domingo, fevereiro 27, 2011

Fim do nacionalismo autocrático

O mundo árabe tem mudado nos últimos dois meses a uma velocidade estonteante. Há menos de duas semanas Moubarak caiu após 30 anos de poder no Egipto. A Líbia parece estar a beira de se livrar do coronel Khadaffi, 42 anos depois de ter chegado ao poder através de golpe de Estado. São tempos extraordinários que estão a pôr autocratas por todo o mundo em alerta máxima. A ansiedade é forte em todas as capitais árabes. Noutros países com a China, Myanmar, Guiné Equatorial e Venezuela medidas cautelares estão a ser tomadas para evitar contágio e para prevenir tentativas de imitação dos métodos já provados de sublevação popular por meios não violentos. Os acontecimentos surpreendentes têm suscitado muita reflexão sobre a natureza desses regimes e a forma como neles uma pequena elite soube agarrar-se ao poder por tanto tempo. James le Sueur autor do livro “Argélia desde de 1989: entre o terror e a democracia” teoriza que muitos regimes na África e no Médio Oriente sofrem de uma espécie de Desordem temporal pós colonial. Subscrevem uma filosofia de governação segundo a qual autoritarismo é a única cura para os desafios políticos internos e externos que se colocam aos seus países. São forças políticas que emergiram das lutas de libertação nacional e que continuam a proclamar que os perigos de regresso ao passado ou de ser apanhado nas malhas do neocolonialismo estão presentes e que só sob a sua direcção e aceitando os seus métodos autoritários é que o país fica livre deles . Le Sueur num artigo de Fevereio de 2011 na revista Foreign Affairs cita varios líderes que sofrem desta “desordem temporal pós colonial” e que fazem o seu país sofrer por causa disso. Entre eles está obviamente o Robert Mugabe do Zimbabwe. Menos óbvio estão os que mesmo reclamando as suas origens libertadoras esforçam-se em maior ou menor de grau por disfarçar nas roupagens democráticas de ocasião os seu instintos autoritários. Posicionam-se claramente nesta última categoria os ex-movimentos de libertação nos PALOP. Mesmo em Cabo Verde onde nunca houve luta de libertação o PAICV, criado em Janeiro de 1981, cultiva uma cultura política contaminada precisamente por esse tipo de desordem temporal identificado por esse historiador americano. Uma “desordem” que nos quinze anos de partido único já custou muito ao pais em falta de liberdade, em oportunidades perdidas e em riqueza não produzida por ausência da livre iniciativa das suas gentes. Uma desordem que persiste, mas mais guardada, e que se manifesta na negação e quase criminalização da oposição e nos esforços extraordinários em manter a população sobre controlo, explorando vulnerabilidades sociais múltiplas. A queda em cadeia dos regimes ainda apanhados nesse desvio temporal mostra que já não há espaço para nacionalismos não inclusivos. Nacionalismos que não respeitam a diferença e a oposição e que insistem num contracto social onde as pessoas cedem controlo das suas vidas e retraem-se nas expectativas de futuro em nome de estabilidade muitas vezes suportada pela ajuda externa. James le Seuer no seu texto diz que Nelson Mandela soube ver isso e não se deixou levar pela raiva. Optou por um regime democrático e pelo esforço de inclusão de uma população anteriormente dividida pelo apartheid completo com julgamentos e perdões para quem os solicitasse nos chamados tribunais de verdade e reconciliação. Hoje todos sabem que foi a decisão certa.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Briga de critérios

O Sr. Presidente da República decidiu dar veto político aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público aprovados por unanimidade dos deputados. Na carta ao parlamento que acompanhou a devolução dos diplomas o PR considera que “as soluções tecnico-jurídicas versadas nas disposições transitórias dos referidos diplomas entram em contradição com alguns princípios constitucionais nomeadamente o princípio de igualdade”. A justificação do PR dificilmente substitui a mensagem fundamentada que o artigo 137º nº1 exige nos casos de veto político. A mensagem não refere especificamente à norma ou normas em relação as quais tem diferendo. Alega dúvidas quanto à constitucionalidade de normas mas abstém-se de pedir fiscalização preventiva da constitucionalidade. Em vinte dias teria uma resposta do STJ enquanto Tribunal Constitucional e o problema seria resolvido com a Assembleia Nacional a fazer as alterações seguindo o acórdão dado. O PR optou por veto político, ou seja por questionar a conformação política dos diplomas com o seu ponto de vista pessoal e político. E é aí que se compreende porquê o problema está nas disposições transitórias. Em fins de 2008 e princípios de 2009 o governo fez uma fuga em frente para renovar o Supremo Tribunal com juízes de nomeação política. Deliberadamente quis ignorar que se estava já em processo de revisão da constituição com propósito central de isolar a Justiça de qualquer interferência política. O PR alinhou com a iniciativa do governo e nomeou uma juíza com 33 anos de idade e na categoria de 2ª classe (*) para o Supremo Tribunal de Justiça. Naturalmente que os envolvidos no convite e nomeação não desconheciam que o nº6 do artigo 8º dos Estatutos dos Magistrados Judiciais estabelece que “Findo o mandato os Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça desde que Magistrados Judiciais ou do Ministério Público serão colocados na mais alta categoria da carreira da respectiva Magistratura”. Fez-se a revisão constitucional em Fevereiro de 2010 e o caminho ficou aberto para se regular o acesso de juízes ao STJ por mérito e por concurso, o que viria a acontecer em Dezembro do mesmo ano. Fixados os novos critérios já não era possível manter a norma que mandava colocar automaticamente no topo de carreira os juízes do STJ. Com o novo estatuto dos magistrados judiciais (artigo 125º n.2), só podem candidatar-se para as vagas de juiz conselheiro no STJ os juízes desembargadores e os juízes de direito de 1ª classe. De facto, não parece razoável manter-se numa carreira profissional com forte pendor meritocrático como a magistratura judicial a possibilidade de progressão vertiginosa para o topo em consequência de escolhas discricionárias de natureza política e pessoal. Menos razoável ainda é tentar-se por veto político não fundamentado descarrilar todo um processo cuja aposta maior é uma Justiça mais independente, competente e célere.

*(BO nº 23 II Série de 25 de Junho de 2008)

Black Out na A.N.

O “black out” na Assembleia Nacional continua. O PAICV não compareceu á Conferência dos Representantes marcada para 9 horas de hoje, dia 25. Ao silêncio do Presidente da A.N., nestes 19 dias após a recepção do veto político do Presidente da República aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e dos Magistrados do Ministério Público, veio juntar-se um Paicv ausente. O Gabinete do Presidente manteve-se todo esse tempo mudo mesmo sabendo que prazos para confirmação ou não do diploma começam a contar a partir da data de recepção da mensagem do PR (artigo 137º da Constituição e artigo 174º n.1 do Regimento da A.N.). A ausência do PAICV na conferência de representantes constituiu desculpa suficiente para o Presidente da A.N. não usar da perrogativa dada pelo 1 do artigo 174º do Regimento de convocar uma reunião plenária. O MpD é que terá que recorrer à essa mesma norma regimental para requerer a convocatória de uma reunião plenária com a assinatura de um quinto dos deputados. O “apagão” da A.N. é ainda mais grave porque é do conhecimento geral que a legislatura termina no dia 11 de Março com a sessão constitutiva da nova assembleia que resultou das últimas eleições legislativas. Ora, o n.3 do artigo 175º diz claramente que, em caso de veto político, se a “Assembleia Nacional não confirmar o voto, a iniciativa legislativa não pode ser renovada na mesma sessão legislativa”. Indo no mesmo sentido, o artigo 144º n.3 do Regimento diz taxativamente “a iniciativa legislativa directa caduca com o termo da legislatura”. Em caducando a “iniciativa” são anos de esforço para convergir posições numa matéria tão sensível e urgente como a Justiça que são atirados para o ar. E são meses outros de trabalho para se reiniciar o processo, provavelmente com outros protagonistas e numa outra conjuntura política. Face aos enormes custos envolvidos comparados com eventuais benefícios de se reiniciar o processo, benefícios que não se vislumbram porque o veto do PR veio sem fundamentação, o silêncio do Presidente da A.N e a ausência do PAICV indiciam cumplicidades cruzadas que só podem estar a esconder interesses no mínimo complicados. Assim são tratados os assuntos da República.

quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Jogo às escondidas na República

Ontem dia 23 de Fevereiro, no noticiário das 13-14 da RCV, o deputado José Manuel Andrade, presidente da 1ª comissão, a Comissão de Assuntos Jurídicos e Constitucionais, confessou que o Grupo Parlamentar da PAICV desconhecia as razões do veto do Presidente da República aos Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, aprovados pela unanimidade dos deputados em Dezembro último. No dia anterior também em declarações ao jornal Expresso das Ilhas e à RCV, o líder parlamentar do MpD confirmava que não tinha qualquer comunicação da Assembleia Nacional quanto ao veto do PR. A carta do PR que acompanhou a devolução dos diplomas só chegou aos grupos parlamentares ontem. Pelo documento na imagem ao lado vê-se que está datado de 4 de Fevereiro e que deu entrada no gabinete do presidente da A.N. no mesmo dia 4. O despacho do presidente para que cópias da carta fossem enviadas aos grupos parlamentares e ao presidente da 1ª comissão é do dia 9 de Fevereiro. Só quase duas semanas depois chegou às mãos das bancadas parlamentares. No entrementes, ninguém da presidência da A.N. respondia às solicitações de informações sobre a questão do veto. O “jogo às escondidas” só podia ter um propósito: retirar aos sujeitos parlamentares a possibilidade de, em tempo útil, tomar uma posição de confirmação ou não dos diplomas aprovados por unanimidade. Como pode o presidente da A N despachar “para consideração da Conferência de Representantes se depois não age para convocar esse órgão da assembleia? E não tem todo o tempo mundo nem mesmo os 120 dias contados a partir da data de recepção que a Constituição estabelece para o parlamento se pronunciar sobre os vetos políticos. A legislatura termina a 11 de Março e, por essa razão, a A N que aprovou os diplomas tem prazo até essa data para confirmá-los ou não. Ou seja com o fim da legislatura os diplomas caducam e todo o processo terá começar do início. Talvez seja o que alguns querem e no processo se tornam cúmplices de atropelos graves ao funcionamento das instituições da República. Importa por isso que os sujeitos parlamentares ajam com suficiente rapidez para a que a Assembleia Nacional, como representante de todos os caboverdianos no seu pluralismo e na diversisdade de seus interesses, se faça respeitar por todos os outros orgãos de soberania, pelos seus próprios titulares e pela sociedade. Há que reunir o Plenário antes do fim da legislatura para tomar uma posição sobre o veto do Presidente da República. Não há desculpa honrosa para que essa reunião plenária não aconteça.

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

O veto do Presidente

O Presidente da República, Pedro Pires, decidiu vetar os Estatutos dos Magistrados Judiciais e dos Magistrados do Ministério Público. Do chamado pacote de leis da justiça, o BO de 14 de Fevereiro só trouxe três das cinco leis votadas pela unanimidade dos deputados. As outras duas foram devolvidas ao Parlamento. O complicado é que a devolução fez-se aparentemente sem a mensagem fundamentada do PR como manda o artigo 137 nº 1 da Constituição da República. O mais estranho ainda é o facto da Assembleia Nacional ter-se fechado em copas e não fornecer informações pertinentes sobre a matéria às lideranças dos grupos parlamentares. O veto do PR pode ser ultrapassado por votação da A.N. que confirme uma outra vez os diplomas devolvidos. É de relembrar que o pacote de Justiça, apresentado em Outubro de 2008 pelo governo passou um processo complexo de consensualização das posições das duas bancadas. Foi necessário proceder-se a uma revisão constitucional em Fevereiro de 2010 para que se pudesse prosseguir para uma convergência de posições sobre o sector de justiça. O que veio a verificar-se em Novembro e Dezembro de 2010. O veto do presidente arrisca a deitar por terra todo esse trabalho. O fim da legislatura com a inauguração do novo parlamento a 11 de Março faz caducar todas as iniciativas legislativas. O tempo mostra-se escasso e a aparente sonegação de informação aos actuais sujeitos parlamentares ameaça inviabilizar uma tomada de posição do parlamento. Legítimo é de se perguntar o porquê disso. Será que alguém no parlamento quer fazer do veto do presidente, dado sem fundamentação devida,, um veto definitivo. O parlamento pode fazer isso por si próprio, negando votar os diplomas outra vez ou chumbando a lei que aprovou dois meses atrás. O que não se pode fazer é fingir que nada está acontecer e deixar que o fim da legislatura salve a face a todos os envolvidos. Isso é inadmissível num Estado de Direito em que todos os actos dos órgãos de soberania devem primar pela transparência. O funcionamento do sistema político implica que os diferentes órgãos de soberania exerçam os checks and balances que deles é exigido. Não há subordinação de um órgão ao outro. A cumplicidade que parece estar envolvido neste caso chama atenção para a importância da eleição presidencial próxima no restauro do equilíbrio e moderação que o sistema exige.

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Democracia em Movimento

Na sexta-feira passada, dia 11 de Fevereiro, o mundo assistiu fascinado a queda de um déspota sob impacto de um movimento genuinamente popular. A cognominada Revolução de 25 de Janeiro no Egipto que terminou os 30 anos de Hosni Mubarak teve o suporte de jovens, mulheres, trabalhadores e simpatizantes das mais diferentes correntes de opinião nomeadamente do liberalismo, de esquerda e do nacionalismo árabe. Convergindo todos na praça de Tahrir que se tornou no símbolo da revolução, clamaram pela liberdade, pela justiça social, pelo respeito para com a oposição e por uma ideia inclusiva do Egipto.

Antes do início da revolução egipcía, na vizinha Tunísia a população em manifestações de rua já tinha provocado a fuga do presidente Ben Ali. O despoletar do movimento popular fora o acto imolação dum jovem desesperado por ver que mesmo com diploma universitário não conseguia emprego e a polícia não o deixava vender frutas e vegetais nas ruas para sobreviver. Muitos Milhares de jovens não só na Tunísia como em muitos outros países árabes como a Jordânia, a Argélia, Iemen e Marrocos reviram-se no drama desse jovem que tinha formação mas não era "empregável".

O efeito de contágio do movimento democrático iniciado na Tunísia e que ameaça quase todas as capitais árabes faz lembrar o grande movimento que,na sequência da queda do Muro de Berlim em 1989, fez cair em cadeia regimes totalitários e autoritários, em todos os continentes. Na época Cabo Verde foi um dos que se juntaram a esse movimento universal para a liberdade e democracia e pelo direito a uma vida melhor, posicionando-se a partir daí no caminho da modernidade e do progresso.

A situação de muitos desses países mostra que só vestir as roupagens da modernidade sem adquirir os instrumentos que permitem potenciar o capital de recursos humanos leva à estagnação traduzida em taxas de crescimento anémicos e em incapacidade de resposta ao problema grave de desemprego. Agrava as coisas a percepção da crescente desigualdade social evidenciada por uma pequena elite com casas e carros faustosos a par de uma população numa luta permanente para sobreviver com o pequeno salário que dispõe. O impacto do aumento dos preços desde do último trimestre do ano passado em produtos alimentares e combustíveis não deixou às pessoas uma outra escolha que não sair à rua para mudar o regime.

Por todo o mundo regimes autocratas seguem com muita atenção o que se passa. Os males que fizeram o povo insurgir-se estão todos lá: repressão, corrupção, baixa responsabilização dos governantes e crescente desigualdade social. Notam que as tentativas de repressão e de neutralização dos movimentos populares têm falhado. No Egipto chegou-se mesmo a provocar um "apagão" na internet para evitar que os revoltosos fizessem uso das redes sociais para se comunicarem e coordenaram o movimento. Nalguns países mais ricos subsídios de mais de 2 mil euros estão a ser oferecidos para acalmar as pessoas. Entretanto muitos estão a aprender que endurecer o regime não é solução.

Para Cabo Verde, com desemprego elevado particularmente entre os jovens e a aumentar precisamente na camada com liceu completo e com licenciatura, a situação socialmente explosiva desses países deve constituir um aviso sério. Ignorar a seriedade da questão ou procurar contorna-la pela via de prosperidade ilusória proporcionada por recursos externos seja na forma de ajuda, ou pior na forma de dívida só adia o problema sem o resolver. Espera-se que o novo governo retire as devidas ilações dos anos passados de perda de oportunidades e invista de forma séria na qualidade do ensino para que os jovens tenham a formação que os pode fazer globalmente competitivos e não caírem no desespero.


Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 16 de Fevereiro de 2011

domingo, fevereiro 20, 2011

Intimidação continua

O Primeiro Ministro "reeleito", em grande entrevista na primeira semana pós vitória eleitoral, diz que vai desencadear “uma grande circulação de pessoas ao nível do governo, da administração pública e das empresas”. Que queira mudar os membros do governo é normal e esperado. Mas sem ainda ter constituído o novo governo e já anunciar que vai mudar pessoas na administração e nas empresas não é normal. O partido usou como slogan da campanha o “mesti manti” querendo dizer que continua com o essencial das políticas anteriores. Não há, portanto, qualquer pressa em afastar pessoas ou em promover grande circulação de pessoas. Só se os objectivos são outros. Pelos jornais sabe-se já que na empresa TACV a interpretação que se fez das palavras do PM é que a “estação de caça” está aberta para afastar os trabalhadores ligados ao MPD que fizeram campanha ou foram candidatos. De facto, só uma preocupação em mandar uma mensagem de conformação de comportamento, para todos os que vivem ligados ao Estado e aos seus apêndices nas empresas, justifica uma afirmação dessas. Não é de estranhar que as direcções da administação pública e das empresas a interpretam como uma chamada à acção contra os que ousaram publicamente discordar das políticas do Governo. E tais manobras de intimidação funcionam porque todos sabem que o Paicv preza-se em projectar a imagem de ser sistemático na protecção dos seus e implacável com quem é diferente ou o desafia.

sábado, fevereiro 19, 2011

Ética? Um Peso duas medidas

Em entrevista ao jornal asemana o Dr. José Maria Neves considerou que seria uma grande falha ética do Dr Carlos Veiga para com o povo de cabo Verde se agora no pós eleições legislativas decidisse candidatar para o cargo de presidente da república. JMN finge não saber que só haveria eventualmente fraude ao eleitorado se logo depois de eleito primeiro-ministro o Dr. Carlos Veiga deixasse o cargo a uma outra pessoa e candidatasse ao cargo de PR. O caso nem se põe visto que o MpD perdeu as eleições. E tendo falhado os objectivos nas legislativas fica em aberto a possibilidade dos seus dirigentes se candidatarem a outras posições que o funcionamento normal da república requer. È um direito que não pode ser restringido por supostas considerações de natureza ética. Aliás numa circunstância desta evocar a ética está-se, verdadeiramente, a esconder outras razões designadamente a de deixar um adversário de peso fora da corrida. Por exemplo, na resposta à pergunta seguinte do jornalista JMN tranquilamente fala dos chamados pré-candidatos ao cargo de PR Aristides Lima, David Hoffer Almada e Manuel Inocêncio. Nunca antes considerou a questão ética colocada pelo facto desses senhores não se suspenderem dos cargos políticos que ocupavam depois do anúncio público da candidatura como manda a Lei Eleitoral. Nem o facto de ostensivamente terem feito uso das prerrogativas do cargo para fazer avançar a sua candidatura. Também a participação directa nas eleições legislativas, que são por natureza partidárias, quando são publicamente candidatos a um cargo suprapartidário, não causa qualquer choque ao Dr. JMN. È interessante recordar que o Dr. Carlos Veiga cumpriu a lei eleitoral em 2000 quando era primeiro-ministro e anunciou publicamente a sua candidatura a PR. Não se aproveitou do cargo e não fez campanha nas legislativas. Em matéria de ética na política dificilmente se pode questionar o homem que aceitou os resultados das eleições presidenciais de Fevereiro de 2001 que davam vitória ao seu adversário por apenas doze votos. O seu sentido de honra e o espírito de democrata prevaleceu mesmo sabendo, como todos sabiam, que votos fraudulentos tinham sido introduzidos nas urnas num acto comprovado pelos tribunais judiciais que decretaram prisão para os perpetradores da fraude. Nada impede pois Carlos Veiga de, querendo, se candidatar a Presidente da República. Não havendo engano deliberado do eleitorado, declarações políticas feitas num momento ou conjuntura política não constituem per se compromissos de honra inultrapassáveis. Cabo Verde não pode pode ficar limitado nas suas escolhas para cargos cimeiros da repúblicas por razões dessa natureza. O argumento da ética tem as marcas de conveniência que acompanham o essencial do discurso político do Paicv.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

MpD - o partido indispensável

Um terceiro mandato do PAICV constitui um desafio enorme para a democracia caboverdiana. A cultura política de exploração de dependência e vulnerabilidades das populações, a vontade explícita de se confundir com o Estado e tudo controlar e a dificuldade notória em lidar com o pluralismo podem fazer o País, nos próximos cinco anos, atrasar-se ainda mais na consolidação da democracia. Um obstáculo de peso dificulta esse caminho: o MpD. Vencido nas eleições de 6 de Fevereiro, o MpD com mais de 94 mil votos dos eleitores caboverdianos e com 32 deputados em 72 deputados é uma força poderosa de oposição do Governo e de fiscalização da actividade governativa. Sabendo isso, compreende-se porque na sequência da vitória eleitoral o Paicv ainda continua na ofensiva para o enfraquecer e eventualmente tornar a sua oposição um exercício de somenos importância ou quase inócuo. Cabe ao MpD reagir e pôr-se em posição de, a todo o momento, ser capaz de mostrar aos caboverdianos que há um caminho outro, diferente e mais profícuo, que o apresentado pelo partido no Governo. O MpD nasceu num momento histórico grandioso que viu regimes inimigos da liberdade cair como dominós sob o impacto da pressão do povo que queria respirar liberdade e ter esperança numa vida melhor. O MpD foi o instrumento desse movimento universal em Cabo Verde. Cumpriu o seu papel histórico de dotar o país de uma Constituição moderna e de introduzir as reformas essências para reinserção da economia nacional no mundo, preparando-o para beneficiar de investimentos estrangeiros, da dinâmica do comércio internacional e dos frutos da iniciativa e criatividade individual e privada dos seus fillhos. Na linha do seu passado grandioso tem um papel central em insistir que o país caminhe com os próprios pés e se liberte da cultura de dependência que, a olhos de todos, está a limitar a liberdade dos caboverdianos e diminuir as suas opções. Naturalmente que a ausência de poder por mais os cinco anos, que vêm adicionar aos dez anos anteriores, serão duros, mas ultrapassáveis. Recentemente o partido conservador britânico regressou ao poder após quinze anos na oposição. Na década de noventa o partido trabalhista tinha realizado a mesma façanha. Por conseguinte não é estranho na democracia que isso aconteça e que nos anos fora de poder várias lideranças tenham dirigido o partido sem os sucessos desejados ao nível nacional. O importante é que o partido se mantenha essencialmente intacto, seguro nos seus princípios e efectivo na actuação como oposição. A adequação aos desafios sempre renovados da governação pode chegar a um ponto em que se verifique uma espécie de mudança geracional do tipo que aconteceu com Tony Blair nos anos noventa e com David Cameron no ano passado. A acontecer no decurso dos próximos cinco anos no MpD, provavelmente será vantajoso que o processo seja conduzido com a presença de Carlos Veiga, o líder histórico, na direcção do partido. O MpD tem em seis meses que se preparar para as eleições presidenciais que são fundamentais para imprimir equilíbrio e moderação ao sistema político. As eleições municipais a realizarem-se em um ano e três meses são também importantes para se garantir o quadro autárquico plural capaz de resistir ás investidas da centralização do Poder e imprimir uma nova orientação e vigor ao Poder Local. Por tudo isso, é de maior importância que o Dr. Carlos Veiga se mantenha a frente do MpD até à próxima convenção nacional desse partido.

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Dia da vergonha

O 13 de Janeiro é feriado nacional para relembrar da importância central de eleições livres e plurais para a nossa dignidade como indivíduos, para a nossa liberdade como cidadãos e para satisfação do nosso desejo de paz e justiça como nação. Em todos os momentos em que se repete o ritual democrático de ir às urnas e depositar o voto, seja nas eleições legislativas, seja nas presidências ou nas autárquicas, espera-se que estejam garantidos os fundamentos desse acto de soberania do povo: a liberdade e o pluralismo. A realidade eleitoral porém tem sido uma outra, muito distante do que se espera numa democracia consolidada. O regime democrático caboverdiano, novo ainda com vinte anos, apresenta falhas graves que se tornam particularmente notórias no dia do voto. É um dia que devia ser de tranquilidade e de alegria. Depois de toda a euforia, de todos os argumentos e contra argumentos e de todas as paixões exacerbadas da campanha o cidadão espera sentir-se completamente livre para escolher os seus governantes e decidir o rumo do país. Para que assim seja a lei eleitoral estipula o fim de todas as actividades de campanha 24 horas antes precisamente para que serenidade volte a reinar e ninguém se sinta coagido. Não é porem o que acontece. O dia do voto é dia um triste e é um dia de vergonha. As pessoas saem de casa para ir votar e deparam-se com viaturas cruzando as ruas em todas as direcções pejados de pessoas com rosto fechado. Chegado ao local do voto há muitos poucos sorrisos e os cumprimentos entre pessoas conhecidas são muito pouco efusivos. A volta do local de voto há sujeitos hiperactivos a questionar eleitores se sabem onde vão votar e a oferecerem-se para ajudar. A agressividade no ar de tempos em tempos aumenta de intensidade com a chegada de outros tantos que entram pelos locais de voto, interpelam quem está ali na fila à espera de votar ou enfrentam outros que lá chegaram primeiro. Bilhetes de identidade são disputados aos donos ou por quem se oferece para os ajudar a encontrar o local certo do voto com o intuito de sugerir um sentido do voto ou então por aqueles que se prestam a comprar votos. O ambiente criado repele eleitores, intimida e condiciona. O que é feito à luz do dia durante a votação vem no seguimento do que nos sábados de reflexão e na noite antes de votação se constata por todos os cantos do país: uma pressão despudorada opressiva e chantagista dirigida à população social e economicamente vulnerável. Não se sabe se os efeitos no eleitorado dessas operações são decisivos na determinação dos resultados. Os métodos e procedimentos utilizados lembram organizações militares preparadas para infundir terror. E facto é que envenenam o ambiente. É só ver o número de incidentes que se verificam no chamado dia de reflexão e no próprio dia de votação. A tensão criada subsiste mesmo depois dos resultados publicados e de se conhecer o vencedor. As várias mortes violentas verificadas em vários pontos do país nos dias que seguiram às últimas eleições ilustram isso. Já antes um clima de violência latente tinha se instalado no país durante o período eleitoral. Vários factores contribuíram para isso designadamente as disputas dos outdoors, a tensão com as câmaras à volta da colocação de material de propaganda do partido no governo e, mais grave ainda, as denúncias de sabotagem na Electra por membros do Governo. A colocação de elementos das forças armadas na Electra serviu para tornou real uma ameaça imaginária e quase lançou multidões em manifestações à procura de sabotadores na central eléctrica da Praia. O linchamento público da imagem de dois técnicos da Electra sem inquérito algum tivesse sito feito das condições específicas de um particular apagão mostra o quão perigosamente longe se foi no esforço de manipular os caboverdianos. Os partidos da oposição aceitaram os resultados das eleições mas isso não significa que a democracia caboverdiana está de boa saúde. O abuso dos recursos do estado, a disponibilidade em dar golpes da mão e em intimidar e a explorar escandalosamente os mais vulneráveis da sociedade não vaticina nada de bom. Não obstante todo o verniz de respeitabilidade que a elite actualmente no poder cobre as suas operações e a sua governação é visível o traço profundamente anti-democrático da sua actuação e cultura política. Os ideais do 13 de Janeiro ainda estão por se realizar.