quarta-feira, maio 30, 2012

Saúde em Cabo Verde: que futuro?



Editorial  Nº 548 • 30 de Maio de 2012

 Saúde em Cabo Verde: que futuro?

 A saúde da população, das suas crianças, jovens, adultos e velhos constitui um pilar fundamental da vitalidade e produ­tividade de qualquer economia e um marco da qualidade de vida atingido pela sociedade. Garantir cuidados de saúde a todos implica construir sistemas de solidariedade transversais e intergeracionais que sejam sustentáveis, eficazes e vistos por todos como abrangentes e justos. Ao Estado cabe um papel importante em assegurar-se que o sistema cumpre com os ob­jectivos traçados e que todos contribuem na medida das suas posses e rendimentos.
Por todas as paragens vem-se verificando o agravamento dos custos dos cuidados de saúde. A esperança de vida é maior, avanços tecnológicos permitem diagnósticos e intervenções mé­dicas mais sofisticados e doenças outrora consideradas terminais tornam-se mais “geríveis” permitindo uma velhice prolongada e com qualidade de vida.
Nos países desenvolvidos, as contribuições para o sistema de saúde têm diminuindo a passo com a redução da população produtiva criando um défice que põe em perigo a sua susten­tabilidade. Veio a crise, milhões foram parar no desemprego e a situação passou a ser crítica. Muitos já não têm os cuidados habituais porque não têm meios para as comparticipações nos custos ou deixaram de estar cobertos em resultado do desem­prego prolongado.
Nos países em desenvolvimento a eficácia na luta contra as doenças infecciosas aumentou extraordinariamente a esperança de vida e criou uma situação que alguns chamam de transição epidemiológica. As doenças mais comuns passam a ser as cardo vasculares, as diabetes, as doenças degenerativas e os cancros. Doenças essas que, podendo não ser fatais, exigem tratamentos custosos durante décadas. Ou seja, passa-se a ter um perfil de doenças próprio dos países desenvolvidos, mas sem o poder económico deles para fazer face aos custos decorrentes.
Em Cabo Verde já se tornam evidentes as dificuldades em manter o sistema de saúde ao nível das exigências da população. Mais difícil ainda será colocar o sistema à altura de responder com eficácia à nova fase marcada pela predominância das do­enças crónicas. O crescimento do país tem-se mantido abaixo do seu potencial e não tem resultado na criação de empregos que aumentem as contribuições para a segurança social e fazem crescer o número de indivíduos e famílias cobertos em situação de doença. Soma-se a isso o agravamento do custo de vida com os sucessivos aumentos de bens de primeira necessidade, trans­portes, energia e água que cortou no rendimento disponível das famílias dificultando-lhes a comparticipação nos custos de saúdes e nas taxas moderadoras.
Para o mundo desenvolvido, por razões de envelhecimento da população, a diminuição dos custos de saúde é fundamental para garantir a sustentabilidade do sistema e manter a competitividade pela via de controlo dos custos ligados ao trabalho. Para os países em desenvolvimento, com a sua população jovem, o esforço deve centrar-se no crescimento da economia com criação de emprego que beneficie todos com segurança social.
O governo tem a responsabilidade de orientar estrategica­mente o sistema de saúde de forma a que sirva todos os cabo­verdianos. Mas não só: Cabo Verde a poucas horas da Europa tem possibilidade de desenvolver um turismo que também tenha como um dos sustentáculos os cuidados de saúde, particular­mente dirigidos para as pessoas mais idosas. Dessa forma talvez matasse vários coelhos de uma cajadada: ter turismo sustentável, formar jovens em profissões com futuro e garantir à população cuidados de saúde de qualidade.
Direcção

quarta-feira, maio 23, 2012

Por onde pára a cidadania?



Editorial Nº 547 • 23 de Maio de 2012


 Por onde pára a cidadania?

 Uma bandeira de cidadania foi desfraldada nas eleições presi­denciais. Procurava justificar candidaturas que fugiam ao controlo dos partidos numas eleições que por desígnio constitucional são suprapartidárias. A instrumentalização do conceito não impediu que suscitasse aderência entusiástica em certos sectores na socie­dade e algum constrangimento com laivos de agressividade em algum partido político. Mas foi sol de pouco dura. Rapidamente voltou-se à postura habitual de fraca participação política dos cidadãos e de passividade cívica.
As eleições autárquicas já estão à porta e mais uma vez a oportunidade para uma certa intervenção cívica será muito pro­vavelmente escamoteada. A Constituição e a lei eleitoral abrem a possibilidade de cidadãos apresentarem listas para a câmara e assembleia municipais. A inexistência de um monopólio dos partidos na apresentação de candidaturas nos municípios abre a possibilidade de participação directa dos cidadãos. Até agora, po­rém, tais hipóteses foram mal aproveitadas ou mesmo distorcidas. Nalguns casos, a apresentação de listas por grupos de cidadãos não passaram de candidaturas camufladas dos partidos. Noutros casos, ou foi uma reacção em dissidência do partido ou ainda uma tentativa de forjar um novo partido.
Supõe-se que a abertura das listas a munícipes não militan­tes tem como objectivo, além de incentivar participação cívica, atenuar o efeito das confrontações partidárias nas decisões que a administração da autarquia tem de tomar e nos compromissos e consensos a que é obrigada a chegar para melhor servir os uten­tes. Bloqueios, indefinições e procrastinações em várias matérias resultam quando se escolhe o terreno municipal como campo para os confrontos entre o governo e a oposição nas questões de governação do país.
Neste particular, nota-se que numa espiral crescente, o governo vem legislando e tomando medidas de política que cada vez mais diminuiem o escopo de actuação dos órgãos municipais eleitos. Se não é limitando nas atribuições, é minguando nos recursos disponibilizados. Um estratagema muito utilizado que já foi alvo de denúncias várias é pôr as câmaras municipais a competir com associações comunitárias e ONGs diversas pelo acesso a recursos públicos. O governo ostensivamente faz por ignorar que a câmara municipal e a assembleia municipal são órgãos de poder político e nunca podem comparar-se a órgãos de organizações privadas que só podem ser representativos dos seus membros e velar pelos seus interesses.
A autonomia municipal é um dos princípios do Estado de direito democrático. Suporta-se no reconhecimento de que as populações têm interesses específicos que não coincidem perfeita­mente com os interesses nacionais nem com os de outras regiões. Para fazer valer e proteger esses interesses dá-se-lhes o direito de eleger os seus órgãos próprios. Problemas surgem quando o governo age como se não acreditasse no pluralismo dos centros de poder que a própria constituição impõe e envolve as câmaras num jogo em que ninguém ganha. A centralização avança cada vez mais, cresce a insatisfação nas ilhas e a capital sofre em termos de segurança, saneamento, habitação, energia com o crescimento galopante da população.
Um maior protagonismo de um movimento de cidadania apro­veitando as oportunidades para uma intervenção cívico-política oferecida pelo sistema eleitoral talvez tivesse o efeito de desengajar a tarefa de vencer os desafios locais das grandes contendas nacio­nais. Na falta desse travão da sociedade civil é de perguntar: de que vale organizar eleições autárquicas, gastar centenas de milhares de contos nas campanhas e no processo eleitoral se logo a seguir os órgãos eleitos são postos em causa em constantes disputas com ministérios, serviços desconcentrados e associações muitas vezes partidarizadas financiadas pelo Estado.
A Direcção

quarta-feira, maio 16, 2012

Baralham-se as cartas



Nº 546 • 16 de Maio de 2012
Editorial: Baralham-se as cartas
Com a posse do novo presidente francês, François Hollande, a Europa procura vislumbrar uma outra saída para a crise que não seja a “pura e dura” austeridade. O efeito das medidas de contenção orçamental em particular nos países chamados PIGS tem sido brutal. Centenas de milhares foram para o desemprego com a recessão induzida pela diminuição brusca de despesas públicas e cortes nos rendimentos das pessoas. As eleições francesas e gregas colocaram um novo ênfase e uma nova urgência na procura de caminhos que também conduzam ao crescimento. Praticamente o mundo inteiro passa por uma encruzilhada. Saber qual o caminho a seguir para a retoma do crescimento é o desafio que se coloca a governos e nações em todos os continentes. E não se trata simplesmente de encontrar formas mais suaves de pagar a dívida pública e privada que suportou a prosperidade dos anos anteriores. A globalização, o dinamismo dos países emergentes e a natureza limitada de recursos energéticos, minerais e de biomassa obrigam as diferentes economias a renovarem-se para se manterem competitivas e dinâmicas. Para vários estudiosos, muito do desemprego existente, particularmente nos Estados Unidos e na Europa, é da natureza estrutural. Não resulta só das medidas de austeridade e do clima recessivo induzido pela crise financeira. Tem muito a ver com a desindustrialização, mudanças tecnológicas e o nível deficiente do capital humano. Os caminhos para o crescimento apontam para o uso mais eficiente dos recursos, para um novo papel do estado e adequação do ambiente regulatório e investimentos nas infraestruturas certas. A publicação, ontem, do relatório da política monetária do Banco de Cabo Verde com previsões de travagem no crescimento económico, aumento da dívida pública interna e externa, e diminuição das reservas externas confirma que Cabo Verde também se encontra numa encruzilhada. A diminuição previsível da ajuda externa não foi compensada pelo aumento de exportações e por mais investimento directo estrangeiro. O país deixou-se ofuscar por demasiado tempo pelo modelo da reciclagem dos fluxos externos e não fez as reformas necessárias para melhorar a competitividade do país. No momento da graduação a país de desenvolvimento médio, depara-se com um ambiente internacional deprimente e está a braços com uma dívida pública a atingir os limites da sustentabilidade. Para muitos povos e governos impõe-se uma alteração do rumo. Daí as mudanças eleitorais ocorridas recentemente em vários países europeus. Em Cabo Verde não há esse sentido de urgência na mudança de políticas. A propaganda oficial que canta maravilhas do modelo existente ainda surte efeito e dissuade posturas críticas. O governo parece acreditar que o pais é “too small to fail” mas a realidade das dificuldades que terá que enfrentar a médio prazo são de facto incontornáveis, como, aliás, o são para os outros. A exemplo do que se passa noutras paragens, há que trilhar outros caminhos e facultar um outro tipo de liderança, mais conforme com os desafios dos tempos.

quarta-feira, maio 09, 2012

Política externa: do Estado ou do Partido



Nº 545 • 9 de Maio de 2012
Editorial: Política externa: do Estado ou do Partido
As autoridades caboverdianas vêm seguido a crise na Guiné- Bissau na sequência do golpe de Estado de 12 de Abril com muita atenção e manifesta preocupação. Os posicionamentos públicos em certos momentos deixaram a impressão de terem sido excessivos, demasiado reactivos ou apoiando partes no conflito. Diferenças entre o PR e o PM a propósito da cimeira da CEDEAO de Dakar confirmadas pela entrevista do PM à Inforpress denotam um certo voluntarismo no tratamento de questões delicadas e complexas. Uma atitude que provavelmente contribuiu para que a posição de Cabo Verde ficasse isolada no contexto da sub-região. A CEDEAO tomou as rédeas da situação ao estabelecer um período de transição democrática com a duração de um ano seguido de eleições e de reformas nos sectores de segurança e defesa. A CPLP foi, na prática, colocada à margem do processo quando não se deu atendimento à sua insistência no regresso do presidente interino e do primeiro-ministro. Cabo Verde, ao secundar o protagonismo de Angola, designadamente nas declarações do ministro da Defesa, sem ter em devida conta as sensibilidades geopolíticas da região, expôs-se a ser visto como parcial e de utilidade duvidosa como eventual mediador da crise. É do conhecimento geral que as crises na Guiné não são de hoje e têm raízes profundas. O assassinato brutal do presidente Nino Vieira, do Chefe de Estado Maior Tagma Na Waie e de muitas outras individualidades, nomeadamente deputados, candidatos a presidente, etc. são factos chocantes de um passado recente que ainda clamam por esclarecimento e justiça. Encontrar soluções para a situação complexa da Guiné não é fácil. Mas certamente que não pode ficar pelo simples destacamento de tropas de outros países para manter a paz enquanto ela é constantemente subvertida por ódios antigos, por uma cultura de intriga e por ambições desmedidas de aqueles que se consideram donos do país. A política externa de Cabo Verde deve ser política do Estado de Cabo Verde e não a de qualquer partido que conjunturalmente esteja a governar. Não pode ser condicionada por interesses particulares como aparentemente foi o caso desta crise na Guiné. Sentiu-se aí o peso da relação solidária entre os partidos no poder nos PALOP que se reclamam da herança histórica dos movimentos de libertação. E isso teve consequências. O governo tem a responsabilidade de formular e conduzir a política externa, mas fá-lo envolvendo os outros órgãos de soberania, designadamente o Presidente da República e a Assembleia Nacional em vários momentos e processos. Porque a representação externa da república é da competência do PR, espera-se que haja um especial dever de articulação entre o governo e a presidência da república para evitar qualquer sombra na imagem exterior ou ambiguidade nos posicionamentos do país.

quarta-feira, maio 02, 2012

Mudar para ganhar



Nº 544 • 2 de Maio de 2012
Editorial: Mudar para ganhar
A comemoração do 1º de Maio, Dia dos Trabalhadores, ficou ensombrada em todo o mundo pela dura realidade do desemprego e do emprego precário que afecta a generalidade da população particularmente os jovens e as mulheres. Marchas e manifestações em muitas cidades do mundo marcaram o dia e chamaram a atenção para o desespero de muitos: dos que se vêm sem emprego há largos meses, daqueles que se sentem empurrados para fora do mercado de trabalho e outros cujos sonhos de uma vida adulta independente e gratificante desmoronam-se perante a perspectiva de anos sucessivos de fraco crescimento económico e fraca criação de emprego. A crise iniciada em 2008 como crise financeira e depois, sucessivamente, como crise económica e como crise da dívida soberana é hoje uma crise social de proporções preocupantes cujo fim não se vislumbra a curto prazo. As soluções até agora encontradas pelas lideranças de muitos países particularmente na Europa privilegiam medidas de austeridade como forma de diminuir o duplo deficit orçamental e de contas correntes e de restaurar a competitividade externa dos países em dificuldades. Vozes cada vez mais fortes levantam-se contra essas medidas e reclamam políticas a favor do crescimento e da criação de empregos como solução para a crise. Em Cabo Verde, às vezes, até parece que a questão do emprego é assunto tabu. Raramente se divulgam estatísticas sobre o desemprego. No discurso dos governantes não se nota preocupação em mostrar resultados na criação de postos de trabalho. Preferem falar de infraestruturas, luta contra pobreza e formação profissional. Quando num momento de euforia ousaram prometer baixar o desemprego para um dígito e falharam, tranquilamente retomaram o discurso desresponsabilizador do tipo proferido, dias atrás em Portugal, pelo Primeiro-ministro, José Maria Neves: “O desemprego é algo estrutural mas também psicológico”. A história económica de muitos países mostra que a batalha do emprego é ganha quando se orienta a economia para a exportação de bens e serviços. O que é verdade para um país continental com a China com mais razão o é para um pequeno país insular com população diminuta como Cabo Verde. Nas Maurícias souberam-no sempre e por isso, a opção foi exportar, enquanto Cabo Verde, durante os primeiros quinzes anos, se deixou seduzir pela ideologia e pelo desenvolvimento autárquico. Os resultados vêem-se na diferença de rendimento per capita (PPP). É quatro vezes superior nas Maurícias. A preocupação do governo em manter o controlo político do país e da sociedade entrava a economia nacional. Prefere mobilizar fundos externos na forma de ajuda externa e ultimamente na modalidade de empréstimos bilaterais em detrimento de uma estratégia de atracção de investimento externo e do aproveitamento de oportunidades de acesso privilegiado aos mercados. Fica satisfeito com o crescimento aquém do potencial e com a fraca criação de emprego que tal opção proporciona. Não vê os custos dai resultantes, designadamente nos investimentos públicos com baixo retorno, no enfraquecimento do empresariado nacional e no agravamento dos problemas sociais. As centrais sindicais ponderam convocar uma greve geral para Junho. Em causa está a perda de confiança derivada de promessas feitas e não cumpridas pelo governo quanto ao 13º mês, ao aumento de vencimento e ao salário mínimo. O momento devia ser de uma unidade de esforços para se obter mais eficiência na utilização dos recursos, ganhar competitividade externa e finalmente reorientar o país para o mercado global. Mas para recuperar a confiança e garantir a colaboração de todos, primeiro há que acabar com o imediatismo político, fugir à tentação de usar o assistencialismo para controlar as populações e falar verdade ao país.