quarta-feira, novembro 17, 2010

Rasgar a Nação

O candidato Manuel Inocêncio tem sido questionado tanto por jornalistas em Cabo Verde como em Portugal sobre o que pensa do facto de que “há em Cabo Verde, sobretudo em Santiago, a ideia de que um indivíduo de S .Vicente dificilmente conseguirá ser Presidente da República”. È provavelmente das perguntas mais insólitas a serem colocadas numa democracia. Democracias no seu processo de consolidação são muitas vezes confrontadas com desafios de garantir a igualdade dos cidadãos acima das complexidades racial, étnico-linguística, religiosa e de género que caracterizam a nação. Assim, há discussões se uma mulher pode ser presidente dos Estados Unidos, se um turco pode ser ministro na Alemanha ou se um muçulmano pode ser parlamentar em França e se um negro um dia será presidente do Brasil. Discussões sobre o lugar de nascimento parece que só em Cabo Verde já atingiram o nível de quase certezas. Não há registos dessa questão se ter tornado central noutros países, mesmo em países continentais como os Estados Unidos ou o Brasil. Mas aqui tudo leva a crer que “a priori” já se considera que o cargo de Presidente da República não pode ir para pessoas de S.Vicente. O insólito da situação convida a perguntar: só se ficou pelo cargo PR no estabelecimento dessas regras não escritas? E quanto ao do Primeiro-Ministro? Qual a cota de ministros que deve ir para os naturais da ilha A, B, e C? E porque ficar em Ministros? E então, directores gerais, altos funcionários do estado etc. etc.? É a abertura da proverbial caixa de Pandora. Graves consequências para o tecido social e a própria nação poderão advir de dinâmicas fracturantes e de divisão. Quando se entra pela lógica da divisão, com base em artificialismos criados por conveniência de poder, dificilmente se consegue parar. O facto é que com todo este exercício deita-se pela janela fora o que se poderia chamar do “excepcionalismo” caboverdiano”: uma nação nascida dentro de um império colonial sem a herança das divisões raciais, étnicas e linguísticas que marcaram a emergência de muitas outras e sem os sinais visíveis de vitimização e de resignação que constituem entraves endógenos à vitória decisiva sobre a pobreza e subdesenvolvimento.

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