quarta-feira, maio 29, 2013

África um continente à procura do take off



No passado dia 25 de Maio comemorou-se o quinquagésimo aniversário da União Africana. Um momento para o balanço do que foram os 50 anos dos novos países africanos saídos do colonialismo. Anos marcados na maior parte dos casos por derivas políticas em direcção a regimes autoritá- rios de partido único e também por guerras intra e interEstados, limpezas étnicas e genocídios. Recentemente surgiu o fenómeno dos estados falhados, primeiro na Somália e depois noutros pontos do continente, variando os casos de acordo com maior ou menor grau de falha das instituições e de perda da autoridade do Estado. A opção pela democracia nas ilhas Maurícias e no Botsuana desde dos primórdios das respectivas independências certamente contribuiu para colocar estes dois países no topo da Africa Negra quanto ao rendimento per capita, desenvolvimento humano e competitividade externa. Exemplos que só tardiamente seriam seguidos por outros. Cinquenta anos depois das primeiras independências ainda se está à espera de um verdadeiro take off em África. Ainda não aconteceu no continente o milagre de crescimento económico verificado primeiro nos países do sudeste asiático designadamente Coreia do Sul, Hong Kong, Taiwan e Singapura e mais tarde a China, que em pouco mais de três décadas retirou centenas de milhões de pessoas da pobreza e projectou outras centenas de milhões para o nível da classe média. Em África, muitos milhões de pessoas continuam excluídos de participação efectiva na vida dos países enquanto mecanismos vários permitem a cliques de natureza política, étnica, religiosa ou linguística subtraírem, para proveito próprio, rendas avultadas do que devia ser património público. O presidente americano Barak Obama quando esteve no Gana, em 2009,chamou a atenção para o facto de que o que falta em África são instituições democráticas fortes. Ainda disse que os tempos clamam não pelos ditadores do passado mas sim por níveis elevados de governança e por uma sociedade civil actuante. Uma economista zambiana DambisaMoyo ficou famosa recentemente com a publicação de um livro,DeadAid(Ajuda Morta,) em que sustenta que o resultado de mais de um trilhão de dólares de ajuda à África nos últimos 50 foi mais pobreza e corrupção. Para ela “a ajuda não faz bem África”. Pode-se não corroborar o conjunto de argumentos que ela apresenta mas facto é que muitos países preferem ajuda em vez do comércio, mesmo sabendo que com estratégias de desenvolvimento voltadas para a exportação criam-se mais postos de trabalho e cresce-se a taxas mais elevadas. Cabo Verde é um caso desses. Vê-se no carinho com que as autoridades tratam o MCA, que é ajuda americana, e na quase indiferença com que lidaram com o AGOA, o programa de acesso preferencial ao mercado americano. Quando como hoje se contempla mais um ano de crescimento negativo lê-se no relatório do Banco de Cabo Verde que a causa está na quebra da procura interna que não é compensada pela expansão de procura externa. Não há procura externa porque o país não soube diversificar a economia como forma de se resguardar contra choques externos. A procura interna sofre as consequênciasda diminuição de donativos e das remessas e das restrições impostas pelo BCV ao crédito como forma de salvaguardar o acordo cambial numa conjuntura caracterizada por “aumento considerável do nível de endividamento da economia e redução de espaçoorçamental”. As Maurícias diversificaram a sua economia em tempo para resistir a choques externos. No passado mais remoto, indústrias em zonas económicas especiais fizeram cair o desemprego de 20% para 5%. Na última crise recorreram às tecnologias de informação e comunicação para criar mais de 100.000 postos de trabalho, albergaram mais de vinte mil empresas na praça financeira e deram um empurrão ao turismo de qualidade que já atingiu um milhão de visitantes. Não é à toa que essas ilhas remotas no oceano índico com uma população etnicamente diversa e outras fragilidades que no passado até levaram James Meade, prémio nobel da economia, a considerar o país inviável são universalmente considerados um caso de sucesso. Souberam consolidar as suas instituições democráticas. Os debates na Assembleia Nacional sobre a situação económica do país,por todos reconhecida como de crise, mostrou claro as fragilidades existentes nas instituições democráticas. O Governo recusa-se a assumir responsabilidades pelos resultados da governação e engaja-se num nãodebate com a oposição comparando períodos de governação do país separados por mais de dez anos. A crispação de que aí resulta muito dificilmente permitirá que se crie vontade política mais abrangente, capaz de assumir posições à altura dos tempos extraordinários que o país vive actualmente. As dificuldade s que a África tem tido em fazer o seu take off provavelmente terão muito a ver com o que em pequena escala se constata em Cabo Verde. Custa a quem está no poder trabalhar com a oposição e com a sociedade de forma a garantir que o esforço nacional para o desenvolvimento seja o mais eficaz possível. Mesmo em tempo de crise o desejo de conservar em exclusivo o poder não deixa ver os ganhos que instituições inclusivas representam.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 29 de Maio de 2013

quarta-feira, maio 22, 2013

Política de divisão

Num país, levar grupos de cidadãos a criar identidades antagónicas e lançá-los uns contra os outros é das formas mais nefastas de fazer política. Para a democracia é letal. O sentido de justiça perde-se, deixa-se de reconhecer a igualdade de todos perante a lei, compromete-se a liberdade em nome de interesses de grupo e mina-se a confiança indispensável à criação da prosperidade colectiva. Em momentos socio-económicos difíceis é grande a tentação de recorrer a estratagemas divisivos. Para quem está no poder pode ser uma forma de se desresponsabilizar e culpar outros. Para quem procura projecção política rápida constitui um atalho. Evita-se a canseira da influenciação política em ambiente livre e plural.
Na semana passada, o presidente da Câmara de S.Vicente falou da República de Santiago para justificar as dificuldades por que passa S. Vicente, neste momento com a maior taxa de desemprego do país. Podia ter-se referido às políticas do governo do PAICV que em mais de uma década não resultaram em crescimento económico e criação de postos de trabalho em número suficiente para debelar o desemprego. Podia criticar a excessiva centralização das decisões na capital e as consequências de anos de hostilidade para com as câmaras municipais. Podia ainda relembrar todo o programa de infra-estruturação do país que não trouxe o crescimento anunciado, os empregos prometidos e o investimento privado desejado. E que o país já atingiu o limiar do endividamento e, com os donativos em baixa e sem competitividade externa, não tem como mobilizar fundos para evitar que o crescimento caía para o negativo.
A opção por projectar num grupo definido territorialmente (Santiago) uma vontade política tida como prejudicial a um outro grupo (S. Vicente) é uma via simplista que na prática desresponsabiliza quem de facto tem um mandato para governar e exerce poder. As consequências das políticas do governo tocam a todos, independentemente da ilha onde vivem. Mobilizar pessoas na base de identidades artificiais e adversárias interfere com o processo democrático dos cidadãos avaliarem as acções dos governantes e agirem no tempo e nas formas próprias para encontrar alternativas de governação. Tal postura política não ajuda na procura de soluções para a actual situação, pelo contrário, desvia energias para causas ilusórias que depois de correrem completamente o seu curso deixam para trás frustrações e profunda resignação. Ninguém ganha com isso, nem mesmo os políticos por aí tentados. O sucesso traduzido em popularidade ou mesmo em votos, em geral não dura muito e tem o efeito de os confinar à “paróquia”. Exemplos abundam por aí.
Cabo Verde emergiu como nação homogénea em termos culturais, linguísticos e religiosos de dentro do império português.Tornou-se independente num contexto histórico específico e os seus homens e mulheres não tiveram que recorrer a um conflito de natureza existencial com outrem para apossarem da sua caboverdianidade. Políticas divisivas surgiram para justificar o monopólio político do partido único e as múltiplas acções no âmbito da “reafricanização dos espíritos”. Daí a celebre diferenciação entre o povo, todo aquele que está com o partido africano, e o resto, a população onde supostamente estariam os anti-patriotas, os inimigos de classe e os europeizados.
Mesmo quando a democracia e o Estado de direito vêm devolver total direito de cidadania aos caboverdianos, não acabam as tentativas de fazer política divisiva no país. É o que acontece nas campanhas municipais em que se procura desqualificar candidatos a presidente de câmara por não serem originários do concelho, embora munícipes. Populações, designadamente do Sal e do Paul, reprovaram tais actos mas a tentação persiste. Ao nível nacional, o discurso político não poucas vezes dirige-se para rotular uns como amantes da terra, patriotas, bem intencionados e defensores do interesse público enquanto os outros são tidos como capazes de vender a terra, como catastrofistas e com representantes de interesse próprio ou de grupos privados.
A dinâmica divisiva do país, provocada pela forma apressada como o governo e entidades próximas têm trabalhado a questão da oficialização do crioulo, devia ser alerta suficiente para todos. Muitos caboverdianos ressentem-se da adopção de uma escrita com base num alfabeto fonológico que rouba a língua da sua origem e história etimológica. E vêem nisso motivações ideológicas que não devem ser impostas a ninguém.
Não é admissível que a acção política, cujo objectivo deve ser a procura de caminhos para a nação se consolidar e prosperar, se reduza a simples instrumento de uma estratégia de poder. A nação celebrada na literatura, na música e na vivência das gentes, nas ilhas e na diáspora, deve sempre poder contar com o vigor, a criatividade e a esperança de todos nas ilhas. É função e responsabilidade do governo fazer que assim seja.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 22 de Maio de 2013

quarta-feira, maio 15, 2013

Pacto vago e fugidio



Volta e meia o sr. Primeiro-ministro traz à ribalta a ideia de um pacto de regime. Diligências são feitas para se assegurar o máximo de atenção dos órgãos de comunicação social. Convites são enviados aos partidos políticos, confissões religiosas, sindicatos e patronato para um encontro com o chefe do governo. A ideia de Consenso ganha uma nova vida e passa a ser o foco das conversas e o tema central das declarações públicas de dirigentes políticos. Normalmente o ciclo termina com o governo a declarar que irá prosseguir com a sua “agenda de transformação” e a distanciar-se dos outros por supostamente estarem a propor medidas de austeridade penalizadoras da população. Em Novembro de 2011, no fim de mais um exercício de busca de consenso, chegou a apontar o dedo ao governador do Banco de Cabo Verde por ter alegadamente vindo a público “ensinar a missa ao vigário”. Dado ao que alguém já chamou da “infindável energia do cinismo quando erigido em princípio da acção política”, não é de estranhar que novas expedições em prol do consenso já estejam em andamento. Desde que o INE chocou a sociedade cabo-verdiana com os números do desemprego que o Governo tem estado numa roda-viva a demonstrar que tudo (políticas activas de emprego, formação profissional etc.) está a ser feito. Ninguém sabe porque não são mais eficazes. Ou talvez são e provavelmente a falta de trabalho é uma miragem ou um estado de alma e as pessoas precisam ser positivas e optimistas. Como das outras vezes, não tardou muito em apelar ao consenso e à responsabilidade partilhada. O governo tem um mandato de cinco anos sufragado nas urnas e uma maioria absoluta sólida de deputados que assegura sem contributo dos votos dos outros partidos a estabilidade governativa e a passagem da generalidade das leis que dão corpo às suas políticas. Não está sobre nenhuma pressão externa que a exemplo da Troika na Europa exigisse mudanças estruturais profundas a troco de fundos disponibilizados a preços menores do que os praticados pelo mercado de capitais.No actual contexto só se consegue compreender o apelo ao consenso como forma de tornar os adversários complacentes com actual agenda política e co-responsáveis pela situação actual e futura do país. Nas democracias, partidos políticos, sindicalistas, patronato e Estado negociam e chegam a acordos. Não há quem imponha uma agenda e os outros submetem-se a ela. Se uma parte fica pelas suas verdades de conveniência do tipo “as contas do FMI estavam erradas, técnicos da Fitch reconheceram a bondade das políticas do governo e o desemprego devese ao aumento da população activa”,dificilmente se vai encontrar plataforma para entendimentos futuros. Do discurso do PM na semana passada depreende-se que um dos objectivos do “pacto”seria ter o país a falar a uma única voz com as instituições de BreonWoods (FMI, Banco mundial WTO). A realidade é que essas instituições não ignoram que quem dirige a política interna e externa do país é o governo e que nas democracias a oposição e sectores da sociedade civil têm em várias ocasiões posições divergentes das do governo. Por aí não há confusão. O apelo ao consenso tem por isso outro objectivo: reforçar nas pessoas e na sociedade a importância suprema da ajuda externa e insinuar que a prática do pluralismo de alguma forma fere a imagem externa necessária para o país continuar a beneficiar da generosidade da comunidade internacional. Trazem-se ao de cima vulnerabilidades ancestrais para fazer as pessoas ceder liberdades conquistadas em troca de garantia de sustento. Foi feito ontem e continua-se a fazer hoje sempre que com subterfú- gios diversos se condicionam o voto ou se pressiona as pessoas para se calarem. E continuar-se-á a fazer enquanto persistir no país a ideia de que fazer política é arrebanhar as pessoas explorando-lhes as fraquezas e fazendo-lhes entrar em redes de favores. Não é a toa que quase quarenta anos após a independência, Cabo Verde ainda esteja neste nível de dependência da ajuda externa. As dificuldades actuais são razão suficiente para se libertar de um modelo já velho de décadas que só dependência e penúria auguram para o futuro. Livrar-se da tentação de governar na base de reciclagem da ajuda não é tarefa fácil. Mas tem que ser para evitar a exposição excessiva do país a choques externos para preservar a dignidade das pessoas, e assegurar a honorabilidade dos servidores públicos.

Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 15 de Maio de 2013

quarta-feira, maio 08, 2013

Mudar


A Administração Pública cabo-verdiana não está bem. Vozes, incluindo a do próprio primeiro-ministro, passando pelos empresários, até os cidadãos comuns e utentes dos serviços apontam para anomalias potencialmente prejudiciais ao país e ao desenvolvimento. O PM refere-se à postura burocrática, virada para dentro e negativa em relação ao sector privado. Os empresários sentem-se muitas vezes como uma espécie de alvo a abater. Os utentes sofrem a quase total ausência de uma cultura de serviço em que favoritismos e discriminações são frequentes.

As revelações das últimas semanas vieram acrescentar outros problemas. Casos de corrupção e exemplos de incompetência deixaram o país estupefacto. O choque foi maior porque o epicentro se localizou precisamente no ministério das Finanças. Já causava estranheza a incapacidade reiterada das Finanças em resolver os problemas do IUR e do IVA de vários anos atrás. Brigava com a imagem de rigor que se insistia em projectar. Com o relatório do FMI sobre o estado de funcionamento da direcção geral das Contribuições e Impostos, não ficaram dúvidas quanto às razões de tanta ineficácia. As notícias dos desvios tendo como alegados protagonistas a “equipa de elite” dos controladores financeiros mostrou que afinal o barco estava cheio de buracos.

A questão que se coloca é saber se o problema é localizado ou sistémico. Os avisos reiterados do Tribunal de Contas deixam a entender que são muitas as deficiências no controlo da execução orçamental. Alterações de dotações orçamentais relativos a donativos e a empréstimos externos não constam dos mapas. Receitas de certos serviços são utilizadas antes de darem entrada no Tesouro. Frequentes adendas são incluídas em contractos de empreitadas aumentando significativamente os custos finais das obras do Estado. Num quadro assim pintado os incidentes e situações no ministério das Finanças podem vir a revelar-se como a ponta do icebergue dos males que afligem a administração pública.

Da administração do Estado, os cidadãos, as famílias e as empresas esperam um conjunto de condições a começar pela segurança, saúde, educação e a garantia de um quadro legal que lhes permita realizarem-se de acordo com sua motivação, energia e criatividade. Para isso, o acesso deve ser igual para todos e a disponibilização dos serviços tem que ser feita com eficiência na utilização dos meios e eficácia na consecução dos objectivos de modo a não pesar a economia e as pessoas com impostos desnecessários. Ninguém quer um Estado virado para dentro, olhando de lado a economia e sem controlo das despesas.

A administração pública cabo-verdiana sofre de partidarização excessiva. Nota-se nos períodos eleitorais o número de directores, presidentes de institutos públicos e de fundações que aparecem nas listas do partido no governo. Um outro sinal revelador da existência de outros critérios, que não os meritocráticos, são as nomeações de quadros com poucos anos de serviço público para posições cimeiras nos ministérios, nos institutos e nas agências reguladoras. A Constituição da República obriga a isenção e imparcialidade no tratamento dos utentes dos serviços do Estado e proíbe que se descrimine com base em opções político-partidárias. O respeito por esses princípios devia gerar um ethos e uma ética na administração pública que não é o que actualmente existe. Denúncias feitas por vários protagonistas políticos, mesmo de rivais no interior do partido que suporta o governo, apontam para o uso sistemático de fundos, bens e empregos do Estado para atingir objectivos políticos.

Em ambiente de uso generalizado dos recursos do Estado para influenciação política, as portas ficam abertas para a incompetência, a ineficácia e para o desperdício e mesmo para a pequena e a grande corrupção. Como travar a derrapagem é a questão que se coloca com cada vez maior acuidade. Duas opções se colocam. Deixar o Estado no “topo” da cadeia alimentar controlando os fluxos externos e certificando que tudo o resto – a economia e as pessoas – fica no lugar designado ou reposicioná-lo na vida do país como regulador e facilitador do desenvolvimento.

Na primeira opção vão manter-se as mazelas já referenciadas: a administração vai servir-se cada vez mais do bolo comum, não irá permitir que a cultura administrativa e burocrática seja substituída por uma outra, empresarial, empreendedora e voltada para resultados, e nem que finalmente emerja uma cultura de serviço tão essencial ao turismo e outras actividades de prestação e exportação de serviços.

Já na segunda opção há esperança de que os problemas actuais de crescimento e emprego poderão ser ultrapassados. O país ganhará competitividade se diminuírem os custos do contexto e se apostar no desenvolvimento estratégico do capital humano guiado por valores como excelência, qualidade e sobriedade na utilização de recursos e completamento aberto à inovação.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 8 de Maio de 2013