quarta-feira, fevereiro 27, 2013

Défice de pluralismo



O pluralismo é sem qualquer dúvida um dos grandes ganhos da civilização que qualquer sociedade pode almejar. Suporta-se no direito à liberdade, nutre virtudes como a tolerância e vivifica o processo político com a profusão de ideias, soluções e alternativas de governação. O exercício enérgico do plura­lismo na sociedade cria a pressão necessária para que o Estado não extrapole a sua missão de servir a comunidade e evite transformar-se em predador de recursos comuns e numa ameaça aos direitos e liberdades dos cidadãos.
O debate do dia 25 de Fevereiro na Assembleia Nacional sobre o sector agrí­cola e os desafios do desenvolvimento futuro do país revelou-se um “não deba­te”, como já se tornou habitual. Em vez da avaliação dos problemas actuais do sector como acesso à água, ao crédito, a apoios tecnocientíficos, a transportes intra e inter-ilhas e a mercados e circuitos comerciais valorizadores dos pro­dutos agro-pecuários ficou-se em grande parte pela comparação estéril de governos e acções governativas separadas por décadas.
Independentemente de como cada um dos sujeitos parlamentares contri­buiu para isso, sucumbindo-se a tácticas de desvio do debate, uma coisa é certa: a Nação não viu esclarecida a situação actual, ficaram por compreen­der os desafios do momento e não foram avaliadas alternativas de solução. Naturalmente que é do governo que, pelas suas responsabilidades, se devia esperar maior engajamento para que o debate se fixasse sobre a actualidade e o tempo que lhe resta de mandato. Estranha-se por isso a paixão com que os membros do governo se entregam a discutir décadas e governos passados. Enveredando-se por esse caminho, o Parlamento falha em fiscalizar o governo e em fornecer no contraditório o sentimento da nação quanto aos problemas do presente e as suas expectativas para o futuro.
O bloqueio do processo político plural em sede parlamentar tem conse­quências graves na sociedade e no Estado. Produz intolerância e instiga o medo. Liberdades são coarctadas, iniciativas inibidas e frustrações alimenta­das. As pessoas muito relutantemente querem parecer diferentes e ser toma­das como críticos ao poder instituído. Também sofre a confrontação de ideias e de projectos políticos necessária à criação de alternativas de governação. Literalmente a comunidade é roubada da sua dinâmica e condenada a ficar-se pelos métodos conhecidos na resolução dos seus problemas. Se isso em abstracto é grave, na situação actual de crise internacional e de renovação das formas de comércio, manufactura e de prestação de serviço sob impulso de mudanças tecnológicas rápidas é de uma irresponsabilidade sem paralelo.
Dos partidos políticos em democracia espera-se que, enquanto espaços pri­vilegiados de participação, sejam viveiros de ideais, saibam canalizar energia e ambições de indivíduos no sentido de excelência e fomentar uma cultura de serviço nos seus dirigentes, indispensável à consecução dos papéis alter­nados de governo e oposição que são chamados a cumprir. O país deve poder beneficiar de toda essa actividade com visões múltiplas do que pode ser o fu­turo e com gente com competência política, executiva e engajamento à vida pública.
As mudanças de lideranças são momentos importantes para os partidos inventariarem o que de melhor têm para oferecer ao país. A preocupação dos partidos do arco do poder em se mostrarem coesos antes de partirem para a renovação pode não ser a atitude mais própria e útil. Quer-se ver coesão do partido à volta de uma liderança, mas depois dela e da sua plataforma política ter sido, no confronto intra-partidário, sufragada pela maioria dos militantes. Uma liderança dessas no governo dá mais garantia de sintonia e unidade de acção do que aquela derivada de compromissos pouco transparentes. Fechar-se para o diálogo interno não traz vantagens nem aos partidos nem ao país particularmente se se precisa de novas ideias para melhor enfrentar a actual conjuntura nacional e internacional em mutação rápida.
Prejudica particularmente o processo político actual o ataque sistemático à governação dos anos noventa. Primeiro, porque sendo descabido e estéril só leva à polarização partidária bloqueadora do sistema político. Segundo, porque partindo do ano 2013 e de actores políticos dificilmente fará justiça aos factos, ao contexto e à informação então disponível aos governantes. Ter­ceiro, porque em questionando o legado de um governo eleito por duas vezes com maioria qualificada superior a dois terços e que fez as reformas políticas e económicas em que se suporta o Cabo Verde moderno impede-se a consoli­dação do consenso básico sobre os fundamentos da república e a possibilida­de das forças políticas trabalharem juntas para garantir ao país um futuro de liberdade e desenvolvimento. Há que empurrar o Cabo Verde para além deste impasse.
                                                                                                                              Humberto Cardoso
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 27 de Fevereiro

terça-feira, fevereiro 12, 2013

Falha da Liderança ou “muros de lamentação”

É Carnaval. Desfiles de grupos carnavalescos enchem de cor, alegria e gaiatice as ruas do Mindelo. Milhares de pessoas, incluindo estrangeiros, chegam das outras ilhas e de outros países para participar no Carnaval com maior tradição em Cabo Verde. Muitos, já com os seus trajes, juntam-se ao Grupo Samba Tropical que este ano comemora os seus 25 anos e cujo des-file nocturno já se tornou num grande atractivo do Carnaval mindelense. A alegria e a boa disposição das pessoas não provêm somente do ambiente de festas. Com a chegada dos “turistas” a economia da ilha dá um salto e os efeitos do aumento do consumo são sentidos em todos os sectores.
O impacto do Carnaval na economia de São Vicente, à semelhança do impacto do festival da Baía das Gatas e das festividades do fim de ano, faz relembrar a importância central para o desenvolvimento de São Vicente que é a ligação com o exterior. Mindelo nasceu com as vantagens ofere-cidas pelo Porto Grande no âmbito da globalização iniciada no século de-zanove. Vantagens de momento, porém, não se mantêm para sempre ou, se mantêm, ganham uma outra forma e importância. Entrementes podem surgir outras que importa identificar, potenciar e agir para as aproveitar. As dificuldades de São Vicente, expressas na elevada taxa de desemprego, resultam da inexistência de uma liderança que faça essa identificação e facilitação.
Ter a maior taxa de desemprego do país é certamente motivo de lamen-tação. Do chefe do governo espera-se que assuma a responsabilidade pelo fracasso, desajuste ou extemporaneidade das políticas aplicadas que tão fracos resultados obtiveram. Não se pode é atribuir subrepticiamente culpa aos desempregados pela sua situação falando em preguiça ou lamentando que não são capazes de se auto empregarem.  Nem se pode também acusar rir que algum “problema cultural” de pessimismo ou negativismo poderá estar a impedir uma população inteira de aproveitar condições suposta-mente óptimas para sacudir o marasmo económico e a falta de trabalho. Aliás, a existir algum problema cultural, seria de todo o país porquanto o que se passa em São Vicente acontece também nas outras ilhas.
O governo escolheu assumir a crise quando os donativos diminuíram e a dívida pública atingiu níveis críticos de sustentabilidade. Não ouviu os muitos avisos que davam conta que a economia nacional era pouca di-versificada e não direccionada para a exportação de bens e serviços. Não deu a devida importância à fraca competitividade do país e ao ambiente de negócios negativamente afectado pela burocracia e a centralização do poder. Conhecida como é a importância de políticas voltadas para a expor-tação na criação de emprego, no aumento de produtividade e na atracção de capitais externos, compreende-se por que uma postura contrária e não facilitadora do governo provoca desemprego elevado, crescimento anémi-co e tensões macroeconómicas graves.
Há quem veja na regionalização o remédio para esses males. Regionalização significando multiplicidade de centros de decisões e uma outra redistribuição dos fluxos externos postos à disposição de Cabo Verde. Mas a problemática de desenvolvimento talvez exija que se conteste o paradigma ainda predominante de reciclagem da ajuda externa e se adopte uma postura virada para fora, atenta às oportunidades e pró-activa na atracção do investimento externo. Os sinais de que é o caminho certo vêem-se na dinâmica que o turismo e o investimento externo trouxeram a várias ilhas não obstante os obstáculos, a insensibilidade e a falta de coordenação das autoridades já identificados no estudo do Banco Mundial divulgado por este jornal.
Sempre que o Carnaval ou outro evento sacudir a vida da ilha, fizer cir-cular dinheiro e animar os muitos sonhadores e aventureiros que ainda acreditam e investem, São Vicente deverá relembrar que o futuro, assim como o seu saudoso passado, terá que se basear numa ligação dinâmica com a economia mundial. E também ver que não é solução virar para dentro, alimentar bairrismos e submeter-se a políticas que trazem centraliza-ção e desincentivam o empresariado nacional. A solução está à vista de todos. Agarrá-la porém exigirá que se vá para além do ilusionismo político. Promessas de 13º mês, direitos na lei mas sem cobertura orçamental e clusters criados de cima para baixo devem ser submetidos a um escrutínio mais apertado. Quem se presta a servir, e recebe o mandato para tal, tem que estar aberto a críticas, prestar contas e responsabilizar-se pelos resul-tados da governação.
                                                                                                                                Humberto Cardoso
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 12 de Fevereiro de 2013