo Verde, com um mercado interno minúsculo, tem que desenvolver um sector exportador de bens e serviços para garantir a sustentabilidade da economia. Já foi colocado no grupo dos países de rendimento médio e sabe que doações e empréstimos concessionais, paulatinamente, irão desaparecer. E as remessas dos emigrantes, que ainda constituem uma boa almofada para as populações, principalmente em tempo de dificuldades, inevitavelmente terão peso menor no cômputo global da economia nacional.

A publicação dos dados sobre o mercado de trabalho é acompanhada, mais uma vez, da desculpa de que o desemprego é estrutural, para justificar a incapacidade de criar postos de trabalho a taxas aceitáveis. Mais do que nunca essa desculpa não deve ser aceite. A actual crise europeia alerta contra o uso do rótulo “estrutural” como pretexto para não se agir decisiva e tempestivamente. Procrastinação paga-se caro.

Países como Grécia e Portugal encontram-se na actual situação, a braços com uma nova crise, porque ignoraram por muito tempo os problemas estruturais. Não reagiram consequentemente à queda progressiva da competitividade externa dos seus bens e serviços e às dificuldades em criar novos sectores de actividades onde as vantagens comparativas poderiam ser potenciadas. Beneficiaram das vantagens da moeda única, designadamente ao nível do crédito, mas acumularam dívidas que hoje, sem um sector exportador dinâmico, se mostram incapazes de pagar.

Os tempos de bonança dos fundos de integração na União Europeia não foram aproveitados para modernizar e diversificar a economia, qualificar a mão-de-obra e ultrapassar ineficiências cruciais para a competitividade futura. Pelo contrário. Serviram de pano de fundo sobre o qual alguns puderam enriquecer em actividades protegidas da concorrência. Salários e preços aumentaram, sem correspondente crescimento da produtividade nacional. E desequilíbrios macroeconómicos se acentuaram, sob o peso da dívida pública e privada.

A crise financeira de 2008 pôs a nu as falhas estruturais de muitos países. Endividaram-se com o intuito de resgatar o sector financeiro, em risco de insolvência, e para estimular a economia com investimentos públicos e outras despesas do Estado. Mas a recuperação tem sido lenta e os défices gargântuos, criados no processo, ameaçam com uma nova crise: a crise da dívida soberana. E é para diminuir o risco dessa crise que medidas severas têm sido tomadas na Grécia, em Portugal e Espanha. Decidiram, entre outras medidas, por cortes e congelamento de salários, alterações na idade de reforma, paralisação de investimentos públicos de prioridade duvidosa e diminuição da cooperação. A Espanha propõe-se fazer um corte de 600 milhões de euros na ajuda ao desenvolvimento.

Não tinham outra escolha. Sem a possibilidade de desvalorizar a moeda para ganhar competitividade em relação aos seus principais parceiros comerciais, também eles da zona euro, a única via que os ficou foi realinhar, por baixo, salários e preços. O problema é que isso pode levar a uma recessão difícil de ser contornada. A falta de confiança na eficácia de todas essas medidas é notória no persistente deslize do euro em relação ao dólar, não obstante as garantias do Banco Central Europeu.

Em Cabo Verde, a reacção às crises sucessivas têm tido um quê de surrealismo. È como se pertencesse a outro planeta. Primeiro, o Governo proclamou que tinha blindado o País contra a crise. Depois, quando se tornou evidente a paragem de todos os projectos nas várias ilhas, mas particularmente em S.Vicente, devido essencialmente à sua atitude “controleira e obstaculizante, içou a bandeira da Crise para se justificar pelas promessas não cumpridas de emprego e crescimento. A seguir, o Governo pretendeu que, com os investimentos em infra-estruturas e aumento geral das despesas públicas, estava a seguir os mesmos caminhos de estímulo à economia nacional, adoptados noutros países.

O resultado disso tudo vê-se no défice orçamental de mais de 9%, no défice da balança de pagamentos de 19% e no nível da dívida pública a aproximar-se dos 100% do PIB. Os indicadores macroeconómicos ultrapassam em muito os limites definidos na Lei de Enquadramento Orçamental com vista à sustentabilidade do Acordo Cambial com o euro. São dificuldades similares de défice orçamental, de défices nas contas externas e de dívida pública que ameaçam precipitar vários países europeus numa situação crítica, pré insolvência.

Como esses países também Cabo Verde, devido ao Acordo Cambial, não tem a opção de desvalorizar a moeda, sob pena de gerar uma crise de confiança de resultados imprevisíveis. Quer isso dizer que a única saída para repor os equilíbrios macroeconómicos poderá passar por medidas fiscais austeras, com consequências severas para as populações. A diminuição nas remessas de emigrantes em 10%, segundo o relatório do Banco Central, é um sinal que deixa adivinhar tempos ainda mais duros à frente. Particularmente porque o grosso dos emigrantes na Europa está precisamente nos países mais atingidos pelas medidas de ajustamento estrutural.

O Governo, já em plena campanha eleitoral, não dá mostras de encarar a situação com a atenção devida. Enquanto na Grécia o 13º e o 14º mês de salários são cortados, em Cabo Verde, o Primeiro-Ministro promete o 13º mês. E no afã de gerir as expectativas, com vista a ganhar mais um mandato, não se coíbe de manter as políticas e a atitude de anos atrás, que pouco contribuíram para criar emprego e aumentar o rendimento das pessoas.

A Afrosondagem publicada há dias mostra a insatisfação geral do eleitorado caboverdiano, em 61%, com o Governo, quanto à criação de emprego, justiça, segurança e a luta contra pobreza. De facto, facilmente se constata que a questão do emprego não é prioridade nos discursos dos governantes. Falam de financiamentos, da credibilidade do país e dos meios disponibilizados mas põem em segundo plano emprego e mercado para os produtos. Emprego, quando referido, é como algo a resultar automaticamente da formação profissional. A realidade porém é outra. Segundo o engenheiro António Canuto, citado pela Inforpress de 16/5/2010, “Aquelas formações que nós preparamos em 10 meses ou um ano, nenhum país já precisa. Temos milhares de jovens formados em culinária, electricidade, canalização, que se diz qualificada, mas desempregada”.

Quanto ao impacto dos investimentos em infra-estruturas, suportados na dívida externa, há que ter, citando o economista do Banco Central Péricles Silva, a devida ponderação na hierarquização e prioridade das nossas necessidade/investimentoss mas sobretudo na sua qualidade, não se criando elefantes brancos tendo em conta os efeitos futuros”(Asemana, 14/5/10). Uma ponderação difícil, particularmente quanto se procura conciliar as razões do governo português, em criar as linhas de crédito, que são as de subsidiar as exportações e apostar na internacionalização das suas empresas, e as razões caboverdianas, que, em tese, deviam ser de criar emprego, densificar o tecido empresarial nacional e provocar o maior efeito de arrastamento no resto da economia. E não está a resultar. O crescimento continua fraco, o desemprego aumenta, as empresas nacionais lutam por sobreviver e a dívida agiganta-se. Interpretando a intenção dos 41% no Afrosondagem que dão nota positiva ao programa de infra-estruturas, parece que só o Governo está a ganhar.

A Crise Financeira de 2008/9 não serviu para Cabo Verde sair do seu torpor habitual e questionar porque aproveitou tão pouco do tempo das vacas gordas. A Crise da Dívida Soberana de 2010 é mais um aviso do que pode acontecer quando um País não tome a sério os seus desequilíbrios externos. Mostra como podem falir, caso da Argentina em 2000 ou ver-se à beira da falência como acontece agora com a Grécia.

A oportunidade nos dois momentos de se discutir as opções do País é desperdiçada por razões de apego ao Poder, a todo o custo. Com tal propósito, usa-se e abusa-se de recursos do Estado para impedir discussão e propagandear posições que só enaltecem o governo e mantêm a sociedade e o País presos na miragem da ajuda e da cooperação. Deixa-se por renovar, durante meses e anos, mandatos de administradores e do próprio governador do Banco Central (BO II Série de 12/5/2010). O que pode indiciar tentativas de condicionamento de instituições fundamentais para manutenção de confiança no País. Recrudesce-se a campanha contra as câmaras, recorrendo a ministros, deputados e serviços desconcentrados do Estado, para passar às populações que a responsabilidade pela estagnação económica e pelo desemprego não é do Governo da República, mas sim dos autarcas.

Uma segunda crise ameaça a Europa e o mundo. Será desta que os caboverdianos irão equacionar seriamente o futuro?

segunda-feira, maio 10, 2010

“Espectáculo” duvidoso em S. Vicente

A polícia judiciária procedeu a uma busca nalguns gabinetes e serviços da Câmara Municipal de S.Vicente no dia 27 de Abril. A PJ considerou necessária montar um cerco ao edifício da câmara e congelar durante mais de quatro horas o funcionamento dos serviços. Funcionários e utentes apanhados no local a tratar dos seus assuntos foram bloqueados à saída. Munícipes necessitados dos serviços da edilidade foram impedidos de entrar.

A intervenção policial em S.Vicente causou estranheza e perplexidade na ilha e no resto do País. A operação levantou sérios problemas quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade na utilização da força policial.

Muitos questionam se, para os fins pretendidos com a busca, foi adequado desencadeá-la quando simples utentes presumivelmente sem qualquer relação com a matéria em investigação encontravam-se no edifício. E que, por isso, viram os seus direitos restringidos pelas autoridades policiais, confinados que foram ao espaço da Câmara sem capacidade de livre movimentação.

Também se questiona se era indispensável que a investigação fosse feita no horário normal de funcionamento dos serviços da câmara municipal. Se o objectivo das buscas era a captura de indícios ou factos no fluxo de dados ou na interacção dos serviços com os municípes durante o expediente diário. Porque só assim se pode explicar que, funcionando os serviços em horários único, não se fizesse a busca depois do expediente ou antes, notificando no momento e local certo e de forma coordenada os visados pelos mandatos de busca e poupando os outros funcionários, os eventuais utentes e a imagem da instituição.

Ainda se questiona se o aparatus e a disposição das forças policiais na definição de um perímetro de segurança à volta do edifício da Câmara Municipal contando, segundo alguns relatos, com suporte em standby de elementos da polícia militar, se justificava. Se era proporcional com a possibilidade de resistência que razoavelmente podia-se antecipar. Não parece que haja registos de sinais por parte dos visados nas investigações que podiam oferecer resistência de qualquer espécie. Pelo contrário declarações públicas proferidas em várias ocasiões por titulares dos órgãos municipais de S.Vicente convidavam a posturas mais proactivas das autoridades na investigação. Precisamente para que o mais rápido possível se chegasse ao completo esclarecimento de acusações feitas e consequente despolitização do processo.

Segundo órgãos de comunicação social no local, finda a busca, a polícia judiciária acabou por sair do edifício da Câmara Municipal com vários documentos e um computador. Para trás ficaram o stress e inconveniências provocados em funcionários e cidadãos durante as horas de confinamento. E também a forte beliscada na imagem da instituição Câmara Municipal de S. Vicente. Os tumultos populares, aparentemente considerados na montagem da operação e contra aos quais as forças da ordem se prepararam e se equiparam até o pormenor do colete à prova de balas, não aconteceram. Mas uma sensação de desnorte e descrédito parecia invadir todos os que presenciaram a cena e puderam constatar a forma ligeira, desrespeitosa e intimidatória como foi tratada uma instituição venerável de S.Vicente que é a sua câmara municipal. E para quê?

Não se cumpriram todos os mandatos de busca. A presidente da câmara municipal, quem oficialmente responde em juízo pelo órgão, esteve ausente. Mesmo objecto do mandato judicial não foi requerida a sua presença nem se procedeu à busca do seu gabinete. Para um observador de fora isso parece estranho e naturalmente que convida a interrogar que outros factores, que não os de eficácia, pesaram nas decisões tomadas, tanto na escolha do momento como em limitar o escopo da operação. Complica ainda mais as coisas o ataque, coincidente com a operação policial, deferido contra a câmara por elementos da estrutura local do partido que suporta o Governo, a questionar a legitimidade do presidente substituto da câmara municipal. Os mesmos que têm sido protagonistas das denúncias a conta-gotas, numa clara manobra de instrumentalização da Justiça e de incriminação e julgamento de pessoas e instituições, através da comunicação social.

A fonte na PJ citada pelo Jornal Asemana de 30/4/2010 deixou claro a multiplicidade de intenções que rodearam a acção policial: “ A operação foi espectacular, um sucesso. Mais tarde veremos os resultados. O mais importante em tudo isso foi mostrar que a PJ e o Ministério Público estão atentos a qualquer situação de criminalidade e têm total autonomia para investigar os processos que têm em seu poder. Que se saiba não houve desmentido da PJ em relação a essas declarações. Supõe-se, então, que o móbil da operação foi fundamentalmente espectáculo, para mostrar autonomia. Os resultados vêm em segundo lugar. O problema que não se dá “show” de autonomia perante câmaras municipais, com as quais não há qualquer relação orgânica ou tutelar. Menos ainda com uma câmara da oposição sujeita à pressão do governo e a uma longa e perversa guerrilha dos responsáveis locais do partido que suporta o Governo. Muito pelo contrário.

Ninguém põe em causa que se faça investigação criminal e que se procure ser o mais eficaz. Mas às forças da lei exige-se que não se poupem em esforços para conduzir todo o processo com respeito pelos direitos das pessoas e a agir tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade.

Na democracia o Estado detém o monopólio de violência e deve ser o garante do exercício pleno das liberdades e da segurança dos cidadãos. O Estado realiza-se no papel de garante da Liberdade e da Segurança posicionando as forças da ordem na primeira linha de defesa dos direitos dos cidadãos e da legalidade. Para isso mostra-se fundamental que crie e mantenha mecanismos institucionais múltiplos no interior e no exterior das forças de segurança para controlar abusos e manter as forças imunes à corrupção e impermeáveis a tentações de instrumentalização política.

O desafio que o assumir pleno desses papéis coloca ao Estado, no momento em que emergem novas e mais complexas ameaças, tende a passar de lado em Cabo Verde. Perde-se em grande parte na avalanche de argumentos políticos que são esgrimidos pelas diferentes forças políticas sempre que a temática da segurança é trazida à ribalta. O Governo defende-se de qualquer criticismo em direcção às práticas das forças de segurança acusando os críticos de atacar essas forças. E vai mais longe com insinuações mais ou menos veladas de que a oposição, com as suas chamadas de atenção, coloca-se na posição de incentivo, conluio e associação a actividades criminosas.

Uma barreira levanta-se entre a população que exprime o sentimento de insegurança e o Estado que lhe dá em troca dados estatístico a provar que está enganada. “É só impressão” dizem as autoridades. Pessoas queixam-se de abusos da polícia, humilhações e mesmo de agressões nas esquadras e o Governo não responde, não comunica com a sociedade. Não diz se a polícia abriu um inquérito interno. Se a Tutela mandou sindicar a situação. Quais foram os resultados. Se houve processo disciplinar e/ou processo criminal. Se foi criado algum órgão para rever os procedimentos policiais com o fito de evitar essas situações. Se nos currículos na escola de formação da polícia está-se a pôr maior ênfase na capacitação para uma relação de confiança com a população.

O governo, ao não agir para pôr a Polícia a salvo de tentações de abuso de poder com meios institucionais adequados, falha na protecção da instituição policial, falha no incentivo a uma melhoria permanente dos métodos da instituição e falha em criar o ambiente indispensável de confiança entre a população e a polícia. Tudo isso tem custos. A polícia exige mais meios para compensar a falta de colaboração da população. A eficiência no uso dos meios diminui porque, devido à falta de feedback e de pressão institucional, não se revêem os procedimentos na acção policial para os adaptar às novas situações. A sociedade fica mais violenta porque as pessoas não confiam na polícia e agem por conta própria e a polícia é obrigada mais vezes a recorrer a violência para se impor e compensar a sua menor capacidade de dissuasão e de persuasão.

O abalar das instituições do Estado e também da sociedade civil tem um efeito corrosivo na sociedade. Os indivíduos ficam mais soltos, potencialmente mais violentos e menos propensos a aceitar pressões de grupo ou da comunidade para evitar incivilidades e comportamentos anti-sociais. Quando se organiza Fórum para reflectir sobre a violência, um ponto importante devia ser avaliar em que medida certas políticas e acções das autoridades concorrem para abalar o tecido social e dissolver os laços que ligam os indivíduos às suas comunidades.

A humilhação a que foi sujeita a Câmara Municipal de S. Vicente claramente não serviu o interesse da comunidade nacional de elevar o respeito pelas instituições públicas. Serviu outros interesses que não os de uma investigação criminal que se quer sempre eficaz, discreta e conclusiva. Serviu interesses de espectáculo e de demonstrações “macho” para outrem. Foi aproveitado para mais uma machada política no quadro de uma guerrilha que vem de longe. Fragilizou as instituições envolvidas.

Espera-se que a Justiça seja feita para que a dignidade das instituições públicas seja reposta.

segunda-feira, maio 03, 2010

Auto-Censura Reforçada

Sucessivos relatórios da Freedom House e de outras organizações similares destacam a auto-censura como um factor impeditivo da liberdade de imprensa em Cabo Verde. Jornalistas e órgãos de comunicação social rotineiramente abstêm-se de perseguir com afinco notícias ou de confrontar as fontes. Na generalidade dos casos limitam-se a repetir informações oficiais. A contextualização das notícias é mínima e raramente se evoca a memória de factos e de pronunciamentos passados para responsabilizar actores políticos e elucidar a opinião pública.

Ainda não se estabeleceu de forma inequívoca a ideia de que, na democracia, a comunicação social serve o público, garantindo o pluralismo e assumindo-se como veículo essencial para o exercício da liberdade de expressão e de informação. E que nessa qualidade dá conteúdo à liberdade de imprensa enquanto liberdade-resistência contra os poderes públicos e afirma-se como garante da livre formação da opinião pública.

A tendência prevalecente é para se deixar enredar nos interesses políticos de partidos ou de certos sectores e personalidades no interior dos partidos. Particularmente preocupante é a postura da comunicação social pública, com destaque para a televisão. É onde se concentra o esforço de manipulação da opinião. O resultado vê-se no nível persistentemente baixo da comunicação social caboverdiana, não obstante os vinte anos de vivência democrática e o nível educacional de entrada na profissão cada vez mais elevado dos jornalistas.

A auto-censura que a malha de interesses gera não permite que os órgãos de comunicação, em especial os públicos, sejam learning organizations para os seus profissionais: Que se revelem e se realizam como espaços de maturação e consolidação de experiências, como depositários da memória colectiva e como portadores de uma ética e de um ethos próprio que prima pela busca da verdade e encontra satisfação na emergência de uma opinião pública informada. Pelo contrário, nota-se que se tornam em espaços onde se verificam, amiúde, desperdício de talentos, quebra de motivação para fazer melhor e oportunismo de alguns.

É esse ambiente de auto-censura que o Governo quer perpetuar e aprofundar com as novas leis de comunicação social. Nesse sentido propõe-se agir em três vertentes:

1-Condicionar a comunicação social transformando-a em parceira de desenvolvimento.

O Governo justifica-se com a necessidade de uma parceria com os media para colmatar uma suposta insuficiência de formação dos cidadãos. Parece que o pluralismo e a livre expressão de ideias e de correntes de opinião na democracia não propiciam boa cidadania. Por isso, acredita que o Estado deve intervir para dar formação e, nesse sentido, disponibiliza-se para subsidiar, premiar e dar benefícios fiscais a jornalistas e órgãos de comunicação social que melhor se mostram como parceiros na promoção de políticas de desenvolvimento e na censura de más práticas. .

O problema é que políticas económicas e critérios de censura, obviamente, só podem ser os conforme às opções políticas, ideológicas e estéticas governamentais. E quando tais opções entram pela porta o pluralismo e a liberdade da imprensa saem pela janela fora. Finge-se desconhecer que se está, mais uma vez, perante exercícios em engenharia social do tipo “construção do homem novo”. Engenharias que, no passado recente, oprimiram pessoas e serviram para atomizar a sociedade, destruir valores e tradições e substituir consciência cívica e sentido de pertença à comunidade por militância e aderência a organizações de massas. Quando hoje se sai á procura de razões para os problemas sociais que afectam transversalmente a sociedade, e particularmente os jovens, devia-se começar pelas mazelas deixadas pelos quinze anos de totalitarismo.

2- Minar o pluralismo com concessão do serviço público de radiodifusão e de televisão a empresas privadas e abertura do capital dos órgãos públicos de comunicação social a privados.

O Governo abre possibilidades na contratação do serviço público de comunicação social no pacote de leis referido que colidem com os princípios constitucionais no que respeita à existência de um sector público e de um serviço público de comunicação social. A posição dos proeminentes constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreia nessa matéria é inequívoca: A existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão constitui garantia institucional de um sector público da comunicação social , o qual não poderá ser aniquilado ou abolido”. Isso porque, segundo eles, “o regime constitucional do serviço público de rádio e televisão significa: (1-) sob o ponto de vista jurídico, é um serviço prestado por uma entidade pública (não privada ou cooperativa); (2) esta entidade pública deve ter um esquema organizatório caracterizado pela autonomia e independência perante o Governo e a Administração; (3) a programação deve considerar ou ter em conta o espectro global das opiniões e interesses políticos, culturais, sociais, religiosos e económicos.

O Governo quer justificar contratos de concessão de serviço público a órgãos de comunicação social privados como forma de os facilitar acesso a financiamento do Estado. Põe de lado quaisquer dúvidas quanto á possibilidade real de órgãos, controlados por interesses bem identificados, prestar serviço público de radiodifusão e televisão, nos termos exigidos pela Constituição, no tocante designadamente, à garantia do pluralismo e à independência dos jornalistas em relação aos poderes político, económico e da Administração.

O que parece mover o governo é a vontade de alargar o seu campo de influência na comunicação social. Por isso acena órgãos privados com a possibilidade de financiamento público. Curiosamente não diz o que iria acontecer com os órgãos do sector público quando livres dos constrangimento derivados da prestação do serviço público da comunicação. Se seriam privatizados ou se seriam transformados em puros instrumentos de propaganda.

3- Condicionar jornalistas e os media com responsabilidades acrescidas.

O Governo, na apresentação das leis de comunicação social deixou evidente a sua extrema preocupação do governo com os novos meios de comunicação com base na Internet. O Governo predispõe-se a legislar de forma musculada na procura de responsáveis e de “culpados por usos discutíveis da Internet. Aproveita-se da ainda novidade da Internet para empolar as suas consequência juntos dos menos avisados e para se justificar na repressão. Quer que se esqueça que abusos de formas novas de comunicação aconteceram sempre e que em todos os casos os receios acabaram por revelar-se exagerados. Foi o caso com telefones, faxes , Internet, e-mail e, agora, a atenção vira-se para os espaços sociais como Myspace, Hi5, Facebook, etc. Mas de facto não razões para paranóia.

Muito menos há razões para se usar o repúdio por certos actos execráveis na Net para se atirar fora o “proverbial bebé juntamente com a água suja do banho”. Ou seja que se use o pretexto do mau uso para intimidar o sector de comunicação e aprofundar a auto-censura. Os meios electrónicos e do ciberespaço dão uma outra dimensão ao direito de informar, de ser informado e de acesso à informação. Para os governos excessivamente sensíveis com o controlo da comunicação, porque vêem a governação como fundamentalmente acções de relações públicas e propaganda, as facilidades da Internet constituem um desafio sério. Cai-se facilmente na tentação de controlo.

Não podendo impedir o aparecimento de jornais online vai-se, por um lado, pelo condicionalmente do órgão e do jornalista. Densifica-se o direito de resposta e de rectificação por vias que limitam o exercício de direitos, designadamente da liberdade de expressão. Envereda-se mesmo por um direito de esclarecimento, que a Constituição, em nenhum artigo, estabelece. Por outro lado, constrange-se a entrada na profissão de jornalista com a exigência de licenciatura em comunicação social e alarga-se a definição da actividade jornalística para campos sem paralelo noutros estatutos dos jornalistas, designadamente o português.

Sofrem os media sem uma diversidade maior de formação básica e de vivência dos jornalistas. Restringe-se a capacidade de muitos não jornalistas de exercerem o seu direito de informar com crónicas, análises e comentários. Torna-se mpossível a emergência de uma opinião pública informada com a dieta de informação e de opinião a ser produzida por uma comunicação social apanhada nas malhas da dependência do Estado, tolhida com receios excessivos de responsabilização criminal e forçada a ter jornalistas todos formados nas mesmas escolas.

A preocupação do Governo com a comunicação social é por demais evidente. Ouvindo a rádio e vendo televisão todos os dias fica-se com a clara impressão que a actividade do Governo domina completamente as notícias. Os membros do Governo desdobram-se em aparições por todo Cabo Verde repetindo em inaugurações, lançamentos de primeiras pedras, fora, workshops e visitas, declarações feitas noutros dias, semanas e mesmo meses anteriores. E, todas as vezes, o que dizem constitui notícia nos órgãos estatais de comunicação.

È evidente que com tal prática não se está a assegurar a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião dentro dos parâmetros exigíveis pelo pluralismo democrático. Mas o Governo parece perfeitamente confortável com isso. Mais, a intenção é claramente de usar a sua posição para manter uma posição hegemónica na comunicação social. Por isso é que se recorre de fundos públicos no valor de mais de 30 milhões de escudos para, supostamente, fazer divulgação do trabalho governamental.

Apresentar as leis de comunicação social antes da entrada em vigor da Constituição revista faz parte desse esforço de controlo. A revisão de Fevereiro criou uma Autoridade Independente constituída por personalidades eleitas pelo Parlamento por maioria de dois terços para gerir e regular tudo o que respeita à comunicação social e, em particular, o sector público e a prestação do serviço público. A pressa do governo em legislar visa claramente esvaziar e constranger esse órgão constitucional á nascença. E não será provavelmente alheio a isso o atraso incompreensível na publicação do novo texto da Constituição, promulgada a 6 de Abril pelo Presidente da República.

Da forma como o Governo age em relação à comunicação social em Cabo Verde fica claro que há uma vontade de controlo e de manipulação. Que a auto-censura, constatada pela Freedom House é o resultado da pressão constante sobre os órgãos e os profissionais. E que os media estão longe da atitude de watchdogs ou de contra poder esperada nas democracias. Revelador do que realmente se passa é o facto do Governo encenar a defesa dos jornalistas e os atiçar contra a oposição sempre que há críticas sobre o grau de pluralismo e o excesso de protagonismo do Estado na comunicação social. É esse estado de coisas que se impõe mudar com a criação da Autoridade Reguladora. Para que o pluralismo e a liberdade de imprensa floresçam em Cabo Verde. (artigo publicado no jornal Asemana de 30/4/2010)