quarta-feira, setembro 25, 2013

Pressões inaceitáveis



A questão de “jobs for boys and girls” na administração pública passou recentemente a receber maior atenção da sociedade cabo-verdiana e tornou-se alvo de um escrutínio mais apertado dos órgãos de comunicação social. Contribuiu para isso o caso mediático que envolveu a ministra Janira Hopffer Almada e as próprias declarações do primeiro-ministro José Maria Neves na conferência nacional do Paicv, há um ano atrás. Ouvir do primeiro-ministro que é necessário combater as práticas de nepotismo, clientelismo e amiguismo da administração do Estado naturalmente que desperta a curiosidade geral e em particular dos media.


Ninguém pensou que estivesse a referir a situações hipotéticas ou a tempos passados. Para todos só poderia estar a referir-se a realidades presentes considerando que há mais de uma década que o seu governo dirige directamente todas as estruturas do Estado. A pergunta colocada pela jornalista da TCV Rosana Almeida ao Primeiro-ministro sobre a contratação de uma assessora jurídica para a Chefia do Governo exprime o aprofundado estado de alerta para com essas situações hoje. Para a jornalista era a oportunidade do PM responder à preocupação do público se não se estaria perante mais um caso de jobs for boys and girls.


Patética foi a resposta do PM, não em directo para as câmaras da TCV, mas na rede social do Facebook. Questionou a ética da jornalista por ter colocado essas questões de contratação de assessoria só a ele e não a outros órgãos de soberania e outros de autarquias locais. Até considerou tal tratamento discriminatório. Provavelmente pensa que em matéria de responsabilização e de prestação de contas por actos do Estado deve-se dar tratamento igual e no mesmo momento a todos, mesmo tratando-se de instituições com funções díspares no sistema político. A jornalista teria que provar que já colocou a questão ou prometer que a vai colocar as outras entidades a que se referiu para que a sua pergunta receba a chancela de “ética”.


A realidade é que nem todos têm a mesma responsabilidade em manter o clima certo para o exercício de uma comunicação social livre no país. O PM fez por não notar que a jornalista, a quem aponta supostas falhas éticas, trabalha para a RTC, empresa estatal tutelada pelo governo que preside. E que a forma como reagiu pode configurar pressão sobre jornalistas do serviço público, algo expressamente proibido pela Constituição e pela lei. Pressão aliás que não esconde quando justifica ter recorrido ao Facebook e não ter exercido o direito de resposta previsto na lei. Como diz “as redes sociais são mais incómodas, porque somos confrontados com as nossas posições e opiniões”. Assim notícias e questionamentos de jornalistas, a um sinal do líder político, podem ser consideradas posições e opiniões e legitimamente trucidadas conjuntamente com seus autores pelos correligionários ávidos por mostrar serviço ao chefe. Aparentemente para o PM o “bullying” nas redes sociais é um sinal dos tempos modernos. Jornalistas, governantes, homens públicos e empresários todos devem preparar-se para isso.


O Governo é quem constitucionalmente gere todas as estruturas e recursos do Estado. Tem por isso imenso poder e há que o limitar. Para isso é fundamental o exercício pleno das liberdades, designadamente de expressão e de imprensa, a submissão da sua actividade aos ditames da lei e exigência de isenção e imparcialidade na relação com os cidadãos. Quem o povo legitimamente coloca no cimo da poderosa administração do Estado, pelo poder único que está investido, tem que a todo o momento mostrar que exerce a sua função com uma preocupação pela transparência, um sentido de responsabilidade e uma disponibilidade para prestar contas, sem paralelo com qualquer outra entidade. Falha terrivelmente e compromete o contrato social da república sempre que procurar esquivar-se a esse escrutínio especial do público em geral e particularmente dos órgãos de comunicação social e dos seus profissionais.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 25 de Setembro de 2013

quarta-feira, setembro 18, 2013

É difícil cumprir regras?



A explosão de alegria que se seguiu à vitória de Cabo Verde no jogo contra Tunísia de apuramento para o Mundial infelizmente não durou muito. Cedeu lugar ao choque da desqualificação devido à participação de um jogador cabo-verdiano suspenso nos últimos minutos do jogo.Tunísia ganhou na “secretaria” os pontos que a equipa dos Tubarões Azuis vitoriosamente tinham conseguido no relvado. A nação inteira, que já se via no Mundial em 2014 no Brasil pela primeira na sua história, não quis acreditar que falhas no cumprimento estrito das regras da FIFA lhe fazia perder o sonho de gerações de aficionados do futebol.


Aconteceu com Cabo Verde o mesmo que com demasiada frequência se vem verificando com vários países no processo de qualificação para o Mundial de futebol. Guiné Equatorial, Etiópia, Togo, Gabão, Sudão e Burkina Faso são países que ou perderam pontos ou ficaram desclassificados por falhas na aplicação das regras. Curiosamente são praticamente países africanos os únicos que se deixam entrar pelos caminhos do incumprimento no processo anulando esforços de jogadores e técnicos e frustrando expectativas de nações inteiras. Há quem encontre similaridade entre essa atitude de negligência no mundo do futebol com o que se passa na relação com outras instituições. Não há rigor na gestão e não há assunção de responsabilidades. Os dirigentes faltosos em geral mantêm-se nos cargos imperturbáveis quanto às consequências gravosas dos seus actos.


Cabo Verde fez neste ano de 2013 duas incursões históricas no mundo altamente competitivo do futebol continental e internacional. Em modalidades como o basquetebol também os avanços têm sido notados. Prosseguir a partir do ponto já atingido exige uma outra atitude e um outro nível de institucionalização. A energia e criatividade dos nossos jogadores assim como a crescente capacidade dos nossos técnicos têm que ter as vias organizacionais e institucionais adequadas para produzir sucessos em confronto com os esforços sofisticados dos outros competidores. E aí como também em outras áreas que Cabo Verde precisa para ser competitivo, desenvolver-se e vencer não deve haver espaço para complacência. Responsabilidades por falhas, incompetência e perdas de oportunidades devem ser assacadas a quem de direito.


Ensino bilingue


Um factor essencial para Cabo Verde ser mais eficiente e mais inovador e ganhar em produtividade é a qualidade do ensino. Mas há anos que avaliando pelos índices do relatório de competitividade do Fórum Económico Mundial se nota que pouco se fez para adequar a mão-de-obra nacional às exigências do mercado quanto à apropriação e uso de tecnologias e desenvolvimento de competências necessárias para prestação de serviços internacionais. No domínio da qualidade o Governo praticamente tem ficado pelos discursos.


Na questão do crioulo nas escolas, pelo contrário, a acção do governo distingue-se pela obstinação mesmo face à oposição de parte significativa da sociedade civil. Já anunciou que a grande novidade deste ano lectivo é experiência de ensino bilingue em duas escolas da ilha de Santiago. Pergunta-se qual a motivação. Será de melhorar a qualidade de ensino nas escolas? Será de dar aos futuros cidadãos domínio maior da língua oficial e por essa via possibilitar-lhes conhecimento mais aprofundado dos seus direitos, elevar-lhes o nível de participação cívica e política e melhorar a relação com as instituições públicas? Ou será simplesmente uma questão ideológica?


O crioulo ainda não é a língua oficial, um passo que parece essencial para ser adoptado como língua de instrução e de educação para a cidadania. A criação de experiências piloto de ensino bilingue coloca o problema da obrigatoriedade ou não dos pais submeterem os filhos a esse tipo de experimentação. Se for opcional poderá verificar-se o que aconteceu noutras paragens designadamente Madagáscar em que as elites urbanas simplesmente moveram os filhos para escolas onde a língua de ensino era o francês. Não se ganhou nada em qualidade de ensino, mas agravaram-se as desigualdades sociais. Quem tinha melhor domínio do francês acedia aos níveis superiores de educação e formação.


Em Cabo Verde há que focalizar no que é prioritário. Pagam-se caro inadequações na formação das novas gerações. Prioridades trocadas são dificilmente corrigíveis e têm consequências que afectam toda uma vida.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 18 de Setembro de 2013

quarta-feira, setembro 11, 2013

Ensino de qualidade é crucial para a competitividade



Cinco anos após o início da crise internacional em 2008 não é claro que Cabo Verde tenha retirado as devidas ilações do que até ao longo do quinquénio se vem manifestando como crise financeira, crise da dívida soberana, crise económica e crise social. A convivência diária via jornais, rádio e televisão com os efeitos das crises sucessivas na vida de milhões de pessoas em todos os continentes parece não ter trazido qualquer nova urgência aos caboverdianos para mudarem de atitude em relação ao país e ao mundo. Só há menos de um ano é que o governo veio a confessar que o país estaria a ser atingido pelos efeitos da crise. Tudo indica que o reconhecimento do facto deveu-se à quebra brusca dos donativos, o escassear de empréstimos concessionais e a diminuição das remessas de migrantes.


O relatório de competitividade global para 2013-14 publicado pelo Fórum Económico Mundial deixou claro que não houve qualquer progresso em relação aos anos anteriores. Cabo Verde manteve a posição nº122 em 148 países que tivera no ano passado entre 144 países. Nos domínios de eficiênciae de inovação que deviam ser os motores para uma melhor “performance” da economia não houve evolução. Nos requisitos básicos verificou-se a deterioração do ambiente institucional e de indicadores macroeconómicos designadamente o défice orçamental e a dívida pública. A postura do governo em proclamar “blindado” o país e em ganhar tempo com o uso de linhas de crédito em obras de grande visibilidade, na perspectiva de eventual regresso à “normalidade” anterior das bonanças da ajuda internacional, não foi propícia a alterações de rumo. Os objectivos, métodos e abordagens continuaram os mesmos. Não se deixou que uma outra mensagem fosse captada pela sociedade. A crise como oportunidade de se renovar, de ganhar outro lento e de experimentar outras estratégias foi perdida.


O desempenho muito baixo de Cabo Verde na competitividade global faz-se sentir com particular gravidade na qualidade dos recursos humanos. Tirando as dificuldades no acesso ao crédito, a elevada tributação e a burocracia estatal ineficiente, o factor que mais negativamente afecta o ambiente de negócios é a inadequação da educação e formação da mão-de-obra nacional. Para um país sem recursos naturais apreciáveis, isso é particularmente grave. Países insulares e pequenas economias que se tornaram prósperos fizeram a aposta crucial no domínio de educação e da formação. No ranking de excelência mundial esforçaram-se por se situar entre os primeiros.


Os governantes caboverdianos aparentemente ficam pela auto-satisfação trazida pelos números conseguidos de alfabetizados ou de crianças e jovens a frequentar escolas e liceus. Sentem-se compensados com o brilharete que tais números, fazem comparações com certos países da África subsaariana. Agora até podem juntar a isso a dezena de universidades criadas em tempo recorde e o crescimento exponencial de estudantes no ensino superior. A realidade porém é que, como revela o relatório de competitividade, não se vê como esse esforço do Estado, das famílias e dos indivíduos pode estar a colocar o país no caminho do progresso.


Sem competitividade dificilmente se consegue atrair investimento directo externo e fazer face à crescente retracção de fluxos externos. Sem bases sólidas no ensino com enfase em competências linguísticas múltiplas e solidez de conhecimentos em ciências e matemática não há como absorver tecnologia e novos processos de produção essenciais para o aumento da produtividade. Sem um ensino de qualidade que dá bases para uma cultura ampla e universal ao mesmo tempo que incentiva o espírito inquisitivo e crítico não se pode esperar o desenvolvimento de capacidade de inovação.


Cabo Verde está com atraso de décadas quanto à educação e formação que a sua população já devia contar. Não devia ter sacrificado a qualidade no processo de democratização do ensino. É um sacrifício que que se paga com juros elevados, porque quando a expectativa de resultados medíocres ou mesmo medianos se instala, fica difícil reverter para uma cultura de excelência. Mas há que o fazer.


Nas vésperas do início de um novo ano lectivo há que compreender que o mundo não espera por nós. Em cinco anos de crise verificaram-se mudanças profundas na economia mundial. Muitas portas se fecharam mas outras novas se abriram. A urgência no agir, agora, é cada vez maior. O futuro do país e das novas gerações depende do nível tecnológico e de conhecimento que se puder incorporar e operacionalizar no aproveitamento das novas oportunidades.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 11de Setembro de 2013

quarta-feira, setembro 04, 2013

Deixar de assobiar para o lado



A frequência de actos criminosos e a natureza e brutalidade de crimes cometidos no país e em particular na cidade da Praia continuam a preocupar seriamente os cabo-verdianos. Relatos de assaltos, vários com arma de fogo, são cada vez mais alarmantes, porque se verificam em plena luz do dia e em lugares com ampla circulação de pessoas. Dificilmente passa-se um fim-de-semana sem o registo de um caso de homicídio. A percepção de que muitos dos crimes cometidos, sejam os de assalto como os de morte em ajustes de contas, estão associados ao consumo e tráfico de drogas não deixa ninguém sossegado. Todos sabem como noutras paragens situações similares evoluíram para pior porque não encaradas a tempo e combatidas de forma decisiva e efectiva.


A polícia continua a esforçar-se por passar a mensagem de que a criminalidade está a baixar. A última iniciativa foi a 27 de Julho em que dados de diminuição de ocorrências nas diferentes ilhas foram apresentados conjuntamente com um estudo da Afrosondagem que aponta para uma maior confiança e satisfação da população em relação ao trabalho da polícia. Constata-se porém que esse sentimento das pessoas não tende a perdurar por muito tempo. Desaparece rapidamente com o aparecimento de novos casos de crimes, alguns bastante chocantes. De novo volta o cepticismo e a impressão geral é que a situação criminal no país não está a melhorar.


A lei de uso e porte de armas já está em vigor, mas ainda não se conhecem as medidas que vão ser tomadas para limpar o país das armas que estão ilegalmente nas mãos das pessoas. Os assaltos à mão armada aumentam e casos de disparos contra pessoas e de mortes a tiro são cada vez mais frequentes. Também a apresentação, na segunda-feira, dia 2 de Setembro, ao tribunal de um grupo de nove pessoas que alegadamente se dedicavam a crimes variados como extorsão, sequestros e assassinatos a mando, não é de tranquilizar ninguém. Pressente-se aí a existência de uma economia subterrânea que recorre a métodos violentos de intimidação e punição para se fazer valer e florir.


Perante isso não se pode assobiar para o lado e esperar que a “maré” passe ou fique confinado a certos espaços. Os cidadãos esperam do governo medidas enérgicas e atempadas para que o mal não se espalhe e corrompa a sociedade no seu todo.





Lideranças equívocas


O destino das nações depende muito das lideranças que tiveram em momentos críticos da sua história. Países como Singapura, Maurícias e Botswana arrancaram no pós-independência com basicamente o mesmo rendimento per capita de muitos países africanos da África subsaariana. Hoje exibem uma prosperidade e desenvolvimento de país desenvolvido ou médio alto enquanto os outros quedam-se ainda entre o grupo de países menos desenvolvidos.


Compreende-se a diferença de percurso pela qualidade e visão da liderança. Botswana, apesar dos diamantes, não se deixou apanhar pela maldição dos recursos naturais e transformar-se numa cleptocracia. Optou pela democracia e pelo estado de direito e o desenvolvimento aconteceu com a dinâmica vinda do sector privado. Singapura e Maurícias fizeram da diversidade étnica e linguística factores propiciadores do desenvolvimento num meio institucional envolvente que, por ser regulado por lei, transmitia confiança, era previsível e promovia a meritocracia.


Muitos outros países apanhados por regimes de partidos únicos optaram por usar a ajuda externa e em alguns casos o petróleo e outras riquezas naturais para controlar a população e perpetuarem-se no poder. Em vez de uma liderança libertadora forneciam uma liderança opressiva que esvaziava o país da sua energia criativa, privilegiava a cultura da vitimização e desincentivava a iniciativa privada e o espírito de cooperação cívica e económica essencial ao desenvolvimento.


Cabo Verde nos seus 38 anos de independência perdeu demasiado tempo devido a lideranças que claramente não tinham o desenvolvimento como objectivo primeiro e central. Questões de Poder sobrepunham-se. Só assim é que se explica o atraso significativo do arquipélago quando comparado com outras realidades insulares.


O país precisa de lideranças libertadoras e visionárias. Certamente que quando se procura formar novos líderes a invocação da governação dos primeiros quinze anos só pode ser pela negativa. É o exemplo a não seguir mesmo que agora se esforça por dourar a pílula com milhões vindos do exterior.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 4 de Setembro de 2013