terça-feira, novembro 30, 2010

S.Vicente e o PAICV: uma história de frustrações

Os caboverdianos já estão habituados às “fintas” do Governo sempre que confrontado com as suas responsabilidades ou com os resultados das suas acções e omissões. Em S.Vicente provavelmente bateu a si próprio quando enveredou por culpabilizar a população pelas dificuldades da ilha. A maior taxa de desemprego no país e a pobreza que grassa na ilha, segundo o PAICV, resultariam da incapacidade local de fazer brotar prosperidade de todos os investimentos realizados. Para esse partido S. Vicente seria uma espécie de ilha privilegiada. Por isso só “um défice de informações” pode levar a população e a sociedade mindelense a pensar que o governo não fez a sua parte. A realidade é que da governação espera-se resultados positivos no aumento de rendimentos de indivíduos e famílias, na melhoria da qualidade de vida e na prosperidade geral e não que se resuma a simples enumeração de obras. A história económica da ilha e o ciclo anual de negócios com os seus altos e baixos deixam claro que a chave para o sucesso está na sua interligação com o mundo atraindo investimentos, exportando bens e serviços e recebendo visitantes diversos e turistas. Quando em 2006 acolheu as tropas da Nato o país cresceu a dois dígitos. O problema de S. Vicente no pós independência é que o regime implantado do PAIGC/PAICV era paranóico em relação ao investimento externo, nunca quis saber do turismo, acreditava na política de substituição de importações e desconfiava da iniciativa privada. Em tal ambiente S.Vicente só podia sufocar. Os investimentos feitos na ilha designadamente na Cabnave, Interbase e Pescave foram condicionados por preocupações sempre presentes do regime de manter o controlo do processo económico e social. Não serviram de condutas para um mundo exterior que trouxesse escala, tecnologia, sofisticação e pressão concorrencial à estrutura produtiva nacional. Por isso falharam. O PAICV regressado ao poder nos últimos dez anos trouxe ao de cima as suas crenças e preconceitos. Afastou investidores, contribuiu para a desindustrialização de s. Vicente com perda de milhares de postos e deixou que ganância do Estado se colocasse no caminho de investimentos vultuosos no turismo e na imobiliária turística. Em substituição prometeu porto de aguas profundas. Com as prioridades da ilha assim trocadas não há resultados mesmo que haja obras. Para todos deve ser evidente que S. Vicente não pode mover-se só com “motor” endógeno. Aliás nenhuma economia pode. Insistir nesse caminho só traz mais frustração. A ilha é filha da primeira globalização. Os seus tempos áureos coincidem com os do processo de globalização que se iniciou na segunda metade do século dezanove e terminou com a I Guerra Mundial. O sucesso de ontem como o que vier a obter depende da sua capacidade de lidar com o mundo, sempre em movimento, antecipando tendências, sendo competitivo e desenvolvendo virtualidades que a mantêm atractiva para capitais e visitantes. Já está provado que o pior que lhe pode acontecer é ser governado por quem insiste em acções fora de qualquer plano estratégico e completamente divorciadas da dinâmica da economia mundial. Só acumula frustrações. Em dois momentos históricos o PAICV obrigou a ilha e o país a suportar os custos enormes das suas políticas viradas para dentro. E diz que quer continuar a fazer “o mais do mesmo”. É de facto tempo de mudar.

domingo, novembro 28, 2010

Estímulo à economia falhou

O relatório de Novembro do Banco Cen­tral veio confirmar o que já era perceptível para todos: o crescimento anémico de Cabo Verde e a incapacidade de criar novos postos de trabalho. O World Economic Outlook do FMI publicado em Outubro passado já tinha no essencial antecipado essas conclusões e prognosticado um 2011 sem crescimento significativo e não acompanhado de au­mento do emprego. A dívida pública vem aumentando já quase a atingir os 100% do PIB sob pressão dos empréstimos con­traídos para financiar infraestruturas de rentabilidade e oportunidade duvidosas. Contribui para essa situação ainda o défice orçamental a galgar picos históricos de mais de 15% e as dívidas das empresas públicas desnorteadas pela nacionalização desastrada como a Electra e mal geridas enquanto se evita a privatização como a TACV. As tentativas do Governo em contornar o pior da crise com estímulos à economia, falhou por completo. A taxa de crescimento muito pouco foi além dos 4%, muito abaixo do potencial. As linhas de créditos com amarras nas políticas de promoção de exportação de Portugal e no esforço de inter­nacionalização das suas empresas serviram mal os objectivos de crescimento económico nacional. As obras ficaram mais caras, prio­ridades nacionais foram sacrificadas para se cumprir as regras de jogo das linhas de crédito, empresas nacionais viram-se prati­camente marginalizadas e o emprego não cresceu. As importações aumentaram e as exportações não acompanharam, agravan­do a balança comercial e comprometendo as contas correntes do país a curto, médio e longo prazo. Os estrangulamentos no sector de energia persistem não obstante os milhões já investidos. Como disse o Ministro de Finanças da Estónia ao jornal “Público” de 16 de Agosto último a propósito do sucesso da candidatura do seu país à zona euro em plena crise internacional: “A consolidaçao orçamental é a responsabilidade primeira de um governo numa crise. Um governo não pode gastar além das suas possibilidades. Não consigo entender essas ideias de estimular a economia num país pequeno como a Es­tónia”. De facto, para países com economia pequena e aberta, a solução de saída da crise dificilmente passa por estímulo fiscal cujo financiamento eleve défices orçamentais a níveis indesejáveis e cujo impacto nota-se mais no aumento das importações e menos no arrastamento da economia local. Certamente que não lhe passaria pela cabeça a experiência de Cabo Verde de financiar o estímulo com base em empréstimos externos condicionados. Particularmente quando são aplicados em obras que não fazem parte de nenhum plano de resposta às necessidades da economia nacional. Aliás, nessa matéria, o PAICV, nos dez anos, já demonstrou ao longo das seis equipas ministeriais que não tem qualquer plano ou visão para a economia, para além das fantasias em clusters que vai atirando para o ar, de tempos em tempos, enquanto gera expectativas e procura capturar mais um mandato. Só a poucos meses do fim de uma década de governação é que se dá ao trabalho de simular preocupação com a atracção do investimento externo, a criação de uma base industrial para exportação e a internacionalização das empresas caboverdianas, apresentando leis em regime de urgência à Asssembleia Nacional. Consequência: deslumbrado pelos valores das linhas de crédito disponibilizadas e com vontade de se manter no poder a todo o cus­to, agarra-se a soluções de crédito duvidosas e a propostas de aplicação de crédito ainda mais duvidosas e o resultado vê-se no cresci­mento raso e nas pessoas que desesperam de procurar emprego. Entretanto, a dívida para a actual e futura geração não pára de crescer; o tecido empresarial nacional enfraquece e a capacidade exportadora não ganha alento e orientação para garantir sustentabilidade futura da economia e ser motor de criação de emprego.

quinta-feira, novembro 25, 2010

“Acuse-os do que você faz, insulta-os do que você é”

O PAICV escolheu precisamente o dia a seguir à marcação das eleições pelo Presidente da República para lançar-se em acusações contra o MpD, sob pretexto de apelar a uma campanha sem incitações à violência. O cinismo não tem limites. Mas não só. O PAICV recorre ao seu velho truque de dissuadir os cidadãos de participar na campanha, pré anunciando possíveis situações de violência. O campo fica mais livre para os seus militantes saírem para o combate debaixo da bandeira de que os fins do partido justificam todos os meios.Por outro lado, não foi à toa que quis trazer à baila questiúnculas que só levam a ciclos de acusações mútuas sem consequência entre os partidos. O Chefe de Estado, no dia anterior, tinha chamado a atenção para a importância das próximas eleições na resolução de questões fundamentais para o país no curto prazo. O PAICV, com a conferência de imprensa, quis mostrar que não lhe interessa que o processo eleitoral seja de discussão informada dos problemas do país e das alternativas que pode ter. Convém-lhe uma campanha onde acusações de “ódio e vingança” combinam com “declarações de amor” por todos, numa demagogia sem controlo. E o sinal de que é isso que agoira vê-se no facto de se ter apressado em vir a público com apelos hipócritas à não-violência, verbal e física. Tácticas já conhecidas de quem insiste em agarrar a culturas políticas iliberais e cerceadoras do outro.

quarta-feira, novembro 24, 2010

Tapar o Sol com a peneira

S.Vicente, na semana passada, sofreu mais uma ofensiva do PAICV e do Governo para tentar esconder o óbvio: os dez anos de governo foram maus para a ilha. Desembarcados de fresco, os governantes e parlamentares apressaram-se a proclamar que o sentimento das pessoas resulta de um “défice de informação” de quem “ não consegue ver os resultados ou não tem todas as informações acerca do trabalho feito e das perspectivas”. A realidade porém é que a população tem todas as informações que precisa: sente na pele o desemprego que não parou de crescer durante toda a década, vê a pobreza a espalhar-se por todos os cantos da ilha e receia o desalento que ameaça sugar a energia de todos. O grito de grupos como o Cordá Monte Cara é um grito informado para acção, para reverter o caminho desolador que a ilha percorre nestes tempos. Mas, como qualquer posição crítica em Cabo Verde, foi recebida com hostilidade pelo governo e pelo partido que o suporta. O líder parlamentar do PAICV sentenciou logo que “há outros objectivos por detrás da passeata” que o grupo cívico tenciona realizar no próximo dia 3 de Dezembro. Sendo o grupo reconhecidamente da sociedade civil, o que o Deputado insinua é que de facto tem motivação política e está connectada com a oposição. A ofensiva continuou com cerimónias de entregas de títulos de terras directamente das mãos do Primeiro-Ministro e actos de gestão de expectativas das pessoas. Requentaram promessas de outras campanhas eleitorais como “porto de águas profundas” e serviram-nas com as novas roupagens a que chamam “clusters”. È o PAICV no seu maior: fazer das pessoas recipientes da sua generosidade e gratas por dádivas recebidas, ao mesmo tempo que lhes nega condições para prosperarem com o seu trabalho, na liberdade e com dignidade.

Custos de cegueira



O Governo do PAICV em fim de manda­to redescobriu o problema habitacional. Já o tinha descoberto no fim do mandato an­terior e encontrado na Operação Esperança um remédio à medida das suas necessidades e cálculos eleitorais. Agora também em perí­odo pré-eleitoral sai à frente para resolver o problema com uma linha de crédito de 200 milhões de euros. É evidente que o que lhe interessa no momento é simular obra pois não conseguirá concretizar o “Casa para To­dos” antes das eleições. Entretanto atira-se num frenesim de lançamento de primeiras pedras por todo o país com a IFH às costas. Uma coisa que chama a atenção em toda iniciativa do governo é a sua falta de conexão óbvia com a economia. O programa parece “propriedade” do Ministério de Habitação e Ordenamento de Território e tudo indica que os departamentos económicos não são para ali chamados. É estranho, visto que em todas as economias, mesmo nas mais madu­ras, a questão da habitação é central para a saúde, vigor e sustentabilidade da economia nacional. A actual crise internacional ini­ciou-se precisamente com o furar da bolha no sector da habitação. E assim é porque, em todo o lado, o maior esforço de poupança da generalidade das pessoas tem a ver com a habitação. Essa poupança alimenta o fluxo de capital investido na construção, gerando novos empregos e arrastando indústrias e serviços conexos. Estes também contratam pessoas e proporcionam novos rendimen­tos que depois são aplicados em parte na compra de habitação própria. Ou seja, um círculo virtuoso em que todos acabam por ganhar porque garante níveis elevados de poupança, taxas de juro mais baixos e nível elevado de emprego. Em Cabo Verde, tudo isso é passado de lado. Fazem as pessoas acreditar que podem ter habitação, sem emprego, sem rendimentos e sem poupança. E que se pode sustentar uma economia de construção de habitação sem a interligação necessária com empresas locais e compran­do bens e serviços obrigatoriamente a firmas estrangeiras no valor de 80% do custo final. O “Casa para Todos” é um projecto de fim de mandato de um Governo que a tudo recorre e sem preocupação com os custos para arrebatar mais um mandato. Não é a política habitacional pensada para um país arquipelágico. Não equaciona o problema da excessiva centralização na capital com consequências graves na cidade da Praia, no interior de Santiago e nas outras ilhas. Não pondera devidamente as opções em matéria de habitação - arrendamento versus casa própria - considerando que é de interesse para economia do país conservar um nível adequado de mobilidade de mão-de-obra. Não responde à pressão das migrações internas em direcção às ilhas com peque­nas populações, mas com potencialidades exploráveis a curto prazo. E não reflecte o que podia ser a articulação do sector de construção de habitações com a economia local, os recursos em material de construção, a escassez da água e a energia cara, mas tam­bém com luminosidade própria do país, o nível de insolação e os ventos mais ou menos constantes. As barracas na Boa Vista e Sal, as habitações degradadas por todo o país e os bairros problemáticos particularmente na Cidade da Praia e no Mindelo são sinais de anos de cegueira deliberada das autoridades. Ficaram impassíveis perante a aceleração da centralização, o desenvolvimento descon­trolado das ilhas turísticas e as dificuldades das câmaras em lidar com a situação urbana após o hiato de quinze anos que destruiu as instituições municipais e esvaziou a cultura cívica existente. O resultado vê-se!

domingo, novembro 21, 2010

"Aula magna" do Sr. Primeiro-Ministro

O PM e presidente do PAICV ministrou a jovens de S.Vicente, no dia 18 de Novembro, na Academia Jotamonte, mais uma das suas “aulas magnas”. Falou de história, das próximas eleições e de qual deve ser a postura dos jovens. O centro da sua lição de história é que na década de noventa se”instalou ódio, vingança, arrogância e intolerância”. Os jovens ficaram sem saber que os anos 90 foram os anos do derrube do partido único, da conquista da liberdade e da democracia, da Constituição de 1992, da construção do Estado de Direito democrático e das suas novas instituições e do resgate do Poder Local no Cabo Verde independente. Quanto à questão das próximas eleições o Sr. Primeiro-ministro afirmou logo que eleições “não são para escolhas de partidos” que devem governam no ciclo seguinte. São “sobre o futuro”. E, segundo ele, há quem tem o futuro e os “olhos postos no bem comum” e há os outros. A escolha, portanto, já está feita. Era de perguntar ao Sr. PM se é mesmo necessário realizar eleições. Actos eleitorais pressupõem partidos em pé de igualdade e assentam num consenso geral que ninguém detém a chave mágica para um futuro de prosperidade e que a competição entre partidos é essencial para se definir a todo o momento o bem comum. As declarações do PM anulam esse consenso. Tornam-se mais preocupantes quando conjugadas com outras proferidas no encontro de jovens em Rubom Manel no dia 14 de Novembro. Segundo o site do PAICV, o PM exortou os jovens a inspirarem-se no exemplo da população, que há 100 anos atrás se “se juntou à volta da palavra de ordem “homis faca, mudjeres matchado, mininus tudu ta djunta pedra”, para hoje “vencer os combates que serão necessários travar para que Cabo Verde preserve as grandes conquistas já alcançadas e continue a trilhar novos caminhos”. Linguagem bélica, associada à negação de escolhas e a certezas absolutas de representar o bem comum, constitui mau presságio para a democracia. A lição do PM simplesmente serviu para conspurcar tempos históricos únicos e eliminar adversários antes do pleito eleitoral. No chão ficou o dever de garantir verdade, honestidade e transparência na actuação dos governantes como forma de fazer os jovens acreditar nas virtudes da cidadania plena e participada.

quinta-feira, novembro 18, 2010

Ataque dissimulado

A TCV, no domingo, fez uma reportagem colhendo reacções do público sobre o momento político vivido no país. Alguns entrevistados deploraram o que consideram ser o recrudescer da crispação já vísível na vida política nacional e criticaram o supostamente arranque antes de tempo da campanha. Parece que não notaram que o elemento novo no quadro descrito é a actividade da Oposição. O Governo e o PAICV há mais de um ano que têm estado activos na pré-campanha para as legislativas. De facto, quando o Governo descobriu que não ia conseguir cumprir as promessas da legislatura, crescimento a dois dígitos e desemprego a um dígito, deixou realmente de governar para passar a gerir as expectativas das pessoas. Com o objectivo claro de ganhar as próximas eleições, lançou-se na maior operação de propaganda de sempre. Rádio, televisão revistas, folhetos, outdoors, tudo tem sido utilizado para passar a mensagem. Está-se nisso há mais de um ano e meio. A oposição só começou a fazer-lhe frente nestes domínios a partir de Julho/Agosto deste ano. Vozes que não se tinham pronunciado, quando o Governo estava sozinho a fazer campanha, agora manifestam-se com as tentativas de resposta da Oposição. Também os que nada disseram sobre o uso abusivo dos recursos públicos e do dinheiro do Estado na campanha partidária do governo agora questionam de onde vem o financiamento da oposição. O que é esperavam? Que a sociedade caboverdiana não conseguisse mobilizar recursos para dar voz a posições discordantes no seu seio e assim financiar a sua própria democracia? Sente-se claramente que, em certos círculos, o pluralismo ainda incomoda. Procura-se mostrar que o pluralismo só traz desperdício de recursos de tempo e de meios e provoca divisão. Não há críticas se é o PAICV sozinho a dominar o palco na sua permanente ofensiva para dominar a sociedade, controlar a memória e reescrever a história. Se aparecem vozes discordantes que se opõem às suas ideias e projectos começa-se logo a falar de crispação e de divisão. E mais uma vez se tenta levar a população a repudiar o exercício do pluralismo, que é a garantia da sua liberdade, com ataques furtivos às suas manifestações.

quarta-feira, novembro 17, 2010

Rasgar a Nação

O candidato Manuel Inocêncio tem sido questionado tanto por jornalistas em Cabo Verde como em Portugal sobre o que pensa do facto de que “há em Cabo Verde, sobretudo em Santiago, a ideia de que um indivíduo de S .Vicente dificilmente conseguirá ser Presidente da República”. È provavelmente das perguntas mais insólitas a serem colocadas numa democracia. Democracias no seu processo de consolidação são muitas vezes confrontadas com desafios de garantir a igualdade dos cidadãos acima das complexidades racial, étnico-linguística, religiosa e de género que caracterizam a nação. Assim, há discussões se uma mulher pode ser presidente dos Estados Unidos, se um turco pode ser ministro na Alemanha ou se um muçulmano pode ser parlamentar em França e se um negro um dia será presidente do Brasil. Discussões sobre o lugar de nascimento parece que só em Cabo Verde já atingiram o nível de quase certezas. Não há registos dessa questão se ter tornado central noutros países, mesmo em países continentais como os Estados Unidos ou o Brasil. Mas aqui tudo leva a crer que “a priori” já se considera que o cargo de Presidente da República não pode ir para pessoas de S.Vicente. O insólito da situação convida a perguntar: só se ficou pelo cargo PR no estabelecimento dessas regras não escritas? E quanto ao do Primeiro-Ministro? Qual a cota de ministros que deve ir para os naturais da ilha A, B, e C? E porque ficar em Ministros? E então, directores gerais, altos funcionários do estado etc. etc.? É a abertura da proverbial caixa de Pandora. Graves consequências para o tecido social e a própria nação poderão advir de dinâmicas fracturantes e de divisão. Quando se entra pela lógica da divisão, com base em artificialismos criados por conveniência de poder, dificilmente se consegue parar. O facto é que com todo este exercício deita-se pela janela fora o que se poderia chamar do “excepcionalismo” caboverdiano”: uma nação nascida dentro de um império colonial sem a herança das divisões raciais, étnicas e linguísticas que marcaram a emergência de muitas outras e sem os sinais visíveis de vitimização e de resignação que constituem entraves endógenos à vitória decisiva sobre a pobreza e subdesenvolvimento.

terça-feira, novembro 16, 2010

Comparação de décadas: um exemplo de desonestidade

Poucos caem no exercício fútil de comparar, em termos de realização, maturidade e conhecimentos, as suas décadas de existência. Ninguém contrapõe os seus vinte anos com os trinta ou quarenta. Muito menos os anos de adolescência, de mudanças fundamentais, com os anos posteriores. Esses anos são irrepetíveis nos seus desafios e oportunidades. O que se consegue fazer depois na vida, depende muito de como se enfrentou os desafios e de como as oportunidades foram tomadas e assumidas. Se comparações do género não fazem muito sentido na vida de uma pessoa, muito menos o fazem na vida das nações. Na década de noventa Cabo Verde viveu momentos únicos da sua história. Integrou conjuntamente com outros povos, noutros continentes, o movimento universal que derrubou ditaduras, instituiu democracias, libertou a iniciativa privada e deu um outro impulso à globalização e à unificação da economia mundial. Ficaram marcas profundas. Os anos e décadas que vieram e virão depois só podem construir sobre os caminhos que então foram rasgados. Os vários ciclos de governação são avaliados pelo povo, não pela comparação com os tempos do começo, mas pela capacidade de realizar os sonhos, de alargar os horizontes e de dar cumprimento às promessas que a erupção do povo na liberdade e na democracia trouxe à superfície. Por isso não há nada mais patético do que a insistência do governo do Paicv em comparar kilómetros de asfalto, número de universidades, aeroportos etc., com a década da entrada na democracia, particularmente quando falha em capitalizar sobre as energias soltas pela liberdade dos indivíduos, pelo impulso à iniciativa privada e pela liberalização das relações económicas com o mundo. Os níveis de desemprego e o crescimento médio anémico desta legislatura não deixam quaisquer dúvidas quanto à incapacidade do governo em colocar o país à altura do seu potencial. E não é certamente obras feitas no fim do mandato, com base na dívida contraída no exterior, que vão substituir pelo que é a percepção geral que não se focou o país na criação de riqueza, não se investiu adequadamente no capital humano e não se poupou o suficiente. Novas infraestruturas só contribuem para elevar o potencial do País, para criar emprego e para reforçar o tecido empresarial nacional se demonstrarem que foram de encontro às prioridades reais. De outra forma são utilizadas deficientemente e no pior dos cenários revelam-se como autenticos elefantes brancos. Em qualquer dos casos têm que ser pagos.

domingo, novembro 14, 2010

Candidatos acima da Lei



Manuel Inocêncio, Ministro de Estado das Infraestruturas e Transportes, anunciou numa entrevista ao jornal "asemana" que é candidato a Presidente da República. A primeira coisa que potenciais eleitores esperam do candidato a PR é que ele dê confiança que cumprirá o juramento no acto de posse “de cumprir e fazer cumprir a Constituição, observar as leis”. Em matéria de cumprimento de leis, o Eng. Inocêncio logo na entrevista deu um sinal complicado. Quando questionado se ia manter-se no cargo de ministro, respondeu que sim, que vai ficar até o final deste ciclo. Passou literalmente por cima do nº2 do artigo 383º do Código Eleitoral que diz: nenhum candidato pode exercer cargo de titular de órgão de soberania a partir do anúncio público da sua candidatura”. E justificou-se: “Eu não sou formalmente candidato à Presidência da República, mas tenho, sim, uma intenção. (…) não vejo nenhum problema em continuar no governo”. A interpretação do ministro chama atenção porque não podia ser mais conveniente para quem a subscreve. Permite aos titulares dos órgãos de soberania avançar, durante meses a fio, com a candidatura na posse de todos os privilégios do cargo. Precisamente o que a norma referida pretende impedir. O Tribunal Constitucional no acórdão nº 11/2000 de 4 de Dezembro deixou claro que o referido nº2 do artigo 383º visa separar a condição de titular de cargo público da de candidato, impedindo que certas funções públicas com visibilidade, protagonismo e capacidade de influenciação pudessem ser usadas em benefício do seu titular, colocando-o em situação de vantagem em relação aos demais candidatos. O Ministro, como aliás outros candidatos com cargos de titular de órgãos de soberania, ostensivamente ignoram a letra da lei e o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que fixou jurisprudência constitucional nesta matéria. O TC, até para não deixar quaiquer dúvidas, no acórdão, distingue entre o nº 2 do 383º, que dita a suspensão a partir do anúncio público de candidatura para os titulares de órgão de soberania, e o nº 3, só obriga à suspensão após a apresentação formal da candidatura de titulares de certos cargos públicos. Escolhem uma outra interpretação da lei para continuarem a usufruir dos recursos do Estado e dos privilégios do cargo na promoção da candidatura, como têm feito, meses a fio, desde ano passado.E vêm todos do mesmo partido que ainda, cinicamente, ataca o Dr. Carlos Veiga por ter cumprido a lei no ano 2000.

sexta-feira, novembro 12, 2010

Para "o inglês ver"


Desde do grande choque do ano passa­do que colocou Cabo Verde no 146º lugar entre 189 países, no que toca a facilidade de fazer negócios, Doing Business, o Governo tem-se esmerado em actos de cosmética para melhorar a imagem. Os dados do Índice de Competitividade, colocando Cabo Verde atrás de 17 países africanos, mostraram como a propalada agenda de transformação ficou encalha­da algures nas omissões e falta de visão que tem caracterizado as seis equipas económicas dos dez anos de Governo do Paicv.. Adepto de manipulação de imagens, o governo esforçou-se por burilar a imagem desses indicadores internacionais. Foi aparentemente bem sucedido no índice de liberdade de imprensa, a partir do momento que a presidente da associação de jornalistas preencheu o questionário distribuído pelos Repórteres Sem Fronteiraa. O único problema é que isso tudo soou a falso. Cabo Verde apresentou-se muito acima de varias democracias como Portugal, Espanha e Itália em matéria de liberdade de imprensa, no preciso momento em que todos vêem que o país está submerso num mar de propaganda governamental. O es­forço empreendido para realizar o feito de Rwanda do ano passado no Doing Business 2009 não resultou. Cabo Verde só subiu 10 pontos diferentemente do Rwanda que tinha subido 50 pontos. A atrasar o país ficou o "ranking" de 132º na protecção dos investidores, de 152 em obter crédito, e do último lugar em terminar um negócio. O governo, sempre procurando polir a imagem, sem muita preocupação com o conteúdo, ainda quis introduzir leis, em regime de urgência, na Assembleia Na­cional para melhorar os índices do Doing Business. Por isso, é que se teve há dias na A N proposta de lei para a promoção de inves­timentos dirigidos para exportação, uma outra para a internacionalização das empresas nacionais e ainda uma outra para regular o processo de falência. Cosmética de um Governo que , chegado ao fim de dois mandatos, deixa o país numa posição tão baixa, seja no que respeita à competitividade, seja na facilidade de fazer negócios. Não é a toa que, enquanto a taxa média mundial para o crescimento do Índice de Desenvolvi­mento Humano entre 2000 e 2010 é de 0,89 por cento e é de 1,49% para o grupo de Desenvolvimento Humano médio, Cabo Verde ficou pelos 0,64 por cento. Falhou na criação de empregos e na criação de riquezas que outros brilhan­temente foram bem sucedidos, retirando milhões da pobreza extrema.

quinta-feira, novembro 11, 2010

Enganar para reinar

No discurso de revolta e indignação de 2 de Novembro, o Primeiro-Ministro José Maria Neves classificou de indecente a promoção de relações internacionais na base de “enganar uns e outros ao mesmo tempo e enganar o povo de Cabo Verde”. A caracterização é tão perfeita que convida a pensar se não lhe sai da alma. Se não é assim que seu Governo e partido sempre entenderam as relações internacionais. A cultura da política PAIGC/ PAICV suporta-se muito no esconder a verdadeira face sob a capa de “pensar com as nossas próprias cabeças”. Diferentemente dos outros movimentos de libertação das PALOP, o PAIGC sempre se negou a rotular-se de "ismos", marxismo, leninismo ou maoismo. Um disfarce, porque, como a história reconhece, a ideologia, os textos do partido, o discurso político e as instituições construídas na Guiné e Cabo Verde após as respectivas independências tinham as marcas da sua origem na herança comunista. Mas um disfarce que serviu bem ao PAIGC particularmente nas suas relações com os sociais-democratas escandinavos e outros partidos de esquerda europeia. No estrangeiro diziam uma coisa, em casa, o partido “pensava com a sua própria cabeça” e implantava regime de partido único, perseguia simples opositores, estatizava a economia, hostilizava o investimento privado, nacional e estrangeiro, e fomentava luta de classes contra as elites. O PAICV na democracia conservou esta praxis com as adaptações exigidas pelo tempos. Já houve tempo em que membros do Governo recitaram para os ouvidos do FMI, do Banco Mundial e de outras organizações os termos do consenso de Washington. O Primeiro-Ministro fala abertamente das suas leituras de Amartya Sen, Francis Fukuyama, Fareed Zakaria e Thomas Friedman, autores nos antípodas das crenças e das práticas do PAICV. Nos resultados da governação desta década vêem-se porém as consequências do PAICV a deixar os seus instintos vir à tona mesmo que camuflada dum linguajar que, a ouvidos desprevenidos, poderia parecer o mais liberal ou mesmo neoliberal: assim, por exemplo, vêem-se: 1º, no deserto em que se transformou a zona industrial do Mindelo com perdas de milhares de postos de trabalho directos e indirectos; 2º, no turismo que ficou aquém do que se projectou porque não promovido e porque não se resolveram problemas como a segurança, energia e água, acessos, transporte inter-ilhas, ambiente económico, habitação, saúde etc.; 3º, na imobiliária turística que se atrasou e acabou por se perder com a insegurança jurídica no registo de propriedade, com a ganância do Estado, com lutas do Governo com os municípios e com os obstáculos postos pela administração central; 4º, na Electra que foi nacionalizada, afundando-se em dívidas, e a TACV que não foi privatizada, também coberta de dívidas;5º, no hub portuário e aeroportuário que não teve o sucesso prometido; 6º, nos centros financeiros offshore desmantelados na sequência do escândalo do BPN/Banco Insular; 7º, nas tecnologias de informação e comunicação que falharam em abrir ao país uma nova avenida de prestação de serviços internos e para exportação. É um Cabo Verde enganado que vai iniciar uma nova década com défices orçamental e de balança de contas correntes excessivos e com uma dívida pública ultrapassando os limites aceitáveis. Sem que vislumbre ainda os investimentos privados criadores de emprego que deviam seguir aos investimentos públicos em infraestruturas e os justificariam. Ao apostar na continuidade, no “mais do mesmo” o PAICV mostra-se disposto a continuar nos jogos de engano de tudo e de todos que caracterizaram a sua actuação política.

quarta-feira, novembro 10, 2010

Tenebroso

O PAICV em S.Vicente, a 4 de Outubro veio a público num dos seus rotineiros e sistemáticos ataques à Câmara de S.Vicente. Desta vez não foi para apresentar mais indícios de corrupção ou anunciar a ida do coordenador local ao Ministério Público para entregar “provas”. Foi para pedir a substituição da Presidente, Dra. Isaura Gomes. Dias depois, a 23 de Outubro, a Ministra Sara Lopes, justificando-se com “notícias vindas a público”ordenou uma inspecção administrativa “para se inteirar quantas vezes ocorreu a substituição da titular do cargo e se foi feita nos termos da lei em vigor”. Pela sequência de eventos sabe-se qual a origem das “notícias”. E isso é muito preocupante. Até parece que o partido que suporta o governo faz denúncias e o governo lança instituições do Estado no encalço dos alvos do ataque da estrutura partidária. Em Abril último, também se assistiu a uma coincidência de acções alarmante e perigosa. Enquanto se verificava a operação policial na Câmara de S Vicente membros locais do PAICV, em conferência de imprensa, faziam mais uma das suas investidas. Ninguém nega hoje que, em S.Vicente o PAICV e o Governo estão juntos numa ofensiva conjunta para colocar a ilha em posição de ser arrebatada nas próximas autárquicas. Tácticas semelhantes já tinham sido aplicadas noutros concelhos, com sucesso nalguns casos como o do Paul e da Ribeira Brava de S.Nicolau. Em todas essas situações, para isolar as câmaras, recorreram a toda a espécie de truques, deslealdades institucionais e conflitos abertos com as câmaras a partir dos serviços desconcentrados e centrais do Estado. No caso de S. Vicente tem-se feito da pessoa da presidente de câmara o alvo principal. A guerrilha foi montada e logo após as eleições iniciaram-se os ataques. O governo entrementes procedeu ao bloqueio do registo de terrenos cortando receitas aos municípios particularmente aos de S.Vicente , Porto Novo, Sal, Boavista e Maio. A insegurança jurídica provocada pelas restrições impostas matou no ovo muitos projectos. Dos mais de um bilhão de dólares de projectos prometidos nenhum deles saiu do papel. E o Governo, juntamente com a sua ala partidária, tem o desplante de culpabilizar a Câmara pelo que aconteceu. Bloqueia a ilha com a sua falta de visão, a falta de vontade e o interesse partidário mesquinho e vem lançar as culpas pela crise da ilha nas ausências da Presidente. É o cúmulo da hipocrisia por parte de quem deliberadamente tem criado um ambiente extremamente tenso de relações institucionais, pontuado por acusações descabidas e por medidas desproporcionais como foi a acção policial na Câmara de s. Vicente e a apreensão, por seis meses, de computadores e livros de averbamento do município.

terça-feira, novembro 09, 2010

É só ligeirezas?

O Governo decidiu por Resolução do Conselho de Ministros de 28 de Outubro fazer do dia 6 de Novembro o Dia Nacional de Defesa. Deixa muitas dúvidas a opção do Governo em dar forma de resolução a esse acto que obriga órgãos de soberania, instituições do Estado e os cidadãos no “promover e garantir o engajamento dos cabo-verdianos nas questões de Defesa Nacional e na assumpção dos deveres e responsabilidades do cidadão para com o colectivo”. E que ainda visa “reforçar o elo entre as instituições de defesa e a sociedade civil e promover a cidadania, os valores éticos e o culto do patriotismo”. Optando pela forma de resolução o Governo excluiu o Presidente da República de participar na criação de uma data nacional visto que o PR só promulga decretos, decretos legislativos e decretos leis do governo. O caso é mais grave tratando-se de uma data concernente à defesa. Não leva em devida consideração a qualidade do PR enquanto comandante supremo das forças armadas e as competências que constitucionalmente tem sobre matérias de defesa nacional. A Assembleia Nacional também foi deixada de lado. O que se pretende com o Dia Nacional de Defesa cai no âmbito do artigo 249 da Constituição que estabelece a relação dos cidadãos com a Defesa Nacional via serviço militar e cívico, a ser desenvolvido e regulamentado por lei (alínea s) do artigo 177ª da CR).Tanto em Portugal como na França o Dia de Defesa Nacional foi instituído por lei que tem como objecto o cumprimento do serviço militar pelos cidadãos nacionais. Tudo indica que a data foi comemorada pela primeira vez sem que, ao menos, a Resolução tivesse sido publicada no Boletim Oficial. E segundo a alínea d do artigo 269º da CR, resoluções do Governo têm que ser publicadas para terem eficácia jurídica. Ligeirezas.

domingo, novembro 07, 2010

O silêncio do Governo

No relatório entregue à Assembleia Nacional, o Procurador Geral da República revelou que tem sido alvo de “sucessivas investidas, ilegais e desproporcionais de elementos da Policial Criminal”. As razões para isso, segundo ele, provêm do facto de ter proferido despacho "abrindo a correspondente instrução sobre o acto de cerco ao Palácio de Justiça do Tribunal da Comarca da Praia por elementos da Polícia Nacional, sequestrando magistrados e funcionários".

O Governo no Parlamento, quando confrontado com o conteúdo do relatório, remeteu-se ao silêncio. O mesmo silêncio que provavelmente tem presenteado o PGR sempre que colocou o problema. Pelo relatório, depreende-se que não é a primeira vez que aflora a questão, considerando que tem sido vítima de sucessivas investidas.

A verdade porém é que o Governo não pode dar-se ao luxo de não se pronunciar, nem agir em relação a uma situação delicada como esta. Se o órgão constitucional com funções de defesa da legalidade e dos direitos fundamentais não está a salvo de investidas ilegais de elementos da polícia, que garantias terão os cidadãos comuns de que os seus não serão atropelados na primeira oportunidade. Perante o silêncio persistente e teimoso do governo, impõe-se a intervenção dos outros órgãos de soberania para normalizar a situação.

Muitos cidadãos, de vários pontos do território nacional, têm vindo a público denunciar o que consideram ser abuso de poder de elementos da polícia. O Governo tem respondido com o mesmo silêncio com que colhe as revelações do PGR. O resultado é que situações de abuso continuam a registar-se, criando má relação entre a polícia e a população com prejuízos evidentes na sua capacidade de manter a ordem pública e combater o crime.

Prejuízos similares também acontecem devido à má relação entre o Ministério Público e a Polícia Nacional. No relatório do Ministério Público, o PGR chama a atenção para situações de detenção de cidadãos em que a polícia só os apresenta ao Ministério Público poucos minutos para completar as 48 horas limite. Também se refere às investigações feitas pela Polícia Nacional que numa percentagem preocupante traduzem-se em provas nulas.

É evidente que o Governo não pode ficar calado por mais tempo. Os direitos do cidadãos têm que ser garantidos. A integridade do Ministério Público e a dignidade do PGR devem ser salvaguardadas. O aumento da eficácia da polícia vai depender da cooperação que obtiver da população, do nível de relacionamento que estabelecer com o Ministério Píblico e da imagem que projectar de uma instituição sensível à crítica e capaz de rever os procedimentos para melhor servir o público.

* Editorial do jornal "Expresso das ilhas" de 3 de Novembro de 2010

quinta-feira, novembro 04, 2010

Arte de fingir

Segundo o governo.cv o Primeiro-Ministro José Maria Neves, na inauguração da central fotovoltaica deu “um grito de revolta contra o jogo da oposição”. Grande surpresa. Gritos de revolta do Dr José Maria Neves contra a Oposição ouvem-se desde dos primeiros dias do seu mandato como Primeiro Ministro, em 2001. Por isso, o mise-en-scène da terça feira é parte do teatro que o PAICV faz constantemente para justificar que de facto não tem uso para a Oposição. E como confunde-se com o País, não consegue descortinar que ganhos a existência de partidos de oposição traz a Cabo Verde: A oposição é negativa, bloqueia, atrasa as coisas, não defende os interesses do país, tem associações criminosas, é contra a ajuda de países estrangeiros etc, etc. Aliás, na lógica dele, Cabo Verde não ganha com qualquer crítica. Nem com críticas a contractos assinados que não criam empregos e não desenvolvem empresas nacionais. Nem com outras, por exemplo, dirigidas à qualidade do ensino. Também o Primeiro-Ministro tinha ficado indignado com críticas que pais, professores, alunos, investidores, empresários e toda a sociedade fazem ao sistema ensino. Na televisão todos ouviram seu grito de revolta: Quem diz que o ensino em Cabo Verde não tem qualidade está a ofender a classe docente. Ontem era a classe docente. Hoje é Portugal que está a ser ofendido. Amanhã será outra pessoa, entidade ou país porque alguém questiona algo que se está a fazer a pensar fazer. O Governo continua no seu jogo de desresponsabilização. Pressionado, acusa, foge e esconde-se por detrás dos que, para seu proveito, põe o rótulo de ofendidos, com o único objecto de escapar de ser “chamado à pedra” pelo que faz.

quarta-feira, novembro 03, 2010

Vale tudo

O Partido do Governo saiu em campo a acusar o partido da Oposição, o MpD, de fazer pré-campanha rica. Em conferência de imprensa e em várias declarações públicas dirigentes, membros do Governo e deputados têm lançado dúvidas sobre as origens do financiamento do MpD. E tem-se ficado por aí. Ninguém deu o passo lógico e responsável de pedir a intervenção do Ministério Público e de apresentar ao Procurador-Geral da República indícios de eventuais crimes cometidos. Mas não é a primeira vez. Já em situações idênticas de campanha eleitoral o PAICV tinha feito o mesmo. Espalha rumores e levanta suspeições e depois não assume ou age em consequência. Os dois casos mais recentes e flagrantes foram as acusações feitas pelo Primeiro-Ministro no dia das eleições de 2006 e pelo candidato do PAICV na Praia nas autárquicas de 2008. Não é admissível que dirigentes do Estado, no puro intuito de tirar dividendos políticos, deixem passar a ideia de impunidade, de que se pode apontar o dedo a pessoas e instituições repetidamente sem que nada aconteça. Ou então a ideia perniciosa de que o Estado nada pode fazer para garantir a legalidade e combater crimes de difamação e outros quando os denunciantes e os eventuais prevaricadores são figuras de partidos políticos ou os próprios partidos políticos. Com esse “chove, não molha” o PAICV, para proveito próprio, reforça a ideia do “vale tudo na política”: Assim, vale acusar outros de financiamentos obscuros para fazer campanha com outdoors, como vale pagar outdoors com dinheiro do Estado para responder aos adversários políticos. Da mesma forma, vale colocar-se nos bicos dos pés e considerar imorais os gastos da oposição e, ao mesmo tempo, recorrer sem qualquer ética, a viagens incessantes pelo país e a emigração e a publi-reportagens e anúncios propagandísticos nas custas de todos os contribuintes caboverdianos

segunda-feira, novembro 01, 2010

Não à intolerância

"Posso discordar do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo". Esta frase de Voltaire cristaliza a essência da mãe das liberdades: a liberdade de expressão e de informação. Expressa há mais de trezentos por este filósofo francês, continua sempre actual. Há que a repetir vezes sem conta para conter tentações de poder absoluto e para relembrar a todos o quanto é que custou a conquista da liberdade.

Mesmo nas democracias, esse direito fundamental não está salvo de atropelos. Todos os que detêm o poder estão sujeitos, num momento ou outro, a cair na tentação de o limitar. Em presença de pretensões hegemónicas por parte de grupos políticos ou de outra natureza a pressão para calar o adversário, o descrente ou simplesmente o homem comum pode atingir níveis perigosos de intolerância. Compreendendo o perigo que isso representa, Thomas Jefferson,um dos pais fundadores do constitucionalismo americano, disse: "Se tivesse que decidir se devemos ter governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último".

Na semana passada o PAICV, em conferência de imprensa, lançou um dos ataques abertos que rotineiramente presenteia este semanário. As razões invocadas foram duas peças de opinião devidamente assinadas e localizadas nas secções opinativas do jornal. A substância da acusação é que o jornal é pertença e instrumento do maior partido da oposição.

A investida do partido que suporta o Governo deixa transparecer dificuldades em aceitar a expressão livre do pensamento dos cidadãos e intolerância face ao pluralismo da imprensa. O ataque violento e directo a um jornal citado pelo seu nome tem um elemento intimidatório inadmissível. Vindo de quem, directamente e através dos seus dirigentes e entidades próximas, criou ou patrocinou mais de dois terços dos jornais publicados em Cabo Verde nos 35 anos de independência manifesta um nível de intolerância sem paralelo.

Curiosamente as acusações vieram no dia após os Repórteres Sem Fronteiraterem colocado Cabo Verde a par com o Mali e o Ghana no 26º lugar do Índice de Liberdade de Imprensa, um lugar muito à frente de Portugal, Espanha, Itália e muitos outros países. Facto que não só encheu de regozijo o Governo como, parece, fez reviver os seus sonhos de eliminar o Expresso das Ilhas. E com a sua supressão, diminuir o pluralismo que os cabo-verdianos já vêem em perigo de ser levado na avalanche de propaganda, que varre a rádio e a televisão, e no culto da paranóia na política dos que andam na caça de sabotadores na Electra e no aparelho do Estado.

Mas o Expresso da Ilhas vai continuar a servir os cabo-verdianos e a democracia. Todas as semanas com a sua presença nas bancas irá renovar o seu contributo modesto para que a liberdade de expressão e o direito de informar, de ser informado e de acesso à informação esteja assegurado para todos os cabo-verdianos.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Outubro de 2010.

* O cartoon é do Moisés. Foi um dos alvos citados pelo PAICV na conferência de imprensa.