sexta-feira, janeiro 20, 2017

2017 em perspectiva

Depois de 2016 que foi um ano improvável tudo aponta que 2017 será um ano de incertezas. No calendário começou há duas semanas, na realidade vai começar a delinear-se a partir de 20 de Janeiro com a tomada de posse de Donald Trump no cargo de presidente dos Estados Unidos da América. A vitória inesperada do sim no referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia e posteriormente a vitória de Trump sobre Hillary Clinton contra todas as previsões provocaram uma desorientação geral. A perspectiva de ter um presidente na Casa Branca diferente de qualquer outro que alguma vez exerceu tal cargo num tempo em que tanto no mundo depende da América é fonte de muita ansiedade em todos os continentes.
Muito do que antes se tomava como garantido nas relações internacionais e em termos comerciais e de segurança das nações de repente já não parece tão certo. A nível nacional a dificuldade em fazer previsões, em antecipar acontecimentos e em reconhecer sentimentos e paixões fortes de parte significativa da população puseram em estado de crise os mídias, observadores diversos, empresas de sondagem e as elites. Aperceberam-se do golfo profundo que as separava do homem e da mulher comuns. Nas instâncias supranacionais e em particular na União Europeia deu-se conta de que as populações nos estados nacionais ressentem-se do poder emanado de Bruxelas e que estão ávidas de reivindicar para si outra vez o poder de decidir o seu próprio governo, quais sãos as prioridades a seguir e qual o caminho a percorrer até à prosperidade. Não é à toa que slogans como resgatar glórias passadas ou imaginadas, proteger-se de fluxos de refugiados, precaver-se contra imigrantes e repor valores antigos e cristãos têm sido altamente mobilizadores  em vários países da Europa mas também no Estados Unidos, no Brasil, no resto da América Latina e mesmo em África. Por todo o lado propõe-se fazer o respectivo país grande outra vez.
A emergência de Trump na cena mundial já se mostrou transformacional e ele ainda não tomou as rédeas do Poder. Parafraseando Marx tudo o que parecia sólido esvaiu-se no ar. Mudaram as relações entre  os Estados Unidos, a China e a Rússia. Aparentemente há uma aproximação com a Rússia, não obstante a invasão da Crimeia e a intervenção russa na Ucrânia e na Síria, enquanto com a China parece que se entrou em rota de colisão seja em termos de comércio seja em termos de liberdade de circulação no Mar da China. Com a Europa e com a Aliança Atlântica, a NATO,  o que era tido como inabalável na contenção da Rússia já não parece tão certo na sequência das declarações de Trump. Incerteza também passou a germinar na relação dos EUA com o Japão e a Coreia do Sul criando ansiedade e abrindo caminho para futuros focos de tensão no Extremo Oriente e no Pacífico. Para alguns observadores o bombardeamento cruel que aconteceu em Alepo, na Síria, perante a quase indiferença geral pode já estar a antecipar o que virá a seguir se se concretizar o desengajamento do mundo por parte dos Estados Unidos como prometeu Donald Trump.
Muito do improvável que está a acontecer deve-se à globalização e suas consequências no desemprego, no aumento da desigualdade social, na estagnação dos rendimentos da esmagadora maioria da população e no problema dos refugiados e dos migrantes particularmente nos países mais desenvolvidos. O facto da mesma globalização ter tirado da miséria muitas centenas de milhões de pessoas, ter criado uma classe média significativa em países como a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e a Turquia e ter inundado os países desenvolvidos de produtos e crédito barato não conseguiu diminuir a hostilidade de vários sectores da população nos EUA e na Europa que reclamam por medidas proteccionistas, pelo regresso das indústrias deslocalizadas e pela construção de barreiras contra os migrantes. A vitória de Trump e a possibilidade de vitória de outros dirigentes populistas e da extrema-direita na França, na Holanda e na Itália ao longo do novo ano criam dúvidas sobre qual será a dinâmica da economia mundial em 2017 se se concretizarem os impulsos proteccionistas. Uma não reeleição de Angela Merkel em Setembro agravaria ainda mais a situação internacional. Ninguém consegue prever o que acontecerá ao euro se os cenários de vitória dos populistas se materializarem e quais serão as consequências globais de um agravamento no diferendo comercial entre os Estados Unidos e a China que já está a desenhar-se no horizonte.
Para Cabo Verde, uma pequena economia aberta e dependente de fluxos diversos que vêm principalmente da Europa em particular do turismo, as incertezas para o ano 2017 não auguram nada de bom. O crescimento da economia vai depender bastante da procura externa e dos investimentos desses países que se puder canalizar para aqui. A cooperação tanto com os Estados Unidos como com a Europa cada vez mais tem uma componente de segurança. No caso do progressivo desengajamento do mundo por parte de Donald Trump e de uma reorientação da Europa para conter a Rússia não se sabe se Cabo Verde continuará a merecer a mesma atenção que actualmente tem. O facto de também estar em jogo o futuro do euro não é boa notícia. Até agora o acordo cambial tem sido uma âncora para nossa estabilidade macroeconómica. Já sabemos que 2017 é um ano de incertezas. Vamos esperar que nos surpreenda pela positiva preparando-nos para o pior, mas na expectativa do melhor.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 790 de 18 de Janeiro de 2016.

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