sábado, janeiro 30, 2016

Memória colectiva, memória histórica

Carlos Reis, administrador da Fundação Amílcar Cabral queixou-se no artigo referido do jornal Público que a figura de Amílcar Cabral é maltratada, “não se explica, não se desenvolve, não se aprofunda”. É uma afirmação que deixa qualquer pessoa perplexa, considerando o culto de Amílcar Cabral que cada vez mais se institucionaliza em Cabo Verde. Pelo número de vezes, e pela forma reverencial, que o primeiro-ministro se refere a Cabral nos seus pronunciamentos oficiais alguém mais desprevenido podia pensar que Cabo Verde é alguma espécie de teocracia. A acção que é feita junto de crianças e jovens nas escolas do país e na comunicação social lembra, nos seus métodos, regimes bem conhecidos na história de culto de personalidade. Já se tornou ritual oficial a deposição de flores junto à sua estátua no 5 de Julho e no feriado de 20 de Janeiro. Em certas repartições públicas e até tribunais ainda muito recentemente via-se a fotografia de Amílcar Cabral, prerrogativa que só deve ser dada ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado e representante da Nação. Curioso que não há nada na Constituição da República que autorize esse tipo de acções. O Estado é obrigado a reger-se pelos princípios e valores da Constituição e está impedido de impor ao sistema de ensino as suas escolhas de ideologias, preferências estéticas ou filosóficas. Os símbolos nacionais são os que constam do artigo 8º da Constituição e não outros. Parece porém que se anda a seguir ainda uma lei de 7 Julho de 1975 que reconheceu a Amílcar Cabral enquanto fundador e militante nº1 do PAIGC o título de Fundador da Nacionalidade, consagrou o 12 de Setembro como o dia da nacionalidade e instituiu a medalha Amílcar Cabral. Como conciliar isso com a democracia liberal e constitucional é de facto “um bico de obra”. Interessante notar que neste imbróglio a insatisfação maior vem do lado dos seus defensores que consideram que a Amílcar Cabral não está a receber o que lhe é devido. Também dá para perceber que nunca vão estar satisfeitos. Assim se mantém a cultura de crispação e da guerrilha política no país.

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Desenvolvimento sutentável

A última sessão plenária da assembleia nacional desta legislatura arrancou com um debate sobre os objectivos do desenvolvimento sustentável (ODS) no horizonte de 2030. O debate foi pedido pelo governo, mas acabou por não acontecer na realidade. O discurso inicial do PM, que foi o seu último enquanto primeiro-ministro, foi de facto um discurso de balanço. Incidiu essencialmente sobre o trabalho feito por seu governo no que ele chamou de agenda de transformação. Previsivelmente, a oposição reagiu mal, mostrando as insuficiências do país a todos os níveis, designadamente ao nível económico em que o país se arrasta com um crescimento à volta de 1%. A discussão dos ODS ficou adiada para a próxima legislatura como seria normal de esperar se alguém não se lembrasse de se servir dela como mais um estratagema no combate pré-eleitoral.
Os ODS suportam-se em três pilares, crescimento económico, ambiente sustentável e inclusão social. Os dezassete objectivos definidos em Setembro de 2015 irão permitir conjugar esforços, coordenar políticas e recursos ao nível nacional e internacional e ter elementos de avaliação do progresso na sua realização. O sucesso que representou a iniciativa dos Objectivos do Milénio no horizonte 2015 mostrou a força de se focalizar em objectivos e metas claramente estabelecidas e a partir daí traçar planos, mobilizar recursos e formar vontades para as realizar. Já dizia John Kennedy: “definir o nosso objectivo mais claramente faz com que pareça mais realizável e menos longínquo, ajuda a todos vê-lo, a ganharesperanças com ele e a avançar irresistivelmente na sua direcção”.
Fala-se em mais de 2,5 triliões de dólares que devem ser mobilizados e canalizados para que haja um bom nível de sucesso na consecução desses objectivos. A ajuda é bem-vinda mas não se deve ficar por aí. Muito menos constranger a acção, ou subordinar prioridades ao acesso ao fundo disponível. A ajuda externa pode lançar alguém para níveis de rendimento ou qualidade de vida e acesso a bens especiais sem que a nova situação se torne sustentável a prazo. Importa que todo o processo de chegar às pessoas, e realmente fazer a diferença, seja um processo libertador e não um processo que as amarre e as ponha na dependência do estado. 
Deve-se contar com a solidariedade internacional, mas ter sempre presente que expectativas de realização efectiva de ajuda externa, pelo menos nos volumes prometidos, nem sempre se concretizam. Veja-se o que se passa na actual conjuntura económica internacional. A dinâmica que se esperava ter para o ano 2016 já foi revista em baixa. A economia mundial perdeu o ímpeto com as dificuldades actuais da China, os problemas na Europa, a crise nos BRICS e mais recentemente a grande quebra no preço do petróleo. Certamente que não se pode contar com a ajuda nos termos e volume de há um ano. O que estiver disponível deve ser utilizado, em boa medida, nas pessoas como forma de as ajudar a galgar os obstáculos que no seu dia-a-dia as impedem de cair numa espécie de círculo de pobreza.
Com o rendimento per capita de Cabo Verde a cair desde de 2013 preocupa extraordinariamente o que pode vir a acontecer nos próximos anos. A economia terá que ser revitalizada, os mercados desenvolvidos e uma nova atitude para com o comércio internacional e o turismo terá que ser adoptada. Cabo Verde precisa de uma discussão séria sobre o seu futuro. Não aconteceu desta vez, espera-se que no início da nova legislatura se faça. Na diferença e no contraditório se forja a vontade em colocar este país no caminho do desenvolvimento com inclusão social e um ambiente saudável.

     Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 26 de Janeiro de 2016

Rota dos escravos

Não deixa de espantar o empenho do Governo do PAICV em trazer para a actualidade a memória da escravatura e em fazer lembrar aos cabo-verdianos que um dia foram escravos na sua própria terra. O ministro António Correia e Silva foi explícito a esse respeito. Na ocasião da posse do comité para rota de escravos disse “o nosso objectivo é recolocar toda a questão da memória dos quatro séculos da vivência da escravatura em Cabo Verde no nosso presente, mas também para enriquecer o nosso futuro, e o sector do turismo”. Que se queira aproveitar a Cidade Velha, já certificada como património da humanidade pela Unesco, como mais um factor de atracção turística é aceitável. Coisa muito diferente é celebrar a memória do comércio de escravos e lutar através de acções nas escolas e na comunicação social para que a suposta memória histórica não seja alterada, como parece sugerir o presidente desse mesmo comité. Ele ainda enquadra esse esforço numa luta dinâmica contra o racismo. Provavelmente não leu o que disse o ministro Correia e Silva ao jornal Público: Cabo Verde é “das poucas sociedades de passado colonial, de passado escravocrata, que conseguiu desmontar, desconflituar a questão racial. Ninguém tem mais ou menos chances de ascensão social ou profissional ou política por ter a pele mais clara ou mais escura”. Se assim é então porque insistir em doutrinar as pessoas no sentido contrário. E o facto é que estão a ter sucesso: nunca se falou tanto de escravos e de escravatura. Mas é em contramão do que foi o processo da emergência da identidade cabo-verdiana, muito antes da independência. A literatura e música popular que marcaram e definiram esse período não têm praticamente qualquer referência a isso. Cabo Verde, segundo o próprio Correia e Silva no artigo do Público deixou de ser um centro atlântico de distribuição comercial a partir do século XVII, antes de realmente do comércio de escravos ganhar a dinâmica que levaria milhões de pessoas da Africa para as américas. Os dados apontam para somente 3% do global do tráfico de escravos ter tido lugar no período em a cidade de Ribeira Grande esteve activa. Por ai compreende-se porque a memória dessa época é longínquo ou quase inexistente. O esforço que actualmente se faz para reviver essa memória é mais parte de promoção de uma cultura de vitimização do que de reposição histórica dos factos. A vitimização convém: Mobiliza fundos, mesmo que tenha consequências graves, como as já visíveis, na crise de identidade porque está a passar o cabo-verdiano, como ficou patente no artigo do Público.  

quarta-feira, janeiro 27, 2016

Improvisos



O Governo, em fim de mandato e após quinze anos de governação contínua, acordou para o facto de que “tanto a promoção do turismo como a promoção do investimento externo demandam do Governo intervenção urgente”. No BO de 3 de Dezembro 2015 constata que tem havido um deficiente aproveitamento do potencial nacional com impacto no emprego, no PIB, nas exportações, na inovação tecnológica e na internacionalização da economia. Também nota que o investimento externo no turismo vem registando taxas de crescimento pouco expressivas. Conclui que é necessário a adopção de estratégias de promoção mais eficazes e eficientes. Para isso resolveu mexer mais uma vez na estrutura da Cabo Verde Investimento. Aparentemente, para o governo, o problema do país na atracção do investimento externo não está no mau ambiente de negócios ou na fraca competitividade do País, revelados nos sucessivos relatórios do Doing Business e do Fórum Económico Mundial. Não está na insensibilidade da administração pública. Ou nos elevados custos de factores, como a energia e água. Ou na fragilidade dos sistemas de transportes aéreos e marítimos. O problema, como é colocado, está numa instituição que ora o governo põe sob tutela do primeiro-ministro, ora fica com o ministro de economia, sem se decidir, de facto, ser a janela única na relação com os investidores. Neste fim de mandato parece que cada vez mais impera o princípio de “mudar para que as coisas fiquem na mesma”. Resolve inovar e criar três centros regionais do CI, no que mais parece uma piscadela do olho à sensibilidades regionalistas do que a procura de eficácia. De facto, a descentralização da CI não serve de muito se as decisões da administração pública, importantes para os investidores, continuarem centralizadas. O improviso continua agora com uma comissão instaladora de uma instituição que iniciou a sua existência como PROMEX em 1991. Devia ser uma nova direcção, mas o governo, algo tardiamente, descobriu que a lei o proibia de nomear dirigentes depois de serem marcadas as eleições. Então enveredou-se pela via de nomeação de uma comissão instaladora, através de uma portaria do ministro da tutela de duvidosa legalidade. A dois meses do fim de mandato qual é a pressa? De qualquer forma, ao objectivo fundamental de atrair investimento directo estrangeiro, para financiamento da economia nacional, nunca foi dada a atenção que devia merecer se o PAICV e o seu governo tivessem uma outra visão do desenvolvimento do país e uma outra compreensão do exercício do poder, mais facilitador e menos controlador.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 739 de 27 de Janeiro de 2015.

terça-feira, janeiro 26, 2016

Estranha promessa.

 Ulisses Correia e Silva está pronto para ser primeiro-ministro, mas parece que não está virado para ser deputado, no caso do MpD perder as eleições. Na reunião da direcção nacional do MpD, sábado passado, deixou a promessa da sua renúncia ao cargo de deputado se não obtiver vitória nas eleições de 20 de Março. O problema é que o eleitorado não elege primeiros-ministros, mas sim deputados para a Assembleia Nacional. Quem tiver maioria, pode constituir governo e não é obrigatório que o primeiro-ministro nomeado pelo Presidente da República seja deputado. Supõe-se que quem se candidata para o cargo de deputado é para servir como tal, ou como parte da maioria governativa ou na oposição. Mostrar desdém pelo cargo de deputado é um fenómeno em crescendo em Cabo Verde. Passa a ideia do quanto tem sido bem-sucedido o ataque feito ao parlamento nestes últimos anos, com o disseminar da mensagem do governo que “dá e faz” e do parlamento que só “fala e critica”. Nos próprios políticos nota-se uma ambiguidade. Os que têm posições executivas sentem-se superiores e alguns até dão-se ao luxo de se juntar aos críticos que não escondem os seus sentimentos anti-partido e anti-pluralismo. Outros, acabam por alimentar esses mesmo sentimentos, diferenciando-se ostensivamente de colegas que supostamente não teriam outro meio de vida, não saberiam fazer outra coisa ou simplesmente se acomodam à caricatura do deputado  “que só bebe água e levanta o braço para votar”. A questão que se põe é se depois do exercício anti-parlamento e do desdenhar do papel dos deputados irá manter-se a possibilidade de convencer as pessoas, e em particular os jovens, da importância central de se recensearem para votar e eleger uma assembleia nacional de onde saíra um novo governo para os próximos cinco anos.

segunda-feira, janeiro 25, 2016

Regresso de José Luís Livramento à Assembleia Nacional.

A liderança do MpD coloca José Luís Livramento no 6º lugar na lista de candidatos a deputado em Santiago Sul. Desconhecem-se as razões políticas que poderão estar por trás desta decisão, mas certamente que não foi por causa da sondagem. Não foi sondado. Ficou logo à partida isento. O grande risco que se corre é do PAICV se sentir ainda mais motivado  para trazer à baila acusações passadas quando Cabo Verde precisa discutir as grandes questões de hoje, de como sair da actual estagnação económica, voltar a crescer e criar emprego e uma nova esperança para as suas gentes. A experiência dos últimos dez anos na Assembleia Nacional mostra como nos debates parlamentares o PAICV soube inibir o discurso do MpD, com referência explícita a críticas violentas dirigidas ao governo dos anos noventa feitas por personalidades que recentemente voltaram a integrar a sua bancada. O resultado foi o MpD calar-se, deixar o PAICV desconstruir o seu legado histórico de edificação da democracia e do Estado de Direito e o seu papel central no desbloqueamento da economia, que permitiu o país crescer a taxas superiores a 6% durante anos seguidos. Após quinze anos de governo do PAICV esperava-se que o seu desgaste político fosse muito maior. Mas não é o que seria normal porque tem sabido manter a sua narrativa do país enquanto o MpD se calava ou se contradizia. O PAICV pode estar a perder a guerra política, mas não é seguro que perca a guerra ideológica quando o MpD se põe a jeito para ser atacado e apontado como incoerente. E sem vencer nessa frente, qualquer vitória pode revelar-se uma vitória de Pirro.

      Publicado no Jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2016

domingo, janeiro 24, 2016

Menorização do parlamento.

Ao adoptar-se a via inédita das sondagens para escolher candidatos a deputado os resultados só podiam ser os que foram revelados na sequência da direcção nacional do MpD do dia 16 de Janeiro: menorização do parlamento e fragilização do futuro grupo parlamentar. De facto, viu-se como agendas locais passaram a dominar o parlamento nacional e, seguindo essa lógica, como foram sobrevalorizados os que alguns chamam pejorativamente de “deputados de cutelo”. Também se pode perfeitamente ver como as referências nacionais entre os futuros deputados se concentraram ainda mais no círculo eleitoral de Santiago Sul. Afinal, a pretensa “regionalização” do parlamento nacional parece que vai resultar em ainda maior centralização, não obstante todo o discurso em sentido contrário. Mais um caso em que se demonstra que os extremos se tocam e quando se aliam causam estragos graves em diversidade e pluralismo.  Uma outra consequência sente-se na própria coesão do grupo parlamentar.  Tanto a estabilidade governativa, em caso de vitória, como a eficácia do exercício de oposição ao governo, em caso de derrota, dependem de se ter um grupo unido e capaz. Pôr os deputados em luta entre si por notoriedade exterior dificulta a divisão de tarefas e funções no grupo parlamentar, mina a solidariedade entre os seus membros e não deixa que se desenvolva espírito de lealdade no acesso e troca de informações. É evidente que problemas de representação podem ser sempre colocados. Não se pode é tentar resolvê-los ignorando que se tem um sistema eleitoral de listas fechadas, apresentadas exclusivamente por partidos. Fragiliza-se o parlamento e o sistema de pesos e contrapesos no sistema político, sem ganho algum para a democracia.

         Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2017

sexta-feira, janeiro 22, 2016

Globalização do Terrorismo

Os últimos ataques em Jacarta e Ouagadougou vieram confirmar, mais uma vez, esse fenómeno novo do terrorismo global que ameaça os Estados e amedronta as populações em todos os continentes. Aconteceu na Europa, e em particular na França, mas também nos Estados Unidos da América. Terroristas reclamando pertencer ao estado islâmico (ISIS) assassinaram indiscriminadamente dezenas de pessoas e lançaram o pânico geral. No Médio Oriente os ataques são quase diários e alimentam-se das lutas religiosas que dividem os muçulmanos xiitas dos sunitas. Recentemente, a atacada foi a Turquia com uma explosão no centro da grande cidade de Istanbul. Antes tinha sido o Egipto. Um avião russo explodiu e o ISIS reclamou responsabilidade. Ninguém parece estar a salvo desses ataques potencialmente devastadores e destruidores da vida humana.
Um palco privilegiado para propagação desse fenómeno é o continente africano. Para além da luta tenebrosa do Boko Haram, na Nigéria, vários anos ataques violentíssimos já aconteceram no Quénia. Mais a norte, na Líbia, desde o colapso de Kadhafi que o país se tornou num ponto fulcral de desestabilização da região do Sara. O terrorismo no Mali, em particular, tem sido alimentado pela falta de autoridade que se implantou nessa região e que ameaça derramar-se por outros pontos na Africa Ocidental como já veio a acontecer no Burkina Faso.
Conflitos entre os muçulmanos e entre estes e a população cristã favorecem a implantação de seitas e o aumento do sectarismo político e religioso. Por outro lado, a pobreza extrema em que muitos se encontram tende a encontrar algum alívio em formas de protecção social que tem fundos vindos de fontes ultraconservadoras. Por causa disso muitas vezes transformam-se em viveiros de terroristas que depois vão ser operativos noutros países. A ameaça do terrorismo global põe todos de sobreaviso, aumenta a tensão entre as pessoas e tem o potencial de discriminação com base em elementos identitários de natureza racial, etno linguística e religioso. Ninguém consegue enfrenta-la sozinho. A cooperação em matéria de segurança com outros países é imprescindível nesta matéria.
Em Novembro último, Cabo Verde foi convidado pelo Governo dos Estados Unidos a ser um dos “anchor state” nesta parte da região, juntando-se ao Senegal, ao Gana e à Nigéria. Também com a União Europeia e o Brasil há cooperação conhecida em matéria de segurança e certamente coordenação em matéria de controlo dos diferentes tráficos ilegais de droga, pessoas e capitais nesta região do Atlântico Médio. Um esforço interno de melhor estruturação das forças ligadas a segurança e de melhor coordenação das suas actividades deve ser feito não só numa perspectiva de defesa e segurança do país como também para um melhor aproveitamento das possibilidades da cooperação internacional.
Nestes momentos eleitorais, em que a possibilidade de mudança de governo se coloca mais evidente, mostra a necessidade de ao longo de uma legislatura se manter contactos periódicos e formais com a oposição em matérias chave de segurança do país. Consensos devem ser criados em questões fundamentais como a estruturação das forças e organizações engajadas em manter a ordem e a segurança no país, de forma a dar-lhes estabilidade e a mante-las motivadas. Alguma convergência básica nessas matérias também asseguraria, sem grandes percalços, a cooperação internacional, vital nestes tempos perigosos, designadamente os que podiam resultar da entrada em funções de um novo governo.

De evitar de todo é a tentação de fazer política eleitoralista com questões de segurança. Não deve haver qualquer dúvida do engajamento de todas as forças políticas na luta contra as ameaças à segurança do país e à tranquilidade e bem-estar das populações. Isso deve ficar claro também para a comunidade internacional que coopera com Cabo Verde em matéria de segurança. Nestes tempos perigosos deve haver convergência de interesses em manter uma frente unida que garanta o ambiente de paz e tranquilidade necessário para que o exercício de escolha de governo para os próximos cinco anos se faça de forma justa e livre. 

      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 19 de Janeiro de 2016

Nova/Velha Agenda

Cabo Verde, nestes quinze anos do governo do PAICV, já ensaiou tantas largadas e take-offs e até mudanças de “chip” que já ninguém estranha esses anúncios de mudança para que tudo fique na mesma. Por isso o apregoar de uma nova agenda económica, pela presidente do partido, não traz qualquer novidade. Até porque é apresentada como mais uma etapa na “agenda de transformação” de mais de uma década durante a qual, apressam-se a dizer: “foi feito o possível e tudo foi bem feito”. A realidade porém é outra, muito diferente. O país vive uma estagnação económica, desemprego elevadíssimo e problemas sociais graves. Como a liderança do PAICV sabe disso, depois de, em entrevista ao jornal asemana, Janira Hopffer Almada apresentar o rosário de iniciativas previstas na sua nova agenda e apelar ao diálogo para os comprometimentos necessários, ou seja fazer o discurso politicamente correcto, volta ao seu caminho mais seguro para tranquilizar o eleitorado e manter o seu poder controlador: o caminho da cooperação internacional. Neste aspecto a visita do primeiro-ministro português, António Costa, em pleno período pré-eleitoral, é providencial. Ajuda a reforçar a mensagem subliminar que o PAICV sempre passa, particularmente nos períodos eleitorais, de como é vital para Cabo Verde a ajuda internacional e de como o país precisa que ele continue a governar para manter a credibilidade externa e continuar a receber. Nas entrelinhas fica também a mensagem “nada de aventuras” em votar outros partidos. "Não conseguem ajuda"

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Datas

José Maria Neves, nos seus últimos meses de mandato como primeiro-ministro, ainda repete o discurso da necessidade de consenso na celebração do 13 de Janeiro e do 20 de Janeiro. Primeiro, tem que se fazer uma distinção. Normalmente, pelo 13 de Janeiro o governo faz um gesto simbólico, como aconteceu este ano com uma palestra sobre diáspora e democratização. O 20 de Janeiro, pelo contrário, comemora-se com vários eventos: deposição de flores pelo Presidente da República, desfiles de tropas e outras cerimónias. Não há pois comparação possível. Há um boicote activo do Dia da Liberdade e Democracia, um feriado nacional criado por lei da Assembleia Nacional. Paradoxalmente, a AN é a única instituição que se nega a celebrar o dia das primeiras eleições livres e plurais no país, o dia que está na sua origem enquanto instituição da II República. E é assim porque a maioria parlamentar do PAICV, sob comando do seu presidente JMN, nunca aceitou qualquer proposta para comemorar com dignidade de Estado o seu dia. Como se há-de classificar este simultâneo dizer e desdizer? E ainda se interroga sobre as razões da crispação política no país.   

                    Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2016

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Regionalização

Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

domingo, janeiro 17, 2016

Promessas vazias

Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Dança à volta da regionalização

O acordo virtual. Em vésperas de eleições Ulisses Correia e Silva confirma o acordo mas não o assina com o Grupo de Reflexão sobre a Regionalização, onde pontifica Onésimo Silveira. O presidente do MpD diz na sua intervenção que “não se trata de expediente eleitoralista”. O mesmo não diriam diversas personalidades conotadas com esse grupo. Em várias eleições passadas, legislativas, presidenciais (2001) e autárquicas em S. Vicente, o Movimento para Levantar S. Vicente ou a Associação que depois virou partido político (PTS), negociaram com o PAICV com ganhos mútuos, designadamente desistência de candidaturas, lugares de deputados, etc. Parece que agora chegou a vez de negociar como MpD. E o que todos apresentam é “uma mão cheia de nada

Promessas vazias. Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.


Regionalização. Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá. 

        Publicado no jornal expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

Em defesa da democracia representativa

Cabo verde vai a eleições legislativas no dia 20 de Março. Será a sexta eleição realizada na democracia. A primeira que inaugurou o regime democrático aconteceu vinte e cinco anos atrás. Muito caminho já se percorreu nestes anos na construção e consolidação das instituições democráticas, mas muito há ainda a percorrer. Neste vigésimo quinto aniversário são notórias as fragilidades. O próprio parlamento ainda não conseguiu assumir a data como seu ponto de origem e comemora-la com toda a dignidade.
Incontornável porém é o facto de que foi a 13 de Janeiro de 1991 que as primeiras eleições livres e plurais foram realizadas em Cabo Verde. Dessas eleições saiu uma assembleia de deputados em que duas forças políticas ideologicamente distintas se confrontaram, uma com a missão de governar e a outra de fazer a oposição. A democracia representativa nasceu nesse dia pondo fim a experiências outras que embora reivindicando serem mais perfeitas tendem a repetir os atropelos ao pluralismo e à liberdade que aparentemente quereriam evitar. Entretanto não despareceram os inconformados ou saudosistas dos modelos das democracias populares ou das democracias nacionais revolucionárias. São notórios por serem os primeiros a encontrar defeitos na democracia representativa e a propor vias de as superar. Mas, o facto é que nenhum outro regime consegue bater as democracias já com séculos de existência em termos de serem competitivas e de propiciar liberdade e prosperidade.
Neste ano de 2015 a democracia representativa em Cabo Verde foi enfraquecida. A actuação dos políticos no parlamento e a relação governo/deputados muitas vezes não contribuíram para uma melhor imagem da instituição. O nadir provavelmente foi atingido quando depois de ter votado o estatuto dos titulares de órgãos de soberania por unanimidade dos deputados não ter sido capaz de se reunir em sessão plenária e posicionar-se perante o veto do Presidente da República. As ondas do populismo ganharam um outro folego e acabaram por afectar os partidos políticos.
A produção de listas para as próximas legislativas nos diferentes partidos tem sido tempestuosa e várias vozes se levantam questionando os modelos eleitorais existentes. Discute-se a possibilidade de círculos uninominais, do voto preferencial e até de se romper com o monopólio dos partidos na apresentação das listas. Dentro dos partidos discute-se a possibilidade de primárias. O grande problema é que toda essa discussão podia ser útil para o sistema se a intenção, pelo menos para alguns, não fosse de deslegitimar o sistema exigente e torna-lo disfuncional e dócil ao poder instalado. A persistência de uma cultura anti-partido, que vem de longe, dificulta esse diálogo aberto e consequente. Tudo porém deve ser feito para evitar a erosão da instituição parlamento e pelo contrário fazer dela o sector vibrante de discussão de todas as soluções de futuro que o país e os seus cidadãos sejam capazes de antever e discutir.
A nossa democracia ressente-se do facto de ter como seus dois pilares partidos que surgiram em dois momentos históricos antagónicos. O confronto de narrativas persiste e continua difícil chegar a consensos fundamentais de funcionamento do regime democrático. Exemplo acabado disso foram os órgãos externos da Assembleia Nacional, criados no ano 2000, que só quinze anos depois foram operacionalizados. Pensou-se num determinado momento que os acordos chegados no processo de revisão da Constituição em 2010 contribuiriam para baixar a crispação. Mas não foi o que aconteceu.
O problema talvez esteja nos ciclos longos de governação sem alternância. Primeiro, tivemos dez anos do MpD e agora 15 do PAICV. Governando sempre com maiorias absolutas, os partidos não desenvolvem capacidade de negociar, de fazer concessões e de firmar acordos. Até compromissos tácitos, não escritos, são difíceis de estabelecer. Os direitos das minorias em particular sofrem com a falta de cultura de alternância governativa ficando o parlamento nas mãos da maioria o que inevitavelmente acaba por afectar a sua imagem institucional e torna-a menos efectiva na fiscalização do governo. Há que mudar este estado de coisas. Neste ano do vigésimo quinto aniversário do 13 de Janeiro urge fazer as mudanças que ponham a democracia cabo-verdiana no caminho ascendente da sua consolidação e aprofundamento. A aventura iniciada há 25 atrás deve continuar.
      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

sábado, janeiro 16, 2016

Regionalização

Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Teatralização da política

Mis-en-scène. É interessante ver como José Maria Neves aproveitou as declarações inócuas do embaixador da União Europeia a propósito do processo eleitoral para repetir as mensagens de sempre do PAICV na sua relação com o país e com os caboverdianos. Em tempo já de confronto eleitoral quer relembrar quem é patriota. Para isso nada melhor do que supostamente “apanhar” o presidente do MpD no acto de colaboracionismo com “funcionários estrangeiros” a pôr em causa o bom nome de Cabo Verde e idoneidade das suas instituições . Amílcar Cabral nos seus textos fazia uma distinção entre povo e população. Povo é todo aquele que está com o partido. População é o resto onde se encontram os traidores, colaboracionistas, informadores, etc. O PAICV nunca se libertou dessa definição de povo e população. Tem-na reproduzido sistematicamente ao longo da sua história com seus melhores filhos do povo e os outros, os amantes da terra e os vendedores da terra, os que têm interesses e os que só vêm o interesse de todos, os patriotas e os antipatriotas. O “incidente” com o embaixador foi mais uma oportunidade para se passar esse filme já conhecido. Compreende-se assim porque muitos dos seus militantes não conseguem ser “simples caboverdianos”, em pé de igualdade a contribuir, na diversidade dos seus interesses e na pluralidade da suas opiniões, para o bem da nação e a prosperidade de todos.
Repetição de luta armada. Já é pela segunda vez que o governo faz reparos ao embaixador  da União Europeia . Da outra vez foi sobre o ambiente de negócios em Cabo Verde. Também nessa ocasião estaria a “imiscuir-se” nos assuntos internos constatando nas dificuldades encontradas pelos empresários as deficiências, ineficiências e custos já identificados pelo Banco Mundial e outras instituições internacionais. Talvez porque o embaixador é português propicia oportunidade para se fazer um teatro de colocar os “colonialistas no seu devido lugar”. Em 2006 a oportunidade foi encontrada com a EDP e a ELECTRA. O PM convidou a empresa portuguesa a ir-se embora sem muito cerimónia e sem muita ponderação. O país pagou caro em produtividade, despesas extraordinárias e horas perdidas de trabalho com esse acto de “libertador tardio”. E ainda continua a pagar nos preços dos mais elevados do mundo em electricidade que lhe é cobrado. Brincar aos libertadores reforça a narrativa de serem patriotas, mais caboverdianos do que os outros e de serem os supremos defensores dos interesses de Cabo Verde. O país que suporte a crispação que necessariamente isso gera.

P.S.. O aviso do PM para os “funcionários estrangeiros não se imiscuírem nos assuntos internos” aparentemente não se aplica quando se trata, por exemplo, do embaixador americano. Todo o país sabe do escândalo do Fundo do Ambiente e da controvérsia à volta do financiamento da Associação dos Amigos do Brasil. A organização recente da ida do embaixador americano, acompanhado do deputado Euclides de Pina, dirigente da associação, para fazer a entrega de arcas frigoríficas não terá sido uma tentativa branqueamento de imagem? E os outros casos, em que representantes de organizações estrangeiras aparecem na televisão a fazer doações a projectos que levantam suspeitas dentro do próprio PAICV de que são ou foram usados com objectivos eleitoralistas? Também se qualificam como imiscuir?  E a visita surpresa do Primeiro Ministro  António Costa, que há um ano esteve na posse de Janira Hopffer Almada como presidente do PAICV?

                   Publicado no jornal expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016
                      

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Repetição de luta armada

Já é pela segunda vez que o governo faz reparos ao embaixador  da União Europeia . Da outra vez foi sobre o ambiente de negócios em Cabo Verde. Também nessa ocasião estaria a “imiscuir-se” nos assuntos internos constatando nas dificuldades encontradas pelos empresários as deficiências, ineficiências e custos já identificados pelo Banco Mundial e outras instituições internacionais. Talvez porque o embaixador é português propicia oportunidade para se fazer um teatro de colocar os “colonialistas no seu devido lugar”. Em 2006 a oportunidade foi encontrada com a EDP e a ELECTRA. O PM convidou a empresa portuguesa a ir-se embora sem muito cerimónia e sem muita ponderação. O país pagou caro em produtividade, despesas extraordinárias e horas perdidas de trabalho com esse acto de “libertador tardio”. E ainda continua a pagar nos preços dos mais elevados do mundo em electricidade que lhe é cobrado. Brincar aos libertadores reforça a narrativa de serem patriotas, mais caboverdianos do que os outros e de serem os supremos defensores dos interesses de Cabo Verde. O país que suporte a crispação que necessariamente isso gera.
P.S.. O aviso do PM para os “funcionários estrangeiros não se imiscuírem nos assuntos internos” aparentemente não se aplica quando se trata, por exemplo, do embaixador americano. Todo o país sabe do escândalo do Fundo do Ambiente e da controvérsia à volta do financiamento da Associação dos Amigos do Brasil. A organização recente da ida do embaixador americano, acompanhado do deputado Euclides de Pina, dirigente da associação, para fazer a entrega de arcas frigoríficas não terá sido uma tentativa branqueamento de imagem? E os outros casos, em que representantes de organizações estrangeiras aparecem na televisão a fazer doações a projectos que levantam suspeitas dentro do próprio PAICV de que são ou foram usados com objectivos eleitoralistas? Também se qualificam como imiscuir?  E a visita surpresa do Primeiro Ministro  António Costa, que há um ano esteve na posse de Janira Hopffer Almada?

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Parlamento: representação e governabilidade

O Jornal A Nação noticia que o constitucionalista Vladimir Brito defende a adopção de um sistema eleitoral misto em que 11 dos deputados seriam eleitos em círculos uninominais de forma a sentirem-se mais responsabilizados pela defesa da sua ilha. Os candidatos seriam propostos por grupos de cidadãos e com isso rompia-se com o actual monopólio dos partidos e melhorava-se a representação no parlamento. A proposta merece-nos alguns comentários:
1-     Estabilidade governativa. No parlamento não se põem somente os problemas de representação mas também de governabilidade. O governo é uma emanação do parlamento e precisa de uma maioria sólida para implementar as suas políticas. Aqui em Cabo Verde, diferentemente por exemplo do que é na norma em Portugal, exige-se ao novo governo que apresente e passe por maioria absoluta dos deputados uma moção de confiança. Também as leis são aprovadas por maiorias absolutas e não por maiorias simples. Ter 11 deputados livres da disciplina partidária e cada um com a agenda da sua ilha é correr um risco grande de instabilidade governativa e de possível queda de governo.
2-     Grupos de cidadãos. Há quem veja nos “grupos de cidadãos” uma espécie de alternativa aos partidos ou como via de esbater a partidocracia existente. É uma perspectiva que não condiz com a realidade vivida nas eleições locais e nas autarquias desde 1991.Quando eleitos, os grupos de cidadãos, tendem a funcionar em bloco mostrando a mesma rigidez de posições normalmente encontrada nos partidos.  Em demasiados casos fizeram os jogos dos partidos políticos, servindo de uma espécie de barriga de aluguer para candidaturas encapotadas. Noutros casos ajudaram a pôr de pé o novo caciquismo que se alimenta da retórica anti-partido, da hostilidade a originários de outras ilhas e que se suporta em redes pessoais construídas para  influência eleitoral. Trazer essa experiência para o parlamento muito provavelmente não afectaria a actual configuração política com base nos dois grandes partidos mas poderia introduzir elementos de fragilidade governativa sem que algum benefício fosse obtido.

3-     Câmara Alta ou Senado. Vladimir Brito vê os 11 deputados a funcionar com uma espécie de “câmara alta” dentro do actual parlamento. Não se sabe é se a diferenciação entre deputados nacionais e deputados com “mandato da ilha” teria tradução em termos de poderes e competências nos trabalhos da A.N. ou se fica tudo ao nível da sensibilidade pessoal em relação às matérias. Desde de 1990 que no MpD se pôs a questão da criação de uma câmara alta. Optou-se depois de muita discussão pela consagração na Constituição de 1992 de um Conselho de Assuntos Regionais com poderes para emitir pareceres sobre todas as questões de desenvolvimento regional. As ilhas teriam igualmente dois representantes  no conselho. De vários quadrantes não houve vontade de fazer o órgão funcionar e na revisão de 1999 perdeu alguma importância sendo integrado no Conselho Económico e Social (CES). Em Julho de 2014 na aprovação da Lei do CES foi reiterado o princípio de representação igual por ilha e não por círculo eleitoral como parece preconizar o Vladimiro Brito. Pena que nem ontem, nem hoje, muitos dos que se dizem apoiantes de regionalização ainda não se aperceberam do papel que o Conselho para Assuntos Regionais poderia ter na harmonização das políticas nacionais e na luta contra as assimetrias regionais.                                                                               Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2015

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Mis-en-scène

É interessante ver como José Maria Neves aproveitou as declarações inócuas do embaixador da União Europeia a propósito do processo eleitoral para repetir as mensagens de sempre do PAICV na sua relação com o país e com os caboverdianos. Em tempo já de confronto eleitoral quer relembrar quem é patriota. Para isso nada melhor do que supostamente “apanhar” o presidente do MpD no acto de colaboracionismo com “funcionários estrangeiros” a pôr em causa o bom nome de Cabo Verde e idoneidade das suas instituições . Amílcar Cabral nos seus textos fazia uma distinção entre povo e população. Povo é todo aquele que está com o partido. População é o resto onde se encontram os traidores, colaboracionistas, informadores, etc. O PAICV nunca se libertou dessa definição de povo e população. Tem-na reproduzido sistematicamente ao longo da sua história com seus melhores filhos do povo e os outros, os amantes da terra e os vendedores da terra, os que têm interesses e os que só vêm o interesse de todos, os patriotas e os antipatriotas. O “incidente” com o embaixador foi mais uma oportunidade para se passar esse filme já conhecido. Compreende-se assim porque muitos dos seus militantes não conseguem ser “simples caboverdianos”, em pé de igualdade a contribuir, na diversidade dos seus interesses e na pluralidade da suas opiniões, para o bem da nação e a prosperidade de todos.

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

domingo, janeiro 10, 2016

2016 – Ano de Mudança?

Há 25 anos, 1991 foi um ano de mudança histórica em Cabo Verde. Por Cabo Verde também passavam os ventos que desde de 1989 vinham deitando abaixo regimes totalitários e autoritários em todos os continentes. Para caracterizar o fenómeno, Francis Fukuyama falava na época do “Fim da História”, do abraçar quase universal dos princípios e valores da liberdade e democracia e do reconhecimento da importância central da iniciativa privada e dos mercados na criação de riqueza e prosperidade. Um optimismo contagiante acabou por dominar toda a década que então se iniciava à medida que barreiras ideológicas desapareciam e saltos tecnológicos nos domínios dos transportes e telecomunicações lançavam a humanidade num processo de globalização sem precedentes. Em consequência, centenas de milhões de pessoas deixaram a pobreza, muitas vezes abjecta, para integrarem as fileiras da nova classe média dos países emergentes.
Cabo Verde, que vinha de vários anos de estagnação económica e de um crescimento do PIB em 1990 de praticamente 0%, iniciou o ano com um novo governo que se anunciou pronto a construir as instituições próprias de uma democracia moderna e a reestruturar profundamente a economia. A economia estatizada que tinha sido criada nos quinze anos de partido único tinha falhado em fazer Cabo Verde crescer com a rapidez que outros estados insulares como as Maurícias e as Seychelles vinham crescendo. Em consequência o rendimento per capita de Cabo Verde mantinha-se abaixo dos mil dólares (957) enquanto nas Maurícias já era de 2365 dólares e nas Seychelles já ultrapassava os 5 mil dólares. Essas ilhas tinham feito escolha oposta em relação a Cabo Verde. Maurícias tinham apostado na atracção do investimento externo para criar uma base de manufactura para exportação, aproveitando o sistema preferencial de acesso a mercados da Europa, América e Japão e as Seychelles tinham feito um comprometimento sério com o desenvolvimento do turismo, que as deixou com um turismo de qualidade que tem um efeito forte de arrastamento na economia nacional.
Depois de quinze anos de rendimentos perdidos por causa de estratégias erradas de estatizar, fugir dos mercados e rejeitar o turismo, a perspectiva nos primórdios dos anos noventa era soltar as amarras que vinham prendendo a criatividade, energia e iniciativa dos cabo-verdianos e pô-las ao serviço da criação de riqueza. A década de noventa acabou por se revelar de um crescimento sem precedentes, com impacto significativo no emprego que desceu para os níveis mais baixos de sempre. A década e meio que se seguiu, apesar de beneficiar de importantes fluxos de capital privado particularmente nos três anos antes da crise financeira de 2008 e de donativos e empréstimos concessionais ao longo de todo o tempo, tem-se revelado frustrante nos resultados de crescimento económico (2012 – 1,2%; 2013 - 1%; 2014 - 1,8%) não obstante os avultados investimento feitos. O ano de 2015 é já claramente um ano  fraco com resultados nos três últimos trimestres  de 1%, 05%, 1,4%  respectivamente a confirmar que o impacto de toda a chamada Agenda de Transformação ficou muito aquém do prometido.
A Ministra das Finanças ainda procura justificar a situação actual de estagnação económica como sinal de modelo esgotado e de necessidade de passar para um outro estádio de desenvolvimento, numa perspectiva que justifica a orientação seguida até agora e até aconselha para se continuar numa nova etapa. A realidade porém é que há muito se devia ter abandonado o modelo, mas razões outras não deixavam. Uns dizem que é por factores ideológicos, outros apontam para razões pragmáticas de manutenção do poder. O facto é que com o andar dos anos a competitividade externa do país não melhora, os sectores de energia, água e transportes marítimos e aéreos continuam fracos, caros e não confiáveis e a base da economia mantem-se pouco diversificada. A administração pública faz o seu trabalho sempre pouco sensível e burocrática em relação ao mundo de negócios, enquanto a atenção dos governantes para questões centrais como a segurança, o desenvolvimento do turismo e a atracção de investimento externo continua não devidamente focalizada, nem consequente.
Em 1991 teve que se imprimir uma reorientação radical para que a economia voltasse a crescer a taxas que se traduzissem em ganhos efectivos, em rendimentos e qualidade de vida para a população. Algo similar deverá acontecer neste ano de 2016. A dúvida é se, à semelhança do que foi há 25 anos, também hoje existe a consciência de que se impõe uma mudança de paradigma na governação actual, uma vontade em explorar outras vias para desenvolver o país e uma confiança que é possível produzir riqueza e prosperidade sustentável de que todos poderão beneficiar. Para bem de toda a gente, esperemos que sim.
        Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016
    

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Saídas

Uma das novidades da última semana de Dezembro foi a saída da Janira Hoffer Almada do cargo de Ministra da Juventude e do Emprego. O Primeiro-Ministro justificou a saída com a marcação das eleições legislativas e com a necessidade de ela se dedicar às tarefas político-partidárias. O argumento não colhe. A presença dela no governo não limitou em nada a sua acção partidária em particular desde de meados de 2014 quando se apresentou como candidata ao cargo de presidente do PAICV. Pelo contrário serviu, e bem, para fazer avançar os seus propósitos de liderança e conseguir os resultados que obteve como em tempo foi denunciada pelos outros candidatos, designadamente por Felisberto Vieira. O acto de pedido de exoneração não tem outra explicação senão o de camuflar o que a olhos de todos andou a fazer durante este ano de 2015. Esteve todo o tempo em campanha eleitoral pelas ilhas e pelas comunidades no exterior fazendo uso de recursos e meios do Estado. Aliás é só perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro  se alguma vez (2006 ou 2011)se suspendeu do seu cargo para se candidatar a um novo mandato no governo. Não há nenhuma exigência constitucional ou da lei eleitoral nessa matéria. Diferente é o caso de Ulisses Correia e Silva na Praia. Presidentes de Câmara e vereadores são inelegíveis no círculo eleitoral onde exercem actividade (alínea a do art. 404º)  do Código Eleitoral. Por isso, no seu caso como o foi de António Monteiro em 2006 é de renunciar ao mandato na câmara, em tempo para poder constar da lista de deputados para o círculo eleitoral de Santiago Sul.

    Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016

quinta-feira, janeiro 07, 2016

Reafricanização dos espíritos: consequências

O jornal Público trouxe no domingo dia 3 de Janeiro uma reportagem intitulada “Ser africano é um tabu em Cabo Verde”. Lendo os vários depoimentos não se pode deixar de concluir que há uma crise profunda de identidade em Cabo Verde. Parece que já não existe mais o cabo-verdiano que só depois de chegar à Europa, como parece ter sido o caso do Corsino Tolentino e do Francisco Carvalho, é que descobre que há gente que confunde identidade com cor da pele. Não era assim na sua terra. Passou a ser depois quando o Estado independente dirigido pelo PAIGC/PAICV assumiu como sua missão fazer a “reafricanização dos espíritos”. A partir daí, segundo Gabriel Fernandes,  os caboverdinos não se concebem a partir de dentro, da sua peculiaridade cultural, mas sim de fora, da sua compartilhada situação de africanos e dominados” . Em vez de se conservar num estado fora das tensões raciais que a sua vivência crioula nas ilhas lhe tinha proporcionado deixou-se dividir e agora diz que é cabo-verdiano, preto e africano. E naturalmente quando se começa a resvalar num plano inclinado a tendência é acelerar, neste caso, encontrar razões diversas para se dividir ainda mais:  coloração da pele, mais clara ou mais escura; lugar de origem, ilhas a norte ou a sul; badios e sampadjudos; descendentes de escravo, resistentes ou colaboracionistas, etc. Tudo pode ser motivo de divisão e de polarização e consequente discriminação até se chegar ao absurdo da afirmação do Abrãao Vicente nessa reportagem de que O poder acaba por filtrar o negro. Ulisses Correia da Silva, presidente da Câmara da Praia, é o primeiro santiaguense preto a candidatar-se a primeiro-ministro. Todos os outros foram mestiços, mulatinhos.”

     Publicado no Jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016

segunda-feira, janeiro 04, 2016

2015: um ano atípico

O ano de 2015 que chega ao fim tem-se revelado em vários aspectos como um ano incomum. Provavelmente ficará registado como um ano de mudanças em vários países e regiões do globo, um ano de viragem em muitos outros e ainda um ano em que, em vários momentos, surpreendeu pelo surgimento do inesperado.
No plano internacional todos os olhos têm estado transfixos no que se passa na Europa: sem ainda ultrapassar a crise financeira e da dívida soberana já está mergulhada na crise dos refugiados. A resposta óbvia para ultrapassar as crises seria dar um passo em frente para uma maior integração da União Europeia. Mas nem todos vêem com bons olhos mais cedência de soberania nacional, maiores transferências de fundos para evitar uma Europa a várias velocidades e uma política externa e de defesa comum que permita protagonismo mais consequente na cena mundial e a contenção de eventuais ameaças vindas da Rússia ou do Médio Oriente. Afligidas pelas dúvidas e incertezas, as nações dentro da Europa deram este ano sinais claros que poderão estar perante autênticos terramotos políticos dentro das suas fronteiras. Em Portugal, Espanha e Grécia os partidos tradicionalmente do chamado arco da governação perderam terreno a favor de partidos de esquerda radical enquanto em países com a Suécia, a França, a Polónia e a Hungria foi a extrema-direita que fez progressos assustadores.
Do outro lado do Atlântico, na América do Sul, é já claro a viragem na maré do populismo que ameaçava engolir vários países do subcontinente. Perdeu vitalidade em certa medida com a queda do preço do petróleo e de outras commodities (matérias primas e produtos agro-pecuários). Sinais disso vêem-se na crise do chavismo na Venezuela, nas dificuldades do governo  brasileiro a braços com o marasmo económico e acusações graves de corrupção e no afastamento dos partidos peronistas na Argentina após décadas de poder. A quebra na procura global também teve outros efeitos designadamente no crescimento dos chamados países emergentes, em particular dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pôs em evidência algumas das insuficiências do modelo económico por eles seguido e baixou as expectativas de crescimento global a ponto de economistas proeminentes alertarem para  uma possível “estagnação secular”. 
Talvez já a antecipar os tempos menos auspiciosos que podem estar à frente, Cuba, com a ajuda providencial do Papa Francisco, apressou-se a negociar com os americanos o fim do embargo de mais cinquenta anos imposto ao país. O presidente Obama que soube surpreender o mundo com as negociações de Cuba, conseguiu ainda neste ano realizar a façanha do acordo nuclear com o Irão não obstante a hostilidade aberta de Israel e de sectores do partido republicano. Em Novembro, inesperadamente, pôde construir conjuntamente com a China e mais países na Cimeira de Paris um consenso inédito no domínio de mudanças climáticas que obriga a acções coordenadas de todos para evitar que o aquecimento global vá acima dos 1,5ºC.
2015 fica  ainda marcado pelo irromper na cena internacional de acções terroristas do Estado Islâmico. Os atentados de Paris mostraram a capacidade do ISIS em recrutar combatentes entre os jovens europeus e de levar para o coração da Europa o terror que acompanha a sua luta pelo Califado. O medo gerado pela possibilidade de actos terroristas tornou extremamente difícil a gestão dos muitos milhares de pessoas que vindas da Síria procuram escapar da extrema violência que caracteriza a actuação do ISIS no quadro das lutas sectárias que dilaceram o Médio Oriente. Na Europa e também na América sentem-se os efeitos desse medo nos discursos de certos políticos e no avanço de forças radicais tanto de esquerda como da direita, todos apostados em fazer política identitária exacerbando em particular o nacionalismo, a etnicidade e a religião. A África, e em particular a Líbia, o Mali e a Nigéria com o Boko Haram já é um palco para a reprodução desses conflitos.
 Em Cabo Verde também 2015 foi um ano atípico. Iniciou com a mudança da liderança do PAICV, o partido que suporta o governo, mas não foi seguida de mudanças no sistema de governação, designadamente de unificação da direcção política do partido com a chefia de governo e com a liderança da maioria parlamentar. As tensões que daí resultaram produziram situações como as que deitaram abaixo o estatuto dos titulares de órgãos de soberania aprovado unanimemente pela Assembleia Nacional e que já levaram à demissão da ministra Sara Lopes, em Novembro, e na semana passada à saída da ministra Janira Hopffer Almada. São situações que, por falhas na coordenação e défices de solidariedade, diminuem a eficácia da governação com os resultados que se vêem com particular nitidez na gestão desastrosa que se está a fazer da TACV.
Também por essas mesmas razões 2015 foi um ano de campanha eleitoral a todo o tempo no qual naturalmente por razões de recursos e de oportunidades o governo foi o principal protagonista de entre todos os outros actores. Os quarenta anos de independência foram comemorados meses a fio tanto no país como nas comunidades. Viagens sucederam-se pelas ilhas num ritmo vertiginoso. Provavelmente não houve dia em que não se tenha inaugurado alguma coisa com direito a cobertura da rádio e da televisão. Chegados ao fim de 2015 e a poucos dias do início do período eleitoral, espera-se que tudo volte à normalidade e o processo democrático siga o seu caminho e dê ao país um governo legitimado nas urnas. Cabo Verde bem precisa.
   Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Janeiro de 2015