sexta-feira, junho 17, 2016

Excesso de zelo ou zelo deslocado?

O Expresso das Ilhas e outros órgãos de comunicação social foram notificados pela Autoridade Reguladora para a Comunicação Social por “referências aos resultados de uma sondagem relativa às eleições autárquicas”. Na realidade, este jornal não publicou qualquer sondagem. E as informações contidas nas peças jornalísticas, vistas dentro do contexto, não dizem respeito às eleições autárquicas, mas sim a um processo interno de selecção de candidatos num partido, processo esse no qual o público ou o eleitorado não tem qualquer papel. Além disso, a sondagem não era para publicação, porque interna do MpD, e por isso não havia como o jornal poderia ter citado a data da primeira publicação ou indicação do seu responsável.  
A verdade é que o Expresso das Ilhas noticiou não uma sondagem mas sim um diferendo entre militantes do MpD que resultou das escolhas da comissão política desse partido para primeiro da lista para as câmaras municipais. A justificar o seu desacordo, os protagonistas referiram-se a sondagens internas desse partido que teriam sido encomendadas para efeito dessa selecção e que não teriam sido devidamente usadas. Não reproduzir os argumentos apresentados por se tratarem de dados de sondagens seria mutilar a notícia e defraudar o leitor. Tudo isso nome de quê e para quê? 
Compreende-se que a ARC se sinta no dever de proteger a opinião pública de sondagens e inquéritos de opinião feitos ad hoc com objectivos pouco claros para condicionar o público, particularmente em momentos eleitorais. Tratando-se neste caso de uma pré-selecção de candidatos num quadro interno de um partido político não se vê como os dados poderiam eventualmente afectar o comportamento do eleitorado mesmo que a sondagem fosse publicada. Nesta perspectiva parece desproporcional coartar a publicação da notícia do diferendo entre personalidades políticas apenas porque, em esgrimindo as suas razões, referem-se a dados de uma sondagem cujo potencial efeito no eleitor municipal daqui a 3 meses é praticamente nulo. 
Nas eleições legislativas várias questões sobre alguns artigos do Código Eleitoral suscitaram dúvidas porque, precisamente, constrangiam a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Na sequência de protestos de jornalistas e de órgãos de comunicação social, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, tomou a iniciativa de pedir a fiscalização abstracta e sucessiva da constitucionalidade de algumas alíneas do número dois do artigo 105º do Código Eleitoral e também de algumas normas dos artigos 106º e 108º. Ainda o Tribunal Constitucional não se pronunciou, mas espera-se que venha confirmar, citando o pedido do PR, que “a Constituição consagra o princípio da mais ampla extensão desses direitos à liberdade, reconhecendo a esses direitos à liberdade a máxima amplitude e acolhendo baixíssimos graus de limitação ou restrições”.  
Não se pode, de facto, em nome da defesa da opinião pública de hipotéticas tentativas de manipulação, pôr entraves sérios do género das contraordenações a jornais que podem chegar a dois mil e quinhentos contos simplesmente por estarem a cumprir a sua missão fundamental de facilitar aos indivíduos os meios para o exercício pleno do direito de informação, direito de ser informado e de acesso à informação em tempo útil. A história das democracias tem demonstrado que o exercício pleno das liberdades e a garantia do pluralismo são dos mecanismos mais efectivos para evitar a manipulação, esvaziar tentativas de condicionamento da opinião pública e manter plenamente informadas as pessoas. Tentar substituir o livre fluir de ideias, as manifestações abertas de interesses e as demonstrações de diversidade por uma regulação apertada do que se pode fazer ou dizer em nome, seja de preocupações de segurança, da procura do politicamente correcto e mesmo da defesa da moral normalmente não resulta em mais segurança, em mais tolerância e em mais civilização. Pelo contrário, tende a empoderar quem sempre manteve desconfiança epidérmica da liberdade. É importante que uma entidade nova como a Autoridade Reguladora para a Comunicação Social tenha sempre em devida perspectiva os objectivos fundamentais para que foi criada nomeadamente garantir o exercício das liberdade expressão e de imprensa e assegurar o pluralismo. Nos seus actos deve ter sempre presente que manter o sentido da necessidade, da proporcionalidade e oportunidade é fundamental. A eficácia e o sucesso da instituição dependem muito disso. 
       Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 15 de Junho de 2016

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