quarta-feira, janeiro 11, 2017

Frescomar

Nos últimos dias do ano findo o país foi sobressaltado com o anúncio do despedimento de uma assentada de 301 trabalhadores da Frescomar, a esmagadora maioria mulheres. Na carta dirigida ao sindicato, a direcção argumentou que os produtos da empresa que gozavam da derrogação dos direitos de origem passariam a ficar mais caros em 25% a partir de 31 de Dezembro. A esse preço deixariam de ser competitivos nos mercados europeus e por isso a empresa viu-se forçada a interromper por tempo indeterminado a linha de produção desses produtos. Desde de 2008 Cabo Verde tem gozado de sucessivas derrogações dos direitos de origem sendo a última datada de Janeiro de 2015 e com prazo de dois anos. Com essas derrogações a Frescomar poderia importar cavala e  melvas de outros países e mesmo assim poder colocar na Europa as suas conservas como se o peixe fosse originário de Cabo Verde. A facilidade que é dada a Cabo Verde enquadra-se dentro do que se chama normalmente de “aid for trade” , ou seja, em vez de ajudar com  doações, abre-se o mercado para entrada em termos favoráveis dos produtos manufacturados nesse país com matéria prima local. Enquanto isso não acontece, vai-se permitindo que importe parte da matéria-prima de outros países. Como é lógico, a derrogação dos direitos de origem não pode ser permanente. O país para manter as exportações deve orientar as suas políticas para pelo menos atingir dois objectivos: ou consegue fornecer matéria-prima nacional desenvolvendo capacidade própria para isso, no caso, capacidade de captura de peixe, com ganhos para todos, ou torna as suas exportações competitivas com diminuição de custos de factores e aumento de produtividade. O problema com a Frescomar é que não se fez o suficiente nem num sentido nem no outro. As autoridades limitaram-se nas visitas múltiplas que faziam às fábricas de conserva a regozijar-se com o número de postos de trabalho criados e com os anúncios das derrogações sempre que os obtinham da União Europeia. A oposição também visitava e era muitas vezes porta-voz das insatisfações das direcções da empresa. Quando o governo mudou, o padrão manteve-se mas os papéis inverteram-se passando a nova oposição a ser os portadores das reivindicações. Era óbvio que a partir de certo momento houvesse aproveitamento daquilo que a Frescomar começou a representar para todos enquanto exportadora e empregadora de quase mil trabalhadores. Neste processo não deve ser indiferente a quem o governo anterior cedeu o controlo das três instalações de frio, duas em S. Vicente e uma na ilha do Sal. Grupos privados têm os seus interesses, desenvolvem as suas estratégias para os realizar e permanecem activos num sector enquanto têm retornos nos seus investimentos. Se lhes for permitido, em cima dos lucros vão acumular rendas resultantes das facilidades conseguidas de uma forma ou doutra. O governo é que deve ter também a sua estratégia e não se limitar a uma postura passiva ou a pôr-se na posição de retirar ganhos políticos instantâneos. O crescimento do sector privado nacional deve ser um dos objectivos a atingir e isso deve ser levado em devida conta a todo o momento designadamente no que respeita à disputa à volta da fábrica de farinha de peixe em S.Vicente.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 788 de 04 de Janeiro de 2017

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