sexta-feira, junho 03, 2016

Vêm aí as autárquicas

O governo marcou as eleições autárquicas para 4 de Setembro. As eleições presidenciais terão ficado para Outubro para se fechar o ano excepcional das três eleições seguidas que se repete de 20 em vinte anos devido a diferenças no tempo de mandato: cinco anos para as legislativas e presidenciais e quatro anos para as autárquicas. Está iniciada a contagem para o segundo evento eleitoral deste ano. A corrida dos candidatos aos órgãos autárquicos porém começou há muito.
O ano de 2016 também é excepcional porque marcou o fim de três mandatos seguidos do PAICV com uma vitória marcante do MpD em todos os círculos. Quando é assim, a expectativa geral dos actores políticos é que as outras duas eleições também vão registar diferenças grandes na votação num e noutro partido. A experiência de outras eleições em Cabo Verde não confirma esse efeito de contágio. Não obstante, é praticamente impossível controlar a energia de muitos entusiastas e candidatos, uns, sem partido, e a aproximarem-se da actividade política pela primeira vez, e outros, recém- entrados para a organização e já a correr por posições vantajosas no partido e no Estado. A corrida passou para um outro nível quando foram introduzidas sondagens na selecção de candidatos. Tornar-se numa celebridade local e nas redes sociais estabeleceu-se como o grande objectivo de quem quer ficar bem posicionado nas sondagens do seu partido e futuramente aparecer nas listas de candidatos do seu partido.
A opção por sondagens na escolha de candidatos em vez de primárias pode não ter sido uma boa ideia. As primárias têm a vantagem de contrapôr projectos políticos alternativos enquanto as sondagens focalizam-se no indivíduo independentemente da forma como ganhou notoriedade. A experiência das autárquicas, mas não só, acautela para a excessiva concentração na personalidade do líder pois, em caso de triunfo eleitoral, será mais fácil reclamar a vitória para si, limitar a influência do partido e do eleitorado que o elegeu e tornar-se cada vez mais autocrático. Para os votantes, a campanha ficará mais pobre porque em vez de ter a discussão de perspectivas políticas diferentes para o município, assistirá ao confronto  de personalidades, todos tentados a oferecer soluções populistas e demagógicas.
Uma das conclusões que se pode retirar das últimas eleições é que se esgotou a capacidade de manipular o eleitorado com dádivas de botes e arcas frigoríficas, bolsas de estudo, verguinhas e cestas básicas. Provavelmente porque agora é maior o número dos que ficam descontentes com o processo do que os que são beneficiados. Razão também para abandonar essas práticas ao nível local onde têm um poder condicionante do eleitorado superior ao que se verifica à escala nacional. A evidência demonstra que práticas do género tendem a manter-se e a tornar-se mais perniciosas se a gestão camarária for autocrática , o que não augura nada de bom se a política local ficar cada vez mais dependente de personalidades que, se eleitas, tendem a colocar-se acima do partido e a escapar ao controlo dos apoiantes.  
As câmaras para além de prestarem os serviços básicos aos munícipes devem ser os facilitadores e promotores da iniciativa individual e da actividade privada no seu território. O desenvolvimento do seu município vai depender em última análise da capacidade local de produzir riqueza e não das transferências do governo. Saber como jogar os vários ingredientes endógenos para atrair investimentos, incentivar a criatividade e a imaginação das gentes, atrair visitantes e turistas, juntar-se à cadeia nacional de produção e melhorar o capital humano deve ser objecto dos diferentes projectos políticos que deverão ser apresentados para as eleições autárquicas.
O desenvolvimento das ilhas foi uma das questões dominantes das eleições legislativas de 20 de Março. A estagnação económica dos últimos anos agravou consideravelmente a situação nas ilhas e provocou migrações internas complicadas que criaram outros problemas. A reorientação da política do Estado no sentido de maior descentralização, de maior dinâmica económica de base empresarial e mais proactiva no aproveitamento das vantagens do país é fundamental para se inverter a actual situação de crescimento anémico e desemprego excessivo. Precisa porém de ser complementada com acções enérgicas a nível municipal e das ilhas que promovam uma nova atitude como cidadão, como trabalhador e como prestador de serviço, que diminua a dependência das pessoas e que incentive a excelência em tudo o que se faz. Espera-se que o processo político que vai desembocar nas autárquicas seja profícuo em revelar os diversos caminhos para se atingir esses objectivos.
                  Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 31 de Maio de 2016

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