sexta-feira, abril 15, 2016

Centrar nas pessoas

A uma semana do início de uma nova legislatura e do arranque de um novo governo sente-se no ar o cheiro de mudança. As pessoas talvez apanhadas pela fluidez repentina do que até bem pouco tempo parecia sólido e invariável designadamente no que respeita a indivíduos, entidades, cargos e posições falam de um ambiente mais leve como se um pesado fardo tivesse sido levantado. As expectativas são difusas mas sempre apontando para mais dinâmica na actividade económica, mais emprego e mais qualidade de vida. Em relação à situação actual do país e às dificuldade a serem vencidas para se ultrapassar o marasmo actual já é mais difícil de perceber se as conhecem devidamente.
Não ajuda a levantar o véu sobre os problemas do país quem ainda na embalagem da campanha continua a insistir que é só uma questão de tempo para se ver os resultados da “agenda de transformação”. Esquecem que praticamente se passou toda uma legislatura à espera de sinais de uma nova era de crescimento e de criação de empregos. Apenas se teve um crescimento anémico e incapaz de criar empregos para os muitos a terminar o liceu e a completar a licenciatura. Talvez, mais do que a abstenção como a liderança do PAICV parece querer justificar-se, tenha sido o desencanto e a constatação que o governo não foi merecedor dos extra cinco anos recebidos em 2011 que moveu o eleitorado em todas as ilhas a votar maioritariamente uma nova governação. Feita a eleição convém, porém, procurar saber por que o país falhou em crescer e em responder, no geral, aos anseios dos seus cidadãos.
Em entrevista durante a reunião de balanço das eleições no fim-de-semana passado, a líder do PAICV foi clara em reiterar a posição do seu partido em relação ao país e à sociedade cabo-verdiana: “Nós não nos centramos nas pessoas, centramo-nos no interesse público, na realização do bem comum e na satisfação das necessidades”. Com essa afirmação situa-se em oposição a quem “se centra nas pessoas”, apresenta-se como quem funciona para um todo conhecendo à partida qual o seu interesse e como realizá-lo e prontificando-se a satisfazer as suas necessidades. O problema com este modelo paternalista, para além de potencialmente autoritário como todos bem conhecem da história do país, é que levou o país à estagnação económica. Aconteceu nos fins dos anos oitenta e voltou a acontecer nos últimos anos.
Tal modelo, financiado primeiro pela ajuda externa e depois pela dívida externa, tem demonstrado ao longo dos anos que falha em tornar o país produtivo e não o deixa ganhar competitividade externa. Fiel aos hábitos dirigistas dos seus agentes, desperdiça oportunidades que se oferecem ao país e mantém as pessoas dependentes enquanto procura satisfazer-lhes as necessidades com os recursos arrecadados e depois distribuídos. Coerentes com o modelo, os seus agentes partem do princípio que apenas eles conhecem o interesse  público. E porque assim é, inibe-se a livre expressão de opiniões, coarcta-se a iniciativa individual e não se incentiva o mérito. Não estranha que o somatório de factores como passividade, dependência, receio de exprimir opiniões contrárias e não compensação do mérito não ajude a nação a criar riqueza e pelo contrário a lança no marasmo económico e social.
As formas tradicionais nas democracias ocidentais de esquerda e direita não parecem existir em Cabo Verde. Na Europa o centro-direita e o centro-esquerda diferenciam-se essencialmente na forma como resolvem a tensão entre a liberdade e a igualdade. Os da esquerda põem enfase na igualdade e propõem-se a usar o Estado para diminuir as desigualdades, assegurar a inclusão social e garantir o pleno emprego. Muitas das dificuldade vividas pelo Estado social advém de se ter excedido e no processo ter sacrificado o crescimento, contribuído para o desemprego e provocado mais exclusão. O centro direita com a enfase na liberdade, autonomia das pessoas e no incentivo à iniciativa individual procura atingir os mesmos objectivos de crescimento, de diminuição das igualdades, e de luta contra marginalização e a exclusão sociais. Alternam-se no poder porque o eleitorado sente a necessidade de reequilíbrio sempre que se desloca demasiado num ou noutro sentido, mas todos focalizam-se nas pessoas e ninguém se arvora em defensor do interesse geral contra os que pretensamente apenas estariam a defender interesses das pessoais.
Em Cabo Verde a clivagem entre os dois partidos advém da falta desse elo comum de focalização nas pessoas no seu direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade como vem expresso na declaração de independência dos Estados Unidos da América. Se existisse ganhar-se-ia globalmente com as abordagens políticas distintas dos partidos para se atingir o mesmo fim. Aqui ainda se insiste num modelo paternalista que alimenta a dependência, suga a energia da nação e no final é incapaz de garantir com sustentabilidade o que até ao momento se conseguiu. Mudar é preciso se o objectivo é pôr o país no caminho do crescimento económico e do aproveitamento da energia e criatividade do seu povo para criar riqueza e libertar o país da pobreza e dos males da exclusão social.
      Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 13 de Abril de 2016

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