quarta-feira, fevereiro 17, 2016

Dissimulação e truculência

O governo representado pelo ministro com a tutela da comunicação social decidiu dar o nome de Corsino Fortes ao novo estúdio da Televisão Pública. Na placa descerrada vê-se que a homenagem não é dirigida ao poeta enquanto símbolo da liberdade criativa, da afirmação do indivíduo e de profunda identidade com Cabo Verde. É feita ao ex-Secretário de Estado da Comunicação Social entre 1983-1985, dos tempos da ditadura do partido único. A questão que se coloca é como conjugar a homenagem ao governante pela televisão que então se criou com os valores que hoje se exige à televisão pública. Nos anos idos da década de oitenta a televisão como a rádio pública e o jornal do Estado eram tidos como órgãos de propaganda do regime vigente. O secretário de estado da comunicação social conjuntamente com o ministro da educação, directores do Voz di Povo, da rádio nacional e da tvec fazia parte de um conselho nacional de informação que tinha por missão promover o reforço de divulgação da ideologia e da política do partido em todos os órgãos de informação.  Quanto aos jornalistas, o então presidente da república Aristides Pereira era peremptório em dizer que “na luta pela afirmação da personalidade nacional temos que agir com base no princípio de que não há especialistas em informaçãoHá, sim, militantes que coordenam em diversos escalões o trabalho de levar a cada cidadão por todos os meios possíveis o conhecimento de como se desenrola o processo em que é chamado a participar, de construção dos alicerces do país”. Essas referências são hoje completamente deslocadas. Agora exige-se dos jornalistas da televisão pública que sejam independentes do poder político, do poder  económico e do poder administrativo. O director da televisão só é nomeado ou demitido mediante parecer prévio e favorável da Autoridade Reguladora da Comunicação Social. A TCV já não é a única televisão permitida no país. Operadores privados de televisão podem conseguir licenças para emitir e produções independentes de conteúdos são estimuladas ao contrário do que aconteceu nos anos oitenta em que iniciativas de cidadãos como o Vídeo Clube do Mindelo foram suprimidas para que a TVEC reinasse sozinha. É evidente que a homenagem ao Secretário de Estado é de facto uma homenagem ao governo de outrora. Este governo do Paicv não perde oportunidade em branquear o regime do partido único e em contrapor as práticas do partido único aos princípios e valores da Constituição liberal e democrática. Provavelmente estará a alimentar velhas cumplicidades que ainda se mostram politicamente úteis nos tempos actuais.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 742 de 17 de Fevereiro de 2016.

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