segunda-feira, maio 21, 2018

Agir agora para não adiar o futuro

A dívida pública de Cabo Verde no montante de 2.150 milhões de dólares correspondeu em 2017 a 125% de Produto Interno Bruto. De 2016 para 2017 o PIB caiu de 130% para 125% do PIB devido a uma maior dinâmica económica que se traduziu num crescimento de 3,9%, superior à média de 1% dos cinco anos anteriores. Uma dívida de tais proporções é certamente preocupante e exige do governo respostas consistentes no quadro de estratégias que ajudem a manter a confiança no país enquanto condição indispensável para atrair investimentos e criar melhor ambiente de negócios. O quiproquó da semana passada à volta das declarações do primeiro-ministro e do vice-primeiro-ministro tem a ver com a necessidade e a urgência do país em traçar essa estratégia e em como engajar o FMI e eventualmente outras organizações internacionais para conseguir esse objectivo.
O acordo cambial em vigor desde 1998 exige para a sua sustentabilidade uma adesão firme do país aos critérios de Maastricht que estipulam a dívida pública até 60% e o défice orçamental até 3% aos países ligados ao euro. Em 2008, a dívida pública cabo-verdiana situava-se em 57% do PIB. Nos anos que se seguiram escalou rapidamente atingindo 91% em 2012 e 126% em 2015. O governo do PAICV justificou o rápido endividamento como necessário para se fazer face à crise financeira mundial de 2008 e também para construir as infraestruturas necessárias para uma rápida modernização do país. Insistiu sempre que as condições da dívida eram concessionais e por isso sustentáveis a prazo. Não se cansou de prometer que na sequência do investimento público verificar-se-ia o “crowding in” do investimento privado que levaria a uma economia dinâmica com taxas de crescimento mais elevadas e mais criação de emprego. Ao contrário do prometido, viveram-se anos de estagnação económica e alto desemprego ao mesmo tempo que o sector privado nacional atolava-se cada vez em dívidas e não conseguia aproveitar as oportunidades criadas por investimentos no turismo nas ilhas do Sal e da Boa Vista.
A economia de Cabo Verde sempre sofreu de um desequilíbrio estrutural derivado da sua fraca capacidade de produção e de exportação. Sem suficientes divisas para pagar as suas importações, precisa de fluxos externos, designadamente remessas dos emigrantes e ajuda externa para as compensar. Por outro lado, sendo um pequeno país com população diminuta e fraca capacidade de poupança, para poder crescer e criar emprego precisa de investimento directo estrangeiro, que trazendo capital, tecnologia e mercados lhe permita explorar recursos naturais, valorizar a posição geográfica e potenciar o capital humano existente. O problema do país é que passados mais de quatro décadas após a independência ainda não resolveu o seu desequilíbrio básico. A opção por um desenvolvimento baseado na reciclagem da ajuda externa impediu que se desse suficiente atenção à questão central que é a atracção de investimento para o país poder criar riqueza e exportar bens e serviços. Devia ser evidente que persistindo nesse caminho o “ajuste de contas” acabaria por se verificar um dia quando as ajudas diminuíssem e ainda não houvesse suficientes receitas de exportação para repor os equilíbrios.
Quando aconteceu, a opção não foi de rever o modelo de desenvolvimento, mas de persistir nele recorrendo agora ao endividamento externo para compensar a perda de donativos. Justificando que os créditos eram concessionais, beneficiando de juros bonificados ou prazos dilatados de pagamento, os governantes apressaram-se a utilizá-los, mas sem se preocupar com a relação custo/benefício na selecção dos projectos e muito menos se os projectos tinham custos escondidos em forma de cláusulas que privilegiavam empresas estrangeiras nas grandes obras ou forçavam a compra de uma boa parcela dos materiais no país concedente do crédito. Aparentemente o que lhes interessava, de facto, eram os ganhos políticos à volta das obras que iam anunciando e inaugurando um pouco por todo o país. Pareciam não se importar com o fraco impacto dessa obras na criação de emprego e na dinamização da economia, nem com a implosão do sector nacional de construção civil e nem também com o facto de os vários clusters que iam suportar-se nessas infra-estruturas não se terem materializado. Muitos milhões foram gastos. Registam-se hoje como um passivo na extraordinária dívida externa que põe Cabo Verde entre os países mais devedores do mundo, mas os retornos obtidos desses investimentos são comparativamente demasiados parcos.
Num encontro recente com as autoridades a propósito da política de investimento, especialistas da UNCTAD recomendaram que Cabo Verde tem de ser mais pró-activo na atracção do investimento estrangeiro. Insistem em que o país não tem que ficar pelas propostas dos investidores e que deve activamente promover o tipo de investimento que “pode melhor contribuir para os seus objectivos de desenvolvimento”. De outra forma, como dizem, não há diversificação da economia e o desenvolvimento do sector empresarial local fica limitado. Esta constatação dos especialistas quanto à importância do investimento directo estrangeiro devia ser evidente para todos. Só não é, porque no fundo continua-se a privilegiar as políticas de sempre de reciclagem de ajuda externas mas apresentadas em cada momento com as roupagens ajustadas aos tempos no estilo como se diz na gíria “para inglês ver”, enquanto tiques autárcicos, hostilidade a turistas e a investimentos estrangeiros são sub-repticiamente alimentados.
a encruzilhada em que se encontra, a opção em manter o país num caminho similar ao que tem percorrido não é desejável, nem sustentável. As ajudas diminuíram, a dívida pública é extremamente pesada e não devia haver espaço para mais sessões de ilusionismo. A tentação de voltar a repetir o que se fez no passado, mas com diferentes argumentos e escusas é porém muito grande. O problema é que desta vez a margem já é demasiado pequena e os custos de mais uma vez se adiar o país demasiado grandes. Não é fácil deixar de pensar pelos mesmos pressupostos, de exercer o poder sempre da mesma maneira e de manter uma posição passiva e reactiva na governação em vez de se optar por uma pro-actividade e uma abordagem estratégica na condução do país. Mas é isso que terá que ser feito para que o futuro não seja sistematicamente adiado.
Humberto Cardoso


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 859 de 16 de Maio de 2018.

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