segunda-feira, agosto 06, 2007

Sem Rumo

Lá vamos nós outra vez. O Governo já lançou mais um balão. O balão nuclear. No passado recente foram lançados, entre outros, os balões do petróleo, do gás natural e da parceria especial com a União Europeia. Este último balão, já bastante inchado de expectativas criadas pelas sucessivas declarações do Governo desde 2002, viu-se repentinamente reduzido a uma bolha, não de sabão, mas de Cotonu. Segundo um despacho da Inforpress de 10 Julho, citando fonte governamental, a parceria especial deverá, afinal, ser a exploração de todas as potencialidades do acordo de Cotonu, o acordo assinado, no ano 2000, entre os países ACP (Africa, Caraíbas, Pacífico) e a União Europeia. Grande novidade. Mas não foi certamente isso que os caboverdianos imaginaram e sonharam ao ouvirem insistentemente o discurso da parceria especial. Decididamente que não foi a pensar em Cotonu que muitos, particularmente na emigração, votaram. Mas, como diz o brasileiro, o Governo nem está aí. E passa à frente. Agora temos o nuclear para resolver o problema da energia. Vieram os russos com uma proposta de venda de energia eléctrica a partir de uma barcaça com dois reactores nucleares. O Ministro da Economia, segundo o jornal asemana, já acha a ideia interessante, já anuncia que vai permitir a redução drástica dos custos de energia e já escolhe a ilha de Santiago para acolher o barco. Lançado, o balão expande-se por si mesmo no vacum, deixado pela ausência de políticas e de investimentos atempados para responder às necessidades presentes e de médio prazo do país e, particularmente, da cidade capital. Entretanto, questões sérias pairam no ar: a central é dos russos. Não a vendem. O preço seria superior a 200 milhões de dólares e iriam contra as normas do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Só pode ser operada por eles, e, sendo móvel, podem levá-la a qualquer momento. De 12 em 12 anos tem ser mesmo levada de volta para manutenção. Quem fica a fornecer energia? E no caso de manutenção ou avaria de um dos reactores, quem irá suprir a diferença energética? Quer isso dizer que a central flutuante não dispensa investimento em igual potência em terra, para cobrir todas as eventualidades? Se é assim, porque arriscar-se numa tecnologia que não pode ser transferida, numa produção que não pode ser controlada e numa relação com empresas de um país que já demonstrou vontade, em várias situações complicadas, de usar a carta de energia para pressionar os outros. Porque apostar num sistema que pode ser altamente ameaçador para o ambiente ou transformado em ameaça letal por desastres naturais ou acções terroristas, e que não deixa margem para a intervenção do país hóspede na prevenção ou contenção de estragos. O País gostaria de conhecer os pormenores do processo de decisão do Governo nesta matéria. Ou será que tudo isto é para ganhar tempo e simular trabalho no campo energético onde é cada vez mais evidente as consequências das omissões e das más decisões do Governo. De facto, a Rosenergoatom ainda não tem micro centrais atómicas. Está a construir um protótipo que ficará pronto em 2011 e que já está destinado para o porto de Severodvinsk, no mar Branco. Naturalmente que só depois de testar e certificar o protótipo é que outras micro centrais nucleares poderão servir os objectivos da empresa em vender energia e água para outros países. Considerando as urgências de Cabo Verde e o tempo necessário para adequar o país com uma dessas centrais, muito dificilmente se pode compreender a forma como o Governo aborda e agita uma matéria tão séria. Ou compreende-se: é o hábito arreigado de substituir actos de governação por propaganda e de gerar expectativas, inflamá-las e capturar votos no processo. Se as coisas correm mal, porque não se planeou adequadamente ou não se agiu em tempo, vem a outra parte, a desresponsabilização e o lançar culpas a governos anteriores, à oposição, a factores externos ou a agentes privados. A questão energética é vital para o Pais. É tempo do Governo deixar de se comportar nesta matéria como uma galinha tonta, saltitando de solução para solução (produtor independente, eólica, solar e agora nuclear), e governe.

segunda-feira, maio 14, 2007

Urgência duvidosa

A questão do crioulo recebeu recentemente mais um dos seus cíclicos impulsos políticos. Ministros, Primeiro-Ministro e Presidente da República têm-se desdobrado em declarações, pontuadas por elementos de retórica nacionalista, clamando pela sua oficialização. A Constituição já estabelece no nº 2 do art. 9º que o Estado promove as condições para a oficialização da língua materna, em paridade com a língua portuguesa. O País está à espera que o Governo enuncie e implemente as medidas necessárias. Tudo leve a crer que um dos principais objectivos a atingir com essas medidas seria a estandardização da escrita do crioulo. De facto quando se fala de urgência na oficialização crioulo está-se a pensar, essencialmente, em duas áreas que tal acto teria impacto: a comunicação escrita do/e com o Estado e a língua de ensino. E isso porque, diferentemente de outros países onde o respectivo crioulo foi oficializado, não há discriminação no uso da língua oral. Fala-se crioulo no Parlamento, quando convém, o PR, o PM e os Ministros falam crioulo com o País através dos órgãos de comunicação social, nenhum cidadão está impedido de fazer declarações nos Tribunais em crioulo e a Administração Pública responde a solicitações colocadas oralmente pelos utentes. Em Cabo Verde não há uma elite, como no Haiti, que só fala português. Ninguém acusa de elitismo os escritores, intelectuais e políticos que, no dia a dia, só falam português. Não se pode, pois, seriamente, erigir o crioulo como uma putativa língua de resistência em confronto com o português. Só se for para atiçar chamas nacionalistas em proveito próprio. O crioulo parece ter emergido do estado de isolamento, abandono e pobreza extrema vivido nas ilhas que não permitiu a subsistência de uma comunidade metropolitana homogénea capaz de impor a sua língua ao resto da população. Como aconteceu, por exemplo, no Brasil, mas também, na generalidade das colónias europeias nas Américas. Na Africa, as línguas europeias dos colonizadores tornaram-se línguas oficiais e, mesmo após a independência, continuam a ganhar terreno, suportando-se na crescente urbanização e escolarização. Se há algo para reflectir é porquê os caboverdianos parecem não ir nessa corrente. Apesar dos altos níveis de educação e de urbanização o crioulo continua inabalável na sua condição de língua materna. Sem stress. Os políticos são os únicos ansiosos perante a imaginada perda de autenticidade que resultaria da aprendizagem da história e cultura caboverdiana em português. Mas para o cidadão comum não há crise. E nem há para os escritores, músicos e artistas plásticos que têm conseguido passar com sucesso para o mundo inteiro a alma e a arte caboverdiana, sem quaisquer constrangimentos. O que se verifica, porem, é falta de uma demanda significativa para expressão escrita em crioulo. Isso manifesta-se na parca produção e também no fraco interesse do público leitor pelas obras existentes. Reflecte-se, ainda, na inexistência de jornais em crioulo, como acontece em Aruba, Curação e outras ilhas crioulas. Tudo isso leva a crer que o esforço de oficialização poderá traduzir-se num grande desperdício. O Estado obrigado a ter todos os seus documentos em português e crioulo standard, com todo os custos que isso acarretará, correrá o risco de ver isso tudo subutilizado, ou por uma falta de alfabetização generalizada no crioulo ou por falta de interesse. O argumento de facilitação dos alunos nos primeiros anos só parece ter sentido porque o Estado falha em propiciar às crianças caboverdianas o acesso ao português desde da tenra idade. Sabe-se hoje dos estudos das ciências cognitivas que as crianças até cerca de onze anos de idade têm a possibilidade de aprender várias línguas em simultâneo e a um bom nível. A consagração constitucional da língua portuguesa como língua oficial obriga o Estado a agir no sentido, por exemplo, de redefinir todo o pré-escolar como o centro focal do esforço nacional em tornar verdadeiramente bilingue o caboverdiano. O caboverdiano não é bilingue por deficiência do seu crioulo mas sim por falhas no domínio do português. E é isso que urge remediar. Quanto à viabilidade literária do crioulo já dizia Baltasar Lopes que “para o crioulo ser língua literária é necessário que exista um background escrito. Era preciso que já existisse uma literatura, um passado literário escrito para nós podermos escolher um crioulo padrão” . E acrescenta, “não confundamos viabilidade da língua escrita com a da língua oral. O uso oral do português data do século V ou VI… mas o português [escrito] só no século XIII”. Os países africanos, na generalidade, têm uma única língua oficial, a língua herdada do tempo colonial, que também é língua do ensino a todos os níveis. Em Cabo Verde, a abertura constitucional para a oficialização do crioulo existe mas as condições adequadas terão que ser criadas. Os governos devem ser pacientes e resistir à tentação de usar uma questão tão séria, e com implicações múltiplas e complexas, para o presente e futuro do País, como elemento de agenda político-partidária.

segunda-feira, maio 07, 2007

Duplicidades

O Primeiro Ministro de Cabo Verde no discurso de encerramento do Simpósio sobre o 1º Centenário da Geração do Movimento Claridoso, resolveu, a dado passo, ser claro no que pretendia transmitir: Apelou a que enterremos de vez as rivalidades improdutivas. Manifestou o desejo de um claro distanciamento, particularmente da parte dos jovens, em relação a determinados pseudo-debates datados e estéreis que em nada contribuem para o fortalecimento da ideia de Nação. E exortou a uma certa cidadania cultural reconhecível na capacidade de saber defender e promover a Cultura enquanto espaço privilegiado de consenso. Facilmente se reconhece aí os elementos recorrentes da ofensiva ideológica permanente que mantém o País sob tensão e procura dobrar a sociedade e controlar os indivíduos: O denegrir do pluralismo, a imposição de tabus e o elogio do consenso. São elementos visíveis, por exemplo, no ataque lançado pelo representante da Fundação Amílcar Cabral à tese de doutoramento do Gabriel Fernandes. Elementos de ataque sempre que algo contrarie os cânones da ideologia, outrora legitimadora do regime de partido único. Nessa perspectiva, o centenário de Baltasar Lopes da Silva constituía um problema. Não se podia deixar de referenciar a data mas também não interessava uma atenção excessiva capaz de abranger a totalidade e a complexidade da vida do Grande Homem. E, raciocinando de que não há melhor defesa do que o ataque, o Governo assumiu as comemorações e erigiu a capital como seu centro, relegando para o segundo plano S Nicolau e S. Vicente, onde subsiste com maior fulgor a memória das longas décadas de vivência de Baltasar nas ilhas. De centenário de Baltasar Lopes passou-se a centenário da geração dos claridosos. O foco das atenções foi desviado para o papel que outras personalidades, eventualmente, tiveram no eclodir da Claridade, enquanto movimento literário e cultural. Diluiu-se Baltasar. Curiosamente, uma figura que foi uma preocupação, se não obsessão de muitos, conferencistas, políticos e colunistas, foi o Amílcar Cabral. E não se percebe porquê. Ele não foi claridoso, não pertence à geração que pretensamente está-se a celebrar o centenário, e pelo que diz Dulce Almada, citada por Gabriel Fernandes, Amílcar sempre se apresentava como guineense. Ou percebe-se muito bem. Baltasar Lopes é o caboverdiano que muitos sentem que rivaliza com a figura mítica do Amílcar Cabral, criada pelo PAIGC. Por isso, a nota de quinhentos escudos com a imagem de Baltasar Lopes sempre incomodou. Imagine-se o regozijo com que, em certos quadrantes, foi recebida a iniciativa desconcertante do Banco de Cabo Verde de, no ano do centenário, eliminar a imagem do Baltasar das notas. A duplicidade da actuação do Governo não augura nada de bom para propostas com as do PM de criar bolsas de criatividade. O desejo de controlar a produção cultural é evidente. Como é também o de manter tabu sobre certas matérias. Por outro lado, a disposição em condicionar os criadores com favores ou desfavores, conforme os casos, é por demais manifesta. A protecção da propriedade intelectual, que deveria ser a primeira opção de suporte aos criadores, porque lhes garante independência e sustentabilidade na criação, não parece estar nas preocupações do Governo. A pirataria, particularmente do material audio-visual, impera sem que o Estado afirme a sua autoridade. Ficam prejudicados os artistas nacionais e deixa-se estar a ideia da edificação de uma indústria de cultura no reino da propaganda, sem tradução efectiva para o concreto. O Governo não tem o direito de impor uma agenda cultural ao País. Ao Estado está simplesmente reservado o papel de promover a actividade cultural nas suas múltiplas expressões, deixando de lado tentações de intérprete da história e de juiz de correntes artísticas e culturais. Impõe-se que o Governo se resuma nestas matérias ao papel que lhe é exigível no ambiente de pluralismo e de liberdade de expressão e de informação, que deve caracterizar a nossa democracia.

sexta-feira, março 09, 2007

Opções que tardam

Segundo a Inforpress, anteontem, a ministra de Defesa de Cabo Verde assinou com o Ministro de Interior espanhol um memorando de cooperação visando a fiscalização do espaço aéreo e marítimo do País. A não coincidência das pastas ministeriais dos dois governantes sugere diferentes perspectivas quanto aos meios, métodos e forças necessários ao cumprimento da missão. Para o espanhol trata-se de matéria de Segurança Interna, competência natural do Ministério do Interior, e para isso engaja a Guarda Civil, uma força de Segurança, apesar de militarizada. Para Cabo Verde são as Forças Armadas, constitucionalmente vinculadas à defesa nacional, que se envolvem em matéria de segurança das costas e praias e de controlo da imigração clandestina e do narcotráfico, ou seja de questões essencialmente policiais, questões de Segurança Interna. Imagine-se as dificuldades de cooperação com outros países e instituições internacionais devido à disparidade de entendimento sobre questões de Defesa e Segurança. Sem falar nos constrangimentos postos pela Constituição que, no n.1 do art. 240º, entrega à Polícia a segurança interna e, na alínea b do n.2 do art. 244º, diz que as Forças Armadas podem prevenir os diferentes tráficos, mas em colaboração e sob a responsabilidade das autoridades policiais. Ou seja, a Ministra de Defesa assinou, mas para a Guarda Costeira operar efectivamente tem que ter a colaboração da Polícia Nacional, do Ministério da Administração Interna. Uma questão se põe imediatamente: Como justificar a integração da Guarda Costeira nas Forças Armadas se a sua missão natural é de natureza policial? Nos Estados Unidos, a Guarda Costeira sempre esteve com o Departamento dos Transportes e, recentemente, passou para o Departamento da Homeland Security, correspondente ao ministério do interior. Noutros países como é o caso da Espanha a missão da Guarda Costeira é cumprida por forças de seguranças e não pelas forças armadas. Pode-se ainda perguntar porque razão o Governo, vários anos falando de reformas, não faz a reforma óbvia que é dotar o País de uma força capaz de policiamento dos espaços, aéreo e marítimo, e das costas e praias. A dificuldade, parece, está em encontrar missões para as Forças Armadas, assim como estão estruturadas. Fala-se de missões de paz mas não se sabe em que especialidade as FA iriam contribuir na força multinacional. Ultimamente surgiu a ideia da polícia militar. Não é aparentemente visível de onde viria a experiência das FA neste domínio capaz de potenciar um centro de formação de formadores para os países da CPLP. Nesta busca vê-se que o Governo quer salvar as FA, mas não sabe como. No processo, prejudica a criação de uma guarda costeira e adia a adequação dos escassos recursos humanos e materiais às reais exigências da Segurança Nacional. As FA herdaram das FARP o essencial das suas opções de organização. Mas as FARP constituíam o braço armado do Partido, nos primeiros 15 anos após a independência, e a sua estrutura reflectia o papel que desempenhava no aparato de defesa do regime. A ênfase era colocada no exército porque o inimigo mais provável do regime seria interno, seria a própria população. A Guarda Costeira, virada para conter ameaças do exterior, nunca passou, em termos organizacionais de um estado incipiente. Ninguém espera que oficiais do exército construam, de raiz, um outro ramo das forças armadas. Não têm expertise específica, não têm sensibilidade para as necessidades e desafios de outros ramos e não conseguem gerar uma cultura organizacional distinta do seu ramo de origem. Os resultados da teimosia vêem-se por aí: CV é um país arquipélago e não desenvolveu forças para policiar as suas águas, costas e praias. Nem se capacitou para operações de busca e salvamento, muito menos para controlo de poluição marítima e combate aos diferentes tráficos. Se tivesse adquirido experiência e capacidade operacional nesses domínios, hoje, estaria numa posição vantajosa para fornecer serviços na sub-região, a cooperação com outros países seria muito mais abrangente e a possibilidade de participação em forças multinacionais realizar-se-ia. O País precisa debater, com profundidade, as suas opções no domínio da Segurança Nacional e adequar as suas forças às ameaças actuais e emergentes. Ter Guarda Costeira, como uma força de segurança, é uma opção a considerar.

quarta-feira, março 07, 2007

Sanha contra os anos 90

A governação da década de 90 é sistematicamente atacada pelos actuais governantes. Tudo leva a crer que os ataques persistirão por muito tempo. É uma situação algo estranha na democracia. Noutras paragens, ao novo governo, permite-se cem dias de lua-de-mel, durante os quais as críticas da oposição e dos mídias são mitigadas, e seis meses para ainda culpar a governação anterior. Passado esse período, o novo governo assume total responsabilidade e sofre o impacto total do criticismo da comunicação social e da oposição. Em Cabo Verde acontece algo de extraordinário: o governo, no seu segundo mandato, ainda continua a confrontar o que o antecedeu, seis anos antes. E a confrontá-lo de forma dura, cáustica e belicista. A percepção geral é que isso constitui perda de tempo, de energia e de atenção, com consequências na resolução eficaz e atempada dos problemas actuais. De facto o País não pára. O Cabo Verde que teve a governação do MpD não é o mesmo de vários anos depois. Não se pode, em boa fé, exigir, hoje, do MpD algo que, há muito, não tem possibilidade de resolver - porque não governa - ou de o culpar, por eventuais erros cometidos, quando, pela mesma razão, não os pode corrigir. A irrazoabilidade dos ataques, aliada à sua natureza sistemática e permanente, pode dirigir qualquer observador a concluir que os verdadeiros alvos não são o MpD, ou a sua governação. Procura-se atingir, realmente, a memória e o significado profundo dos anos 90. De facto, essa década decisiva do Pais, não se define como o ano dos dois mandatos do MpD. Ficará fundamentalmente para a História como os anos da libertação do totalitarismo, da adopção da primeira Constituição, Democrática e Liberal, da construção do Estado de Direito democrático, da emergência do mundo autárquico, e das reformas económicas, entre as quais a liberalização económica, as privatizações e o acordo cambial, que restauraram a dignidade e a iniciativa ao indivíduo e integraram o País no mundo e na modernidade. O grande problema nisso tudo é que o PAICV foi um protagonista inconformado em todo o processo. Forçado a fazer a Abertura pelos acontecimentos que desembocaram na queda do Muro de Berlim e no fim da Guerra Fria, tentou manter-se no Poder na nova fase, mas perdeu. A 13 de Janeiro de 1991, viu-se na condição de oposição num sistema político que, de forma inexorável, se afastava dos princípios e valores do regime dos primeiros 15 anos após a independência. A adopção de uma nova Constituição e de uma nova bandeira nacional simbolizou a ruptura completa com o passado. Para o PAICV, apresentar-se perante a sociedade, os correligionários e os amigos internacionais como vítima do novo regime passou a ser um componente essencial da sua estratégia de sobrevivência. Resultou, mas o preço a pagar é demasiado caro, tanto para o partido como para o País e a sociedade. O PAICV vê-se completo na sua trajectória histórica. Não assume o conflito inevitável entre o passado de partido único, que nunca renegou, e a sua condição de partido legitimamente eleito para governar num sistema democrático. O conflito de um partido, hoje no Governo, a beneficiar dos ganhos do percurso em direcção à Boa Governança, ou seja em direcção à Liberdade Política, à Liberdade Económica e à afirmação do indivíduo, e, ao mesmo tempo, a resgatar e a integrar, como inseparável de si próprio, uma longa história de luta contra esses mesmos princípios. As baterias apontadas contra a década de noventa, aparentemente numa postura bélica contra o MpD, são na realidade a forma como o conflito é resolvido no seu seio. Esse é o drama do PAICV. O drama do País é que o Cabo Verde moderno tem que ser construído a partir dos alicerces já erguidos. Ao dedicar tanta energia em atacar a década de noventa o Governo fragiliza o trabalho de continuidade, que é forçado a fazer por razões várias entre as quais obrigações internacionais, e mantém o País numa postura de, permanentemente, rever os seus passos, passos esses cada dia mais distantes e cada vez mais longe do contexto onde se situaram, e eventualmente se justificaram. É tempo dos caboverdianos dizer aos governantes que ninguém os elege para olhar para o passado e para procurar reinterpreta-lo. Não é esse o papel do Estado. Foram eleitos para construir o futuro, salvaguardando as conquistas fundamentais, designadamente as que garantem a dignidade do indivíduo, as que preservam a sua liberdade e as que lhe possibilitam exercer o seu direito à felicidade e à prosperidade pessoal e familiar.

segunda-feira, março 05, 2007

Conflito de interesses: Negar ou prevenir

Negam-se ou suprimem-se quando, como Amílcar Cabral, se pensa que a Luta só podia ser dirigida por uma pequena burguesia capaz de se suicidar, enquanto classe, e de se identificar com as massas populares. O irrealismo da proposta de suicídio, conjugado com a sua defesa activa como condição para se ser dirigente do Partido, criou uma cultura política onde o culto do igualitarismo anda de mãos dadas com o cinismo e a hipocrisia. Onde se faz o alarde do ascetismo revolucionário e, em simultâneo, se dá aos dirigentes acesso a benesses únicas, onde se joga livremente com a verdade para manter a esperança das massas nos amanhãs que cantam e onde se proclama exclusividade na defesa dos interesses públicos quando, de facto, a gestão do Estado é privada e serve desígnios de Poder de alguns. É esta cultura política que sentou arraiais no País durante os quinze anos do Partido Único e que se caracterizou por uma arrogância sem paralelo. Parafraseando Lord Acton, se o Poder gera arrogância, o Poder absoluto gera arrogância absoluta. E isso é patente na célebre declaração do então Primeiro Ministro, Pedro Pires, no comício da Proclamação do PAICV, a 20 de Janeiro de 1981: Não admitimos que pessoas de passado confuso e duvidoso pretendam agora erigir-se em moral desta sociedade. Só existe uma única moral, a revolucionária. A moral dos que deram tudo para que este país fosse independente e para que este seja o que é neste momento. No debate sobre a Gestão Pública e Transparência, ficou claro essa cultura política e essa arrogância persistem no PAICV. O Presidente do MpD foi confrontado com um alegado passado confuso e duvidoso para lhe negar o direito de alertar para o deslize nos procedimentos públicos em direcção a uma gestão privada e opaca dos assuntos do Estado. O Primeiro Ministro e Ministros, pateticamente, proclamaram a sua seriedade pessoal entre gaffes várias, indiciadoras de conflitos de interesses na adjudicação e fiscalização de obras. Exibiu-se, como faces da mesma moeda, um patriotismo exclusivo para qualificar quaisquer críticas como atentados aos interesses de Cabo Verde e uma insensibilidade inaceitável face a potenciais conflitos de interesse. Assim, parece natural que um empresário, cuja hiperactividade é verificável no Google, seja membro da Comissão Política, o órgão central de decisão do partido que suporta o Governo, e tenha exercido a função de financeiro no partido num passado recente. Ou que o presidente da RTC, com o seu intervencionismo conhecido na Televisão e na Rádio, seja um militante activo, reeleito, em Outubro passado, para a direcção do partido. Ou ainda que o Instituto das Comunidades, uma entidade sensível ao qual se exige altos níveis de isenção e imparcialidade, seja presidido pela mesma pessoa que no Secretariado Nacional do PAICV detém o pelouro das comunidades. Com tal insensibilidade não é de estranhar que conflitos de interesses proliferem. Previnem-se, porém, os conflitos, instituindo as regras da Boa Governança. Mas é preciso compreender, primeiro, que Boa Governança é um ideal. Luta-se por ela construindo as instituições do Estado de Direito, implementando os procedimentos, que salvaguardam os princípios de justiça, imparcialidade e isenção na tomada de decisões, e respeitando os direitos fundamentais dos cidadãos. E só se realiza com um esforço permanente de reforma da Administração. Para se ter uma ideia da magnitude do desafio, convém lembrar Renato Cardoso. Num artigo publicado em Outubro de 1988, chamou a atenção para às consequências desastrosas na eficácia da Administração [causadas] por afogamento da máquina do Estado no mar de intervenção omnipresente e omnipotente das instituições políticas. Acrescentou ainda no mesmo artigo que o poder político desenvolve uma noção limitativa da função da administração pública querendo-a instrumento amorfo das suas orientações, estabelecendo com ela relações autoritárias baseadas na desconfiança permanente e cerceando-lhe qualquer participação cívica responsável. Esse foi o ponto de partida. Como se vê, um ponto muito abaixo do zero quando se parte dessa máquina descrita por Renato Cardoso para construir uma Administração com uma ética republicana de serviço público. Por isso, o que menos ajuda o País e a sociedade nessa tarefa é o cinismo e a hipocrisia reinantes, produtos dessa ética do homem novo em que os fins justificam os meios. Também não ajuda a dificuldade, particularmente dos políticos, do poder judicial e dos mídias em vislumbrar, de forma plena, as consequências, para o País e para a sociedade, da persistência de conflitos de interesse entre o público e o privado. 

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Ir além da politiquice

Investidores interessados nas zonas de Salamansa, Flamengos, Tupim e Saragaça, entre os quais alguns que já apresentaram o Master Plan para essas zonas turísticas de S.Vicente, receberam hoje um balde de água fria da parte do Governo. A Direcção do Património do Estado fez-lhes saber que os terrenos inscritos em seu nome na Conservatória e que compraram da Câmara Municipal de S.Vicente são na realidade propriedade do Estado. Também lhes informa que, face à nova realidade, se continuarem interessados em investir deverão conduzir todo o processo sob a coordenação do Governo de Cabo Verde. O que espanta de imediato nesta situação é a displicência e a irresponsabilidade com que uma matéria tão delicada como a propriedade é tratada pelo Estado. Segurança quanto aos direitos de propriedade e aos direitos contratuais é um factor chave de desenvolvimento. Constitui o fundamento do ambiente de confiança imprescindível à actuação de investidores e empresários nacionais e estrangeiros. Não há, porém, confiança que aguente quando é o próprio Estado que, com pleno conhecimento de passos dados, decisões tomadas e transacções feitas, ao longo de um processo de investimento, deixa para uma fase crucial dos projectos para questionar direitos, já tidos por assentes por investidores. E isso tudo, aparentemente, para disputar com o município milhares de contos de venda de terrenos quando os investimentos que põe em causa são de milhões de contos e capazes de gerar emprego e crescimento económico de S.Vicente e do País, numa escala sem precedentes. Não se espera do Governo que a sua preocupação central seja receitas extraordinárias retiradas de venda de terrenos. Aliás essas receitas nunca deviam deixar a ilha. O princípio devia ser a sua aplicação em projectos municipais ou em empreendimentos estruturantes e potenciadores de turismo. Nunca ir engordar o Tesouro para, logo de seguida, desaparecer em um dos muitos buracos negros que a Administração tem facilidade em criar. Assim as razões de disputa desapareceriam e a atenção concentrar-se-ia no principal. De facto, espera-se que o Governo veja nos projectos previstos para S.Vicente a possibilidade de uma dinâmica nova e sustentável para a economia da Ilha com impacto directo nas ilhas vizinhas de S. Antão e S. Nicolau. Espera-se que veja mais longe e compreenda que o sucesso desses investimentos tem o potencial de demonstrar que é possível desenvolver dinâmicas de crescimentos em diversos pontos do país na base de uma relação directa das ilhas como o mercado global. A esperança num futuro de prosperidade depende de conseguirmos contornar a sina de países arquipélagos que vivem de subsídios da comunidade internacional ou das regiões e países onde estão integrados. Hoje é evidente que uma onda de oportunidade está a formar-se. O País deve poder aproveita-la sem cair na armadilha do enriquecimento fácil e com base na especulação de terrenos, sem se deixar desviar pelo protagonismo político deslocado de governantes e autarcas e sem sucumbir à tentação de aumentar as  despesas doEstado na base de receitas inesperadas e não repetíveis.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Política energética inteligente

Foi hoje notícia no jornal The New York Times a decisão da Austrália em substituir as lâmpadas de incandescência por lâmpadas fluorescentes compactas em todo esse país continente. A poupança em energia resultante da substituição das lâmpadas permitirá uma utilização mais eficiente da potência instalada e terá um significativo impacto no ambiente considerando que, para se proporcionar iluminação artificial ao nível mundial, emite-se gases de estufa igual a 70 porcento das emissões de todos os carros de passageiros no planeta. Uma proposta em convergência com a decisão de Austrália foi apresentada pelos deputados do MpD em Junho de 2006 na discussão da proposta de Orçamento (OE). Precisamente quando a Praia estava a enfrentar o seu pesadelo do verão de cortes de energia. O Governo não prestou a devida atenção. Calcula-se que, em média, mais de 50 porcento do consumo doméstico de energia eléctrica vai para a iluminação. A percentagem é ainda maior para as famílias mais pobres. Substituindo as lâmpadas de incandescência por lâmpadas fluorescentes compactas que gastam, em média, 5 vezes menos energia e têm um tempo de vida muito superior, imagine-se a poupança para os consumidores e o alívio para Electra, particularmente na Praia onde produz energia nos limites da sua capacidade. A poupança na iluminação podia ser alargada com a regulação do uso de energia eléctrica na produção de água quente. Na referida discussão do OE para 2006 também foi proposta que, em substituição dos termo-acumuladores, se tornasse obrigatória o uso de colectores solares nos prédios novos, especialmente nos blocos de apartamentos. Portugal no ano passado tomou essa medida e com isso, para além dos ganhos evidentes no uso da energia, criou um mercado para os colectores e um número de postos de trabalho na instalação e manutenção desses equipamentos. Cabo Verde precisa agir com decisão no domínio energético. E acção significa a procura sistemática de eficiência no uso da energia. A preocupação do reguladores deve dirigir-se, como já é tendência global, para a definição do consumo dos aparelhos em stand by, para o estabelecimento de standards de consumo mínimo para electrodomésticos e para soluções de menor consumo de água nos chuveiros, torneiras e autoclismos. Uma especial sensibilidade deverá orientar a arquitectura e o design interior de casas e apartamentos com vista a diminuir a utilização da iluminação artificial e minimizar o uso dos aparelhos de ar condicionado. O Governo incorporou isenções para painéis solares no OE de 2007, mas é preciso muito mais e de uma forma mais compreensiva. Política energética não significa somente falar de energias renováveis. Começa por significar o delinear de um plano global de procura de maior eficiência no uso da energia com ganhos para os consumidores, para os operadores, para o País e para o Ambiente, nacional e planetário.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Foco estratégico precisa-se

A Universidade de Cabo Verde tem uma presença forte nos noticiários nacionais. Até parece excessiva. É como se alguém procurasse impregnar antecipadamente na consciência das pessoas a existência de algo ainda em processo de ser. O programa da UNI-CV aponta para 2011 o início normal de actividades de ensino. Entretanto, desdobra-se em múltiplas actividades, noticiados ao pormenor, com destaque para acções de cooperação com universidades estrangeiras. Publicita que já está a preparar mestrados no País e, seguindo o modelo adoptado de universidade em rede, poderá, entre outras acções, vir a fazer ensino à distância. Para a generalidade dos jovens e, especialmente dos seus pais, a grande questão é para quando a possibilidade de fazer uma licenciatura em Cabo Verde. E de obter esse grau académico em cursos estruturados de acordo com o processo de Bolonha, passíveis, portanto, de certificação por universidades estrangeiras, designadamente europeias. Também se deseja que esses cursos sejam ministrados por docentes com credenciais académicos impecáveis e num ambiente de completa liberdade intelectual. A preocupação das pessoas, pais e filhos, ganhou uma outra dimensão com o fim do sistema de financiamento de bolsas de estudo para o estrangeiro, que vigorou até o ano 2000, e com o número crescente de estudantes a terminar o 12º ano, resultante da expansão rápida do ensino secundário por todas ilhas. Responder a essa preocupação deveria ser o objectivo central da Universidade Pública de Cabo Verde. Desde de 1991 que os programas dos sucessivos governos definiram como objectivo do Estado assegurar aos jovens a possibilidade de fazer os seus estudos superiores no País, ao nível de licenciatura. Mas uma inércia espantosa tem tolhido a acção governamental e, particularmente, a acção do Ministério da Educação. Nem a urgência criada pelo término do sistema de financiamento de bolsas, em 2001, serviu para apressar as coisas. A Comissão Instaladora foi criada em 2004 e só em 2011, dez anos depois, é que se prevê o início da actividade normal da Uni-CV. O corpo docente ainda está por ser criado e preparado. Entretanto centenas de jovens continuam a sair do país para cursos superiores. Os outros, com o seu 12º ano, ou ficam de stand by ou ingressam nas várias escolas pós-secundárias, públicas e privadas, que vão se estabelecendo no País. Limitações de vária ordem condicionam a actividade dessas escolas e a relação dos alunos com o mundo académico envolvente que deviam propiciar. Por isso, ainda não é imediatamente perceptível no País e nas comunidades o efeito, vivo e forte, que resulta da presença de jovens mergulhados no turbilhão de actividades intelectuais, culturais, artísticas e desportivas, normalmente associadas às universidades. Cabo Verde precisa dos seus jovens nessa idade crítica de fim da adolescência e de início da idade adulta. Precisa da energia, da capacidade de contestação, da vontade de experimentação e da ambição. Não há muitos ganhos em tê-los quase guetizados em países estrangeiros, muito novos ainda para se aproveitarem das possibilidades que lhes são oferecidas. O esforço do País quanto à formação superior no estrangeiro deve ser dirigido fundamentalmente para os níveis de pós graduação. É aí que mais valias estratégicas poderão ser conseguidas, designadamente na absorção de conhecimento e tecnologia avançados para posterior desenvolvimento da capacidade de inovação no País. Também é com quadros pós-graduados em universidades de renome que o País poderá credibilizar a sua universidade, desenvolver uma estratégia de colocação de pessoas em organizações internacionais e prestar serviços internacionais, aproveitando o actual quadro da globalização em que o offshoring e o outsourcing se inscrevem. Não é por acaso que Singapura, para se desenvolver, optou por manter o maior rácio do mundo de estudantes per capita a pós graduar nos Estados Unidos da América.  

terça-feira, janeiro 30, 2007

Fraqueza induzida

Na quinta feira, dia 25, o Governo concedeu licença a quatro operadores de Televisão, três com transmissões nacionais e uma regional. Essa decisão levanta uma série de questões: 1- Qual é a base de sustentabilidade económico-financeira dessas TVs? O mercado caboverdiano de publicidade é reconhecidamente minúsculo e há proibição expressa de financiamento de partidos e confissões religiosas, autarquias e sindicatos e organizações patronais (artigo 6º da Lei da Televisão). Fazer televisão não é barato. Não é por acaso que televisões privadas de âmbito nacional não proliferam na maior parte dos países. Portugal, por exemplo só tem a SIC e a TVI. 2- Porque é que o Governo optou por licenciar uma televisão estrangeira para transmitir em sinal aberto quando o art 27º da Lei de Comunicação Social permite-lhe reservar um sector tão sensível como é o audiovisual. De facto não há muitos exemplos nos outros países de TV estrangeira a transmistir livremente. E compreende-se quando se tem em devida conta a extraordinária influência que conteúdos televisivos têm na forma de estar e de perceber o mundo das pessoas, particularmente das mais jovens. A relutância é ainda maior nos países novos onde é mais premente a preocupação em afirmar a identidade e em promover uma cultura própria. 3- Será que o Governo levou em consideração a alínea c) do art. 7 da lei de comunicação social e actuou de forma consequente para preservar e defender o pluralismo no sector televisivo? Uma das licenças foi para uma televisão pertencente a um membro proeminente da Comissão Política do PAICV. Certamente que isso não contribui para o pluralismo na informação, particularmente quando é evidente as dificuldades da televisão pública, a RTC, onde pontifica um outro membro da Direcção Nacional do PAICV, em se libertar da cultura politico-ideológica do partido no Governo. Uma das grandes fraquezas da comunicação social em Cabo Verde reside na excessiva concentração dos mídias nas mãos de sectores de opinião próximos do partido no governo. Tal concentração induz auto-censura em muitos jornalistas, desmotiva os mais ousados e seduz outros com jobs múltiplos. Esse efeito é ainda amplificado pela guerrilha permanente, movida por círculos do PAICV a certos órgãos de comunicação, guerrilha da qual não se coíbe o próprio Primeiro Ministro nas suas tiradas contra o Liberal e o Expresso das Ilhas. A acção crime movida contra a TV PULU, pelo seu timing, pouco antes de publicação do regulamento do concurso para as licenças de TV, sugere uma intencionalidade que não se pode ignorar. Serviu para bloquear uma iniciativa já com equipamentos testados e com experiência relevante de transmissão e de produção televisiva. O País, com as actuais licenças de TV, provavelmente não ganhou nem em pluralismo de opiniões nem em diversidade de sensibilidades, que se espera de um país arquipélago onde todas as ilhas têm bem vincado o seu carácter. A opção do Governo em se comunicar com o País pela via de propaganda, sem muita preocupação com os factos ou com a verdade dos factos, acaba por coloca-lo numa posição de fragilidade quando enfrenta o contraditório. Para contornar isso, move-se para açambarcar a informação e dificultar o acesso de adversários e de opiniões diferentes aos mídias. A Democracia ainda está por se consolidar em Cabo Verde. Muitos culpam os políticos mas o facto é que a Democracia só sobrevive num ambiente sócio-político onde há uma comunicação social livre e plural e um poder judicial independente e cioso do seu papel central em manter o Estado de Direito democrático e em proteger os direitos fundamentais dos cidadãos.  

sexta-feira, janeiro 19, 2007

CV é uno. Afirmar a caboverdianidade

Dias atrás uma notícia do “asemanonline” sobre a distribuição na população caboverdiana de algumas características genéticas fez furor na sua página de comentários. O mesmo estudo incide sobre a população portuguesa, indiciando a presença no norte e no sul de Portugal de genes originários da população do Norte da Africa para aí transportados em dois momentos históricos distintos. A leitura genética também faz crer que certos genes presentes na Guiné Bissau vêm da mesma população que 4500 anos atrás, perante o avanço do deserto, migrou para o Norte de Portugal e para o Sul do Sara. Que se saiba não houve qualquer furor em Portugal com o Norte e o Sul a verem-se diferente do Centro mais europeu. Porque isso acontece em Cabo Verde é caso para reflexão. De facto, pergunta-se porque o caboverdiano claramente um povo, uma língua, uma cultura vêm assumindo a existência de diferenças no seio, mesmo quando procura dissipar as consequências e cria o slogan “badio cu sampadajudo nôs ê cool”. Como se dois grupos étnicos se tratasse. Como se badio, na sua asserção contemporânea, não fosse simplesmente natural da ilha de Santiago, não se estipulando outros critérios. Os sampadjudos são simplesmente não-badios, ou seja os naturais das outras ilhas. A carga, que essas designações aparentemente inócuas vêm tomando, pode ter matizes ou aproveitamento políticos mas a sua origem está essencialmente na fragilidade, adquirida pelo caboverdiano na sua relação com o exterior. O insucesso na implantação do plantation system, da economia escravocrata em Cabo Verde, por várias razões designadamente a falta de chuvas, e o relativo isolamento do arquipélago permitiram a emergência de uma sociedade crioula completamente diferente das encontradas em S.Tomé, Brasil e Caraíbas. Não obstante terem os mesmos ingredientes humanos, a dinâmica divergiu e, enquanto essas sociedades viveram num caldeirão de tensão racial, em Cabo Verde, essa tensão não existe. O problema, para o caboverdiano, surge é quando enfrenta o mundo lá fora. E depara-se com negros, vários gradientes de mestiçagem, devidamente reconhecidos, e brancos cujos relacionamentos são marcados pela cor da pele. Os mestiços nessas sociedades, diferentemente do caboverdiano na sua terra, são inseguros e comportam-se como gente apanhada entre dois mundos, não sabendo bem onde se situar. A estranheza inicial do caboverdiano passa a fragilidade e, não leva muito, também já se sente dividido. E traz essa divisão para dentro. E é o regresso à sociedade pré-crioula do choque entre os “apports” europeu e africano. Daí é um passo para se saber qual é predominante, que parte da população ou que ilha expressa mais um do que o outro. Não tarda que alguém se questione quem deve ter o Poder. Porque cai o caboverdiano nessa armadilha? Gabriel Fernandes, a dado passo do seu livro Em Busca da Nação (pag.202) explica: No novo contexto, em que a política, mais do que a cultura, é o que passa a nortear sua luta emancipatória, os caboverdinos não se concebem a partir de dentro, da sua peculiaridade cultural, mas sim de fora, da sua compartilhada situação de africanos e dominados”. E continua, “…os actores políticos caboverdianos acabaram por exacerbar as diferenças internas abrindo um fosso entre os próprios caboverdianos, doravante percebidos, não em termos culturais-unitários, como parte integrante de uma entidade peculiar, mas sim político-dualísticos, sob o rótulo de anticolonialista ou de colaboracionista”. Face a essa arremetida política, erosiva da sua identidade, o caboverdiano, em vez de se encontrar na criação singular, que a insularidade e outros condicionalismos históricos lhe permitiu, abriu-se, deixando-se sequestrar por tensões exteriores que lhe negam uma identidade específica e minam as forças para procurar um destino próprio. E porque se deixou que as ilhas fossem fragilizadas, a diáspora sofre no fervilhar de afirmações identitárias nos países hóspedes, sem saber onde se situar e onde e como ser aceite. O que pode configurar uma vantagem comparativa, a inexistência de quaisquer tipo de tensão racial, como as tropas de várias nacionalidades da NATO puderam comprovar em primeira mão, não será aproveitada se persistirem as ambiguidades. Quando o turismo e particularmente o turismo residencial começa a acontecer é fundamental que se reforce a percepção da especificidade do povo caboverdiano e do carácter único da sua trajectória como nação de forma a potenciar o fluxo turístico, preparar o país para aproveitar a oportunidade e elevar a auto-confiança e auto-estima dos caboverdianos. A diáspora também agradece. 

quinta-feira, janeiro 18, 2007

CV estratégico: realidade ou mito?

Volta e meia os governantes falam da importância geo-estratégica de Cabo Verde, da sua vocação de ponte entre Europa, Africa e América e da sua condição de porta privilegiada de entrada na Africa Ocidental. Tempo, energia e recursos têm sido disponibilizados para fazer desses sonhos uma realidade. Os resultados são mínimos. Pelo contrário, acumulam-se prejuízos e criam-se vulnerabilidades novas quando, em antecipação e no quadro de estratégias mal concebidas, tomam-se medidas desajustadas. É o caso de dívidas de mais de um milhão de contos, derivadas da fixação na ideia de hub dos transportes aéreos, que pôs um Boeing 737 a voar muitas vezes vazio entre algumas cidades da região. É o caso da aceitação do princípio da livre circulação das pessoas na CEDEAO, na perspectiva de se ser uma porta para a Africa. Não obstante estes e outros reveses, tanto no passado remoto como no mais recente, os mitos à volta da importância estratégica de Cabo Verde persistem e renovam-se sem se deixar abalar por sinais em sentido contrário. Os casos pontuais na história, em que por algum tempo e por razões fortuitas designadamente comerciais, logísticas ou militares ganha alguma relevância nas relações internacionais, concorrem para alimentar o mito. As oportunidades fugazes, em vez de quebrar a ilusão, suscitam sentimentos, sucessivamente, de nostalgia, de recriminação e por último de vitimação. Em vez de uma postura dinâmica o País adopta uma postura estática, correndo o perigo de se tornar fatalista com as sucessivas frustrações. Já é tempo de uma perspectiva mais sóbria da importância estratégica do País. Em simultâneo, há que estar mais alerta para oportunidades que despontam e mais proactivo em notar e adequar-se a tendências emergentes da dinâmica económica global e de alterações geopolíticas na região e no mundo. Para isso deve-se cair no real, como dizem os brasileiros. No passado remoto, Cabo Verde nunca teve a importância, por exemplo, de Canárias, Goré no Senegal ou S.Tomé e Príncipe no tráfico de escravos. No passado mais recente de navegação transatlântica, o tráfico no Porto Grande não teve a dimensão de Las Palmas, nem de Dakar. E não foi possível mantê-lo com as inovações tecnológicas que aumentaram a autonomia dos barcos. Ultimamente, a saída da SAA do Sal para Dakar mostra o que acontece quando razões de natureza política, militares ou estratégicas se alteram ou desaparecem e razões de natureza comercial impõem-se. Cabo Verde é um pequeno país, com uma população minúscula e situada a 600Km da costa africana. Tem uma diáspora mas não do tipo chinesa, empreendedora e comercial, que lhe pudesse abrir as portas dos países hóspedes. A região continental onde se situa é das menos dinâmicas do mundo e com sinais fortes de instabilidade. Mesmo quando se apresenta como um oásis de estabilidade não fica sem rival: o Senegal. Fala-se de uma importância estratégica renovada. A preocupação dos Estados Unidos, face à instabilidade do Médio Oriente e aos caprichos de Chavez, de garantir um fluxo do light sweet crude, a partir de Angola e do Golfo da Guiné, e a ansiedade da Europa em assegurar-se que não fica nas mãos dos russos, em termos energéticos, criam a necessidade de um corredor de segurança, entendendo-se pela a costa africana, Cabo Verde, Golfo, até Angola. A tentação é grande para outra vez se cair na ilusão. Quebra-se o encanto dizendo que, com base na informação publicada, S.Tomé tem mais valor estratégico. Fala-se de base americana para aí. A melhor postura para o País parece ser aproveitar no máximo as oportunidades enquanto existirem, não perder de vista as actividades geradoras de riqueza e de emprego e investir nos recursos humanos para bem colocar o caboverdiano na cadeia global de criação de valor.  

terça-feira, janeiro 16, 2007

o porquê da crispação

As comemorações do 13 de Janeiro mostraram que duas ideias de Liberdade e de Democracia ainda se chocam em Cabo Verde. Na Constituição, Liberdade resulta do princípio do respeito pela dignidade humana. O indivíduo aparece como sujeito com direito a procurar a sua felicidade. A Democracia é consequência da consagração da vontade soberana do povo como fundamento da legitimação do exercício do Poder. Da interligação orgânica dessas duas ideias emerge o sistema de direitos, liberdades e garantias e o Estado de Direito democrático O choque verifica-se sempre que a ideia da liberdade, enquanto esfera de defesa do indivíduo contra a intervenção ou a agressão do Poder do Estado, é minimizada e se dá prioridade à satisfação das necessidades básicas. É o que se extrai do discurso do Presidente da Câmara da Praia no dia 13 de Janeiro : “nós temos um sentido claro da democracia e da liberdade, que não é só falar, fazer comícios, não é só vibrar no Parlamento, mas é sobretudo trabalhar para levar a felicidade a cada um e a cada família cabo-verdiana”. O raciocínio dele não é novo. Foi feito ao longo de décadas por comunistas quando confrontados com a falta de liberdade e democracia nos seus países. E também é falso. A História demonstrou que não se troca Liberdade por felicidade. Os caboverdianos viveram, durante as décadas do salazarismo e os 15 anos do partido único, sob versões dessa ideia que atropela a dignidade das pessoas, que sacrifica as liberdades individuais em nome do Estado e que vê o homem não como sujeito mas sim como objecto dos poderes. E sofreram as consequências. Não é admissível que as autoridades usem as suas prerrogativas para insistirem com ideias que contrariem frontalmente os princípios e valores constitucionais. Também não é admissível que o Primeiro-Ministro se aproveite da data do 13 de Janeiro para atacar a Democracia. Aparentemente a despropósito, o PM, na sequência do discurso do Presidente da Câmara, apontou situações de violação de direitos que se teriam verificado há dez ou mais anos atrás na vigência do regime democrático. Chegou mesmo ao ponto de se apresentar pessoalmente como vítima. As denúncias extemporâneas do PM só se compreendem se o objectivo for demonstrar às pessoas que não é o sistema democrático, com o seu leque de direitos fundamentais, a independência dos tribunais e a exigência da conformidade da acção do Estado à Constituição e à Lei, que se constitui como garantia contra abusos. É como se dissesse: Os abusos aconteceram na vigência do MpD. Não agora com o PAICV. Portanto, a garantia real não é dada pela Constituição, nem pelas instituições, mas sim por quem está no Poder. O erro do PM é comum entre os que ainda não se libertaram da cultura revolucionária e da ideia de que há alguns na sociedade, e só eles, que representam os reais interesses do povo.   Democracia não significa a impossibilidade de abusos. A diferença em relação a regimes tirânicos é o direito de recurso a instrumentos, designadamente políticos e jurídicos, para conter e bloquear usos indevidos do Poder e para exigir reparação de excessos cometidos.  Face a isto, ainda há quem se interroga porque persiste a crispação política em Cabo Verde? Um grande ausente das comemorações nacionais do Dia da Liberdade e da Democracia foi o Presidente da República. Reapareceu no dia seguinte nas chamadas comemorações do 40º aniversário das Forças Armadas. Uma comemoração que não serve a República, que coloca as Forças Armadas fora da ordem constitucional e que só serve quem insiste em manter o país refém do passado, sem olhar a custos.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Desmame necessário

No discurso de apresentação de cumprimentos ao PR, o Primeiro-Ministro afirmou que 2007 é o ano charneira: A partir de 2008, Cabo Verde vai deixar de pertencer ao grupo dos países menos desenvolvidos (PMAs). O PM podia ser mais preciso e dizer que, em 2003, constatou-se oficialmente que os indicadores sócio-económicos de Cabo Verde, designadamente o PIB per capita, já não o qualificavam como PMA mas sim como País de Desenvolvimento Médio (PDM). Nestes anos, Cabo Verde tem vivido um período de transição, que termina em 2008, durante o qual vem beneficiando, ainda como um PMA, da bonança em doações e créditos concessionais. A questão é o que fazer a partir de agora. O PM, no seu discurso, salta logo à frente e chama à responsabilidade os empresários e os cidadãos. O País, porém, gostaria de saber o que é o Governo fez para que a aterragem na nova condição seja suave, uma soft landing. Se conseguiu travar o crescimento das despesas de funcionamento a favor do reforço da participação nacional no orçamento de investimento? Se fez as reformas do Estado necessárias para conter o peso do Estado na economia nacional? Se mudou a cultura de funcionamento da Administração Pública para ser mais eficiente na oferta de serviços públicos, mais facilitador na relação com os utentes e mais competente como regulador? Se a Administração está mais profissional e menos partidária? Se a relação do Estado com os cidadãos não está a ser gravemente afectada pelo partidarismo visível no alargamento de redes patrimonialistas e clientelistas por todos os cantos do país? O PM diz que a ajuda externa cria uma cultura de dependência nos cidadãos e nos empresários. É verdade. Mas o pior é o efeito que tem sobre quem localmente gere a ajuda: o Estado. O Estado decide quem recebe, faz entregas, controla fluxos. O Poder que daí advém tem um reflexo em termos de postura, de atitude. Certamente que não é uma cultura de servir que emerge da gestão monopolística de recursos em ambiente de escassez. É uma cultura de arrogância, de controlo e de desperdício. Uma cultura que gera formas de fazer política que visam enredar as pessoas em favores, compensar ou punir segundo conveniências partidárias e esquivar-se a qualquer forma de responsabilização exterior e de accountability. Mexer na parte da equação que diz respeito ao Estado não é tarefa fácil, como José Sócrates está a descobrir em Portugal. Mas é essencial. Sem isso não há aumento de produtividade, a economia não ganha competitividade e, dificilmente, os empresários passam a ser empreendedores. O País está atrasado de vários anos em enfrentar esta desafio. Em Portugal é consenso geral que o Estado terá que se renovar para que haja crescimento económico e emprego. Essa consciência ainda não existe em Cabo Verde. Continua-se intoxicado pela ajuda e pelo Poder que dá sobre as pessoas, a sociedade e o país. O desmame virá. 

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Voluntarismo na República

Mário Soares inventou as presidências abertas num quadro da coabitação com duas maiorias absolutas do PSD para exercer a sua magistratura de influência. Através delas dava voz à população e a diferentes sectores da sociedade. E o Governo desgastava-se. Pedro Pires já lançou as suas presidências abertas. Não explica é porquê e para quê. Não será pelas mesmas razões do Mário Soares. Em Dezembro, visitou o Supremo Tribunal, o Tribunal de Contas e a Procuradoria Geral. Parece que o tema era Justiça. Não se sabe, porém, se o PR vai ouvir somente os titulares dos órgãos ou se vai abrir o leque para escutar outras entidades activas no sector, profissionais, académicos e utentes em geral. Visitou a Polícia Nacional depois de ser sido recebido pelo Ministro. Como dificilmente podia deixar de ser, confinou-se, nas suas declarações, ao papel de concordar com o Governo no tocante à unificação das polícias numa Polícia Nacional e fazer eco desse discurso, muitas vezes usado pelas autoridade para se desresponsabilizarem-se, de que somos todos responsáveis pela segurança. Ontem o “asemanaonline” noticiou a sua intenção de visitar o Palácio das Comunidades, a sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O jornal acrescenta que já nessa perspectiva os diplomatas vão querer ouvir a opinião do PR sobre vários dossiers: imigração, relações com a União Europeia, CEDEAO. Ventila-se também a possibilidade, durante a visita, de se retomar a questão do estatuto dos diplomatas que fora vetado na legislatura passada. Os elementos aberrantes nesta notícia não são poucos: os diplomatas a ouvirem o PR sobre dossiers e a discutir com ele leis ainda por aprovar e vetos políticos passados. Claramente que o PR está a pisar terreno alheio. De facto é ao Governo que, constitucionalmente, compete definir e executar a política interna e externa do País. Mais, a nossa Constituição determina que o Governo só é responsável politicamente perante a Assembleia Nacional (art. 197 n.1). Não o é perante o Presidente da República. Por isso, o PR não tem poderes de fiscalização dos actos do Governo e da Administração Pública. E é ao Primeiro-Ministro, e não aos ministros e muito menos aos funcionários, que cabe informar regular e completamente o PR sobre os assuntos relativos à política interna e externa do Governo (art.206 f)). Não se compreende portanto o protagonismo, aparentemente desajustado, do PR em sectores sob a direcção directa do Governo. Não será para desgastá-lo, certamente. Entretanto, o País continua à espera de acção do PR em matérias que são claramente da sua competência. À espera que seja o moderador do sistema e o defensor da Constituição. Já se sofreu, e muito, com as omissões repetidas do PR, designadamente, em matéria do IVA. Recentemente, durante o debate parlamentar não fez chegar nenhuma mensagem presidencial à A N no sentido do cumprimento da Lei de instalação do TC. Promulgou a Lei do orçamento sem qualquer reparo para a não adjudicação de verbas para o funcionamento do TC. A democracia é subvertida de facto quando titulares de órgãos de soberania entram numa espécie de voluntarismo e fogem às regras. Quando invadem o espaço de outros órgão, negam-se a cumprir as suas competências, omitem-se em momentos cruciais e entram em cooperações estratégicas dúbias que cheiram a violações do princípio constitucional de separação e interdependência de poderes. Alguém já disse que voluntarismo é um dos inimigos do Estado de Direito. 

terça-feira, janeiro 09, 2007

Segurança sim, mas na Lei

A entrevista que o Director da Polícia Nacional deu ao Expresso da Ilhas, na semana passada, suscita algumas questões. A primeira é a questão da cooperação entre a Polícia e outros sectores de Justiça, designadamente os Tribunais e o Ministério Público. Já numa entrevista ao “asemana”, meses atrás, o Ministro da Administração Interna tinha reclamado a falta de cooperação entre as instituições (judiciária e policial) para combater o crime, tendo acrescentado, em tom de crítica ao MP e aos tribunais, que esse combate não se compadecia com questões sebentárias do tempo da universidade. Ao cidadão comum importa sempre que o combate ao crime seja eficaz, mas não a todo o custo. Ninguém fica tranquilo quando ouve o Ministro a referir-se a preocupações com os direitos fundamentais, designadamente o direito à liberdade e os direitos de defesa, consagrados na Constituição, como questões sebentárias. Fica-se a saber pela entrevista do Director da PN que os resultados actuais têm a ver com uma nova cooperação com o MP, envolvendo encontros do próprio com o Procurador-Geral onde ele sugeriu que a Justiça devia agir no seu todo. Ainda na entrevista ele constata que a Justiça respondeu positivamente e que pessoas foram detidas e aguardam julgamento em prisão preventiva. Ora, quem detém é a Polícia, quem move acção penal é o Ministério Público e quem julga são os Tribunais. Sendo a polícia dependente do Governo, o MP autónomo e os juízes independentes não se vê que cooperação pode-se esperar dessas instituições. A defesa comum da Legalidade e dos Direitos dos indivíduos parece ser o único elo aparente de ligação. E isso consegue-se cumprindo as competências próprias, com observância estrita da Constituição e dos procedimentos previstos na Lei. Segunda questão: Num outro ponto da entrevista o Director da PN deixa a impressão que a acção legislativa em relação à Polícia está invertida. Assim, quanto à Lei Orgânica da PN diz que a direcção da PN tem uma proposta zero a circular pelos comandos e que já recebeu inputs de associações sócio-profissionais. Aparentemente, o Governo, em vez de ser o autor material de leis que traduzam as suas políticas, parece contentar-se com receber propostas da Administração que orienta e superintende. Isso é um convite à cristalização de interesses corporativos na Administração Pública, com consequências presentes e futuras na governação do País. Terceira questão: O Director da PN regozija-se com os resultados recentes da acção policial particularmente na Praia. Muito bem. O estranho é a polícia não se ter organizado, até bem pouco tempo, para responder à insegurança crescente. Pedia meios - o orçamento da Polícia aumentou de 800 mil contos para 1 milhão e trezentos mil em dois anos - mas parece que não tinha estratégia, nem planos operacionais. Sem isso dificilmente se pode organizar-se, adequar os meios e agir para responder a chamadas dos cidadãos e dissuadir o crime. Como os piquetes demonstram era um problema clássico de comando, controlo e comunicação. Espera-se que a Polícia continue a rever os seus métodos e, sempre no quadro da legalidade,  aja de forma estratégica para prevenir e combater o crime. Particularmente espera-se que tenha presente experiências de sucesso noutros sítios, designadamente as de tolerância zero, suportadas no princípio de no broken windows. De facto a população das ilhas e os turistas agradecem se a polícia tornar-se mais proactiva na prevenção e evitar situações, designadamente de venda insistente e não solicitada de mercadorias nas ruas, de barulho excessivo até madrugada, de condução perigosa particularmente de motos, da pedinchice agressiva, da venda de álcool sem licença e da prostituição desregrada. 

domingo, janeiro 07, 2007

CV é uno. Não há lugar para hegemonias

Duas semanas atrás, Felisberto Vieira (Filú) anunciou a sua disponibilidade para continuar na Câmara da Praia. A declaração veio logo a seguir à realização do Fórum Para o Desenvolvimento de Santiago. E parece vir a contra-corrente de declarações de dirigentes do PAICV, de governantes, que indiciavam um certo distanciamento em relação à sua pessoa. O facto de não ter sido reeleito para o cargo de vice-presidente do seu partido no congresso de Outubro parecia corroborar essa imagem de um político em queda. A ligação entre a iniciativa do Fórum de Santiago e a aparente ressurreição do Filú não parece fortuita. Noutros momentos e em outras situações delicadas, políticos em queda sentiram-se tentados a socorrer-se da carta de Santiago para reclamarem influência na orientação dos partidos, peso nas decisões e prioridade nos cargos. Dizem que lhes é devido uma deferência especial porque representam a ilha maior e com metade da população do país. Há, porém, um subtexto nessa mensagem que faz ressonância com opiniões expressas por certos grupos de interesse. Pelos que insistem em mostrar Santiago em contraposição às outras ilhas: Santiago, a ilha da resistência ao colonizador, a ilha mais africana e a ilha sempre discriminada. A tentação em jogar com paixões primárias, suscitadas ou exacerbadas por narrativas em que uns se vêem vítimas de outros, é o caminho da perdição na política e da denegação da democracia. O grande drama é que muitas vezes o poder instituído, governantes, partidos políticos, mostram-se complacentes perante esses extremismos. Em certos casos tenta-se mesmo cooptar as forças mobilizadas pelo discurso demagógico. No fecho do Fórum, o Primeiro-Ministro, a dado passo do seu discurso, disse: O desenvolvimento da ilha de Santiago esteve em plano menor na década de 90. Nos últimos anos, a ilha tem conhecido uma dinâmica ímpar para ocupar o lugar que merece no quadro do desenvolvimento global do país. A mensagem é inequívoca: Nos anos 90, o MpD colocou Santiago em plano menor e, agora, o PAICV devolve-lhe o lugar que merece. Compreende-se que o PM, face ao espectáculo de um rival político a se pendurar na realização de um fórum, tão legítimo como necessário como foi o de Santiago, para se livrar de queda iminente, procure retirar-lhe o tapete. Mas não é apaziguando os que falam de vitimação de Santiago que o PM serve a República. E não é, certamente, colocando o problema de Santiago em termos de ser-se pró ou contra o seu desenvolvimento. Muito menos deixar a sugestão que um partido ou um governo é a favor e outro é contra. O efeito corrosivo disso tudo é claramente visível. Fala-se nos jornais de ilha discriminada e de ilha espartilhada. Também se fala, em reacção, da necessidade de discriminação positiva e de procura de hegemonia. Cabo Verde é uma nação. Os caboverdianos são um povo único, não obstante as idiossincrasias de cada ilha. É responsabilidade de todos manter as condições para que a nação se reforçe com a dinâmica de todas as suas partes constituintes. Não há lugar para pretensões hegemónicas, sob que pretexto for. A confiança dos caboverdianos de que o governo, independentemente do partido que o suportar, nunca se deixará instrumentalizar por grupos de interesses, que privilegiam uma ilha ou grupo de ilhas sobre as outras, não deve ser nunca abalada. Os cidadãos e a sociedade devem ser duros e intransigentes com políticos que recorrem à demagogia e a retóricas de vitimação para garantir sobrevivência nos cargos e viabilidade política. 

quinta-feira, janeiro 04, 2007

CEDEAO. Basta de teimosia

O Governo rendeu-se finalmente à evidência. Segundo anuncia o seu site, o Governo vai, brevemente, apresentar propostas para um estatuto especial de Cabo Verde na CEDEAO. Já era tempo de posicionamentos ideológicos datados deixarem de determinar políticas públicas, particularmente a política externa do País. De facto, para além da ideologia oficial herdada do PAIGC, somos africanos e devemos estar na África, não se vê como justificar, em nome dos interesses de Cabo Verde, a nossa presença na CEDEAO. A integração não alterou a natureza das trocas comerciais. Continuaram viradas para Europa. O país não ganhou com importações de produtos mais baratos e de qualidade nem aumentou as suas exportações para um mercado putativo de 200 milhões de consumidores. Também ninguém verdadeiramente se interessou em usar Cabo Verde como porta de entrada para a Africa Ocidental. O gateway óbvio é Dakar e não se vê como Cabo Verde, a mais de 600 km do continente, pode competir com Dakar, o seu porto, o seu aeroporto e as suas comunicações rodoviárias e ferroviárias com os países da região. Para além disso não se descortina na governação do país, ao longo dos anos, qualquer plano de acção de sustento de uma estratégia de aproximação e que visasse potenciar e complexificar as relações com o continente. Quantos estudantes tem Cabo Verde nas Universidades da região? Quantas missões empresariais num e noutro sentido já se realizaram? O nível de relações institucionais existentes entre as câmaras de comércio, associações empresariais, bancos é suficiente para criar o ambiente de confiança necessário ao crescimento e diversificação das transacções entre o país e a região? É evidente que não se fez o mínimo que justificasse a crença na bondade da pertença à CEDEAO. Porquê então insistir na integração? Razões ideológicas? Se sim, quais os custos de se enviesar o interesse nacional? Até hoje, não houve ganhos significativos com o comércio na região mas já se paga, e bem, a imigração descontrolada no quadro da livre circulação. De facto, só podia vir descontrolo quando um país insular de cerca de 450 mil habitantes se abre para uma região de 200 milhões de indivíduos e com um rendimento per capita cinco vezes menor. Em vez de acesso a mão-de-obra qualificada, conforme as necessidades da economia nacional e no quadro de uma política de imigração inteligente e compreensiva, o país depara-se com imigrantes ilegais e não qualificados, suscitando problemas de integração e sobrecarregando as estruturas sociais. Cabo Verde não pode ignorar a região. O problema é saber como interagir de forma a haver vantagens mútuas. Já se viu que não houve ganhos na integração. Talvez um certo distanciamento seja proveitoso para todos. Aliás, há vários anos, a Mauritânia deu o pontapé de saída. Num outro contexto, a Suiça é o exemplo de país que triunfou afirmando a sua neutralidade política e mantendo-se distante das organizações europeias e, até muito recentemente, mesmo da ONU. Isso não impediu um forte comércio com os vizinhos nem que organizações internacionais se instalassem no seu território, com todos os ganhos daí provenientes. A insularidade e a descontinuidade territorial constituem desvantagens se se confronta o mundo com raciocínios rígidos, ditados por ideologias passé. Podem transformar-se em vantagens quando, com realismo e espírito inovador, se capitaliza sobre a flexibilidade e as múltiplas interfaces que oferece para retirar benefícios da inserção na economia mundial e regional.  

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Fim à corrupção eleitoral

A questão eleitoral vai estar na ordem do dia nos próximos meses. A Constituição impõe que qualquer alteração à Lei Eleitoral se faça até 10 meses antes das eleições. A proximidade das autárquicas, provavelmente no primeiro trimestre de 2008, vai imprimir uma outra urgência à reclamação dos diferentes actores políticos em pôr cobro às anomalias, ainda presentes no processo eleitoral. É previsível que a atenção se vá concentrar na revisão do Código Eleitoral, como aconteceu em outros momentos. Persiste a ideia que, pela via da adição e/ou subtracção de artigos na Lei, consegue-se a solução para os problemas eleitorais. A evidência das experiências passadas não aponta nesse sentido. Muito pelo contrário. A insistência em mexer na legislação, com todo o esforço político que isso requer, na medida em que é uma lei votada com maioria de dois terços, tem o efeito de deixar desatendidas outros factores, provavelmente de maior relevância para a lisura e a transparência do processo. Hoje, é prática assente em Cabo Verde que as pessoas, em actos eleitorais de todo o tipo, designadamente nacionais, partidárias e associativas, podem legítima e descaradamente fazer boca de urna para desencorajar os eleitores dos adversários, usar artimanhas e excessos de formalismo para impedir cidadãos de exercer o seu direito de voto e forçar um sentido de voto com dinheiro, géneros alimentícios, materiais de construção e promessas várias. Não é o que a Lei prevê, em termos de processo e de procedimentos, que está mal. O meio circundante é que é permeável à corrupção, seja por razões politico-partidárias, seja por razões pecuniárias. Corrupção que eventualmente acabará por afectar o funcionamento das instituições essenciais ao processo, nomeadamente as comissões de recenseamento, as mesas de voto e a DGAE, porque é tacitamente aceite por todos como prática legítima de campanhas. Se não se atacar frontalmente o problema ao nível da ética, que o processo de legitimação do Poder impõe a todos, e da criação de um ethos nas instituições eleitorais, compatível com as suas excepcionais responsabilidades, todas as iniciativas legislativas serão exercícios essencialmente inúteis. O Governo, enquanto órgão que superintende o Estado, tem uma especial responsabilidade em garantir que todos os cidadãos exerçam o seu direito de voto. E uma das dificuldades encontradas pelos eleitores tem sido o cartão de identificação. Muito já se fez para facilitar a obtenção do Bilhete de Identidade. Muito mais deverá ser feito. O Pais, por várias razões, designadamente de Segurança e de controlo da imigração, devia tornar obrigatório o uso do BI. É para o uso obrigatório do BI que todos os países estão a convergir, mesmo os anglo-saxónicos tradicionalmente avessos a esse tipo de documentos e renitentes em permitir ao Estado acréscimos de controlo sobre indivíduos. O Estado durante este ano podia assegurar-se que todos tivessem o seu BI. O problema de identificação no acto de voto ficaria resolvido. A par disso, o Estado devia garantir que todos soubessem o seu número de recenseado e, pela via de acesso a um banco de dados a partir de qualquer ponto do território nacional, se pudesse verificar onde cada cidadão estava registado como eleitor e, caso necessário, como proceder para alterar o local de registo. Tudo isto parece factível. Que se criem as condições para que cada eleitor, com o seu BI e o seu número de recenseado, se sinta mais confiante no exercício da sua cidadania. 

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Dívida da Electra: Risco Orçamental?

O BCA comprou por 40 milhões a dívida de 70 milhões de euros da Electra para com a EDP/ADP. Esta notícia, que muita tinta faria correr noutras paragens, aqui, em Cabo Verde, foi parcamente referenciada na comunicação social. Os vários sectores de opinião, designadamente os especializados, ficaram mudos e quedos face à primeira operação financeira do género no País. A mensagem passada pelos mídias foi que a Electra viu a sua dívida reduzir-se em 30 milhões de euros, que a operação foi interessante para o BCA e que o Governo ganhou uma vez mais no imbróglio Electra/EDP/Estado de Cabo Verde. Os factos parecem ser outros. Dos dados vindos ao público depreende-se que o BCA, em parceria com a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o BPI, foi de encontro ao desejo da EDP em ver-se livre da Electra no quadro da uma estratégia de saída do tipo cut and run. Resultados da operação: A EDP recebe 40 milhões fresquinhos, sem risco, em vez dos 70 milhões, mais risco, e em vinte anos; o BCA consegue uma autorização especial para dilatar a sua carteira de crédito, aumento de 25% segundo a imprensa nacional, e torna-se credora da Electra em 40 milhões, mais os juros a pagar no prazo acordado. A Electra em vez de um passivo de 70 milhões regista um de 40 milhões, mais o serviço de dívida anual, e em moeda nacional. O Estado em vez de avalizar a dívida de 70 milhões à EDP dá um aval anual correspondente ao serviço da dívida de 40 milhões ao BCA; o BCA emite obrigações no valor próximo de 50% da dívida e ganha outra vez liquidez para reinvestir; a Bolsa de Valores adquire uma outra dinâmica e o público pode colocar as suas poupanças em algo mais do que depósitos a prazo. Qual é o catch? Alguém tem que pagar pelos riscos do BCA e dos parceiros no estrangeiro que ajudaram a montar a operação. Os detentores das obrigações devem ser remunerados acima das taxas aplicadas a depósitos para se sentirem compensados. O BCA, no centro desta operação, tem que aplicar uma taxa de juros à Electra que pague todos os custos e riscos acrescidos e ainda resulte num lucro interessante. Por exemplo, se os juros forem a 9% a taxa mais baixa do BCA, a ELECTRA deverá pagar ao fim de 20 anos um valor global, principal mais juros, de cerca de 86 milhões. Para pagar, a ELECTRA terá que prestar serviço e, para isso, é indispensável fazer-se grandes investimentos. Segundo estimativas vindas a público a empresa depara-se com um atraso de 4 anos em investimentos urgentes. Realizados os investimentos necessários há a batalha do tarifário, uma matéria politicamente sensível. Entretanto, retorno dos investimentos feitos e capacidade para pagar dívidas passadas só serão possíveis com tarifas justas. Para garantir toda operação, em última instância, está o Estado que, todos os anos, avaliza o serviço da dívida. Isso significa que, se a ELECTRA falhar, o Estado, via o Orçamento, deverá encontrar os recursos para compensar o BCA. É o tipo de risco orçamental a que o FMI se referia no memorando da sua última missão a Cabo Verde. É um risco real considerando que foi à volta das tarifas de água e energia que se desenvolveu o conflito com a EDP e que resultou no posterior desengajamento do parceiro estratégico. Se a ELECTRA não cumprir haverá tensões orçamentais com potenciais perturbações na estabilidade macroeconómica do País. Afinal uma das razões porque se privatizou, e se continua a privatizar empresas públicas, é precisamente para evitar o impacto nefasto, ao nível macro, de situações do género.  

terça-feira, dezembro 26, 2006

O desfear da nobreza no dar

Ao longo da semana do Natal a comunicação social pública e, particularmente a televisão, tem sido militante em trazer a público todos actos de caridade e solidariedade, não interessando a origem das iniciativas e as motivações subjacentes. Assim assistimos a cenas, designadamente de associações, ministros e JPAI a fazerem ofertas de Natal. Cenas de uns a oferecer, em boa verdade, dádivas de outrem, e outros, estimulados pelos mídias, a mostrarem-se gratos pelos presentes. O propósito das imagens e das reportagens até pode ser nobre. Diz-se que é preciso incentivar o espírito de solidariedade. O problema é quando o acto de dar se transforma numa forma de ostentação de personalidades e organizações à procura de mais valias, muitas vezes mais valias políticas. Em todo o mundo, gestos de caridade e de solidariedade são, em grande parte, anónimos ou intermediados por organizações idóneas e acima de desse tipo de motivações. E isso por uma razão simples: para não ofender as pessoas que recebem. Solidariza-se sem ferir o sentido de dignidade do indivíduo. Porque o objectivo não é extrair agradecimentos, mas sim disponibilizar meios para a pessoa ver-se em posição de retomar completamente o controlo da sua vida, encontrar a motivação para conseguir para si e a sua família meios autónomos de subsistência e construir vias próprias de prosperidade futura. Alheio a isso, naturalmente, devem estar espectáculos armados para reforçar a dependência, reproduzir esquemas de controlo de populações e incentivar intermediários pouco escrupulosos com objectivos políticos indisfarçáveis. Indisfarçáveis até porque, muitas vezes, são agentes políticos, a começar por ministros, que, pelo modo de envolvimento na relação de doação, uma relação institucional de solidariedade da comunidade nacional com os mais desfavorecidos através do Estado, abusam da sua posição e causam a sua transformação numa relação pessoal e partidária. Outros interesses, agora comerciais e de imagem, movem outros protagonistas nesses espectáculos. A Televisão, particularmente, parece não notar a publicidade gratuita nas reportagens de dádivas. Grande parece ser a sua ânsia de reproduzir a cultura de indigência no País, a coberto de demonstrações de solidariedade. 

O PM, o pluralismo e o Natal

Na véspera do Natal, os caboverdianos foram brindados com mais um discurso do Sr. Primeiro Ministro. Como não podia deixar de ser, o discurso foi político e partidário. Também foi de gosto duvidoso trazer temas polémicos para o seio e convívio de famílias a prepararem-se para a Ceia do Natal. A insistência do PM em dar abraços a toda a gente e em falar em paz e concórdia não o fez, porém, diminuir a tónica propagandística dos seus discursos habituais. Uma das mensagens que quis veicular, e que é tão recorrente como perigosa, está na seguinte passagem:"Para lá das nossas normais e salutares diferenças, concentremo-nos naquilo que é essencial. E o essencial é o progresso de Cabo Verde". O PM insiste em manter em campos opostos a manifestação das diferenças e o progresso do país. O pluralismo que resulta do exercício da liberdade por indivíduos, partidos, sectores da sociedade civil não é apresentada como essencial à preservação da liberdade e da democracia e como essencial à construção da prosperidade para todos e do progresso do País. O PM exorta-nos para ir “para lá”das diferenças. Parece não compreender que o nosso sistema político dita que o progresso seja construído no exercício permanente do contraditório e na manifestação permanente de diferentes pontos de vista. Uns a salientar que o que se está a fazer está errado, outros a dizer que é insuficiente ou ainda outros a achar que não é o adequado para atingir os fins propostos. Neste mar alto e vivo é que governos navegam. Os governantes têm um mandato mas isso não significa que receberam um cheque em branco para a legislatura. Ao longo de todo o percurso terão que construir vontades, na maior parte dos casos de geometria variável, para atingir as múltiplas etapas do seu projecto político. Governar não significa impor uma tirania da maioria. Não significa a rendição, durante cinco anos, das diferenças de opinião e dos interesses diversos da sociedade caboverdiana à vontade da maioria que se expressou no dia das eleições. A dinâmica política deve manter-se e os governos não devem sentir-se frustrados com a luta incessante que tal dinâmica exige, nem caírem na tentação de suprimi-la ou levar os diferentes actores sociais, políticos ou económicos a conterem-se em nome de pretensos interesses superiores da Nação. A nossa própria história de país independente diz-nos que os interesses do país não são atingidos quando existe unanimidade de opiniões e unicidade das instituições e quando é única a forma política de expressão. Conservar o pluralismo em Cabo Verde é tarefa e responsabilidade de todos. A comunicação social pública tem deveres especiais, constitucionalmente estabelecidos, de garantir a pluralidade de ideias e de opiniões nas suas emissões. Não pode deixar-se reduzir à condição de instrumento de propaganda do governo. E muito menos de ser o veículo de sugestões que a liberdade de expressão, incluindo liberdade de imprensa, pode ser um luxo, dispensável em nome do progresso, e que acarreta custos, evitáveis debaixo do manto do consenso.  

quinta-feira, dezembro 21, 2006

A dança das CPIs

O Presidente da Assembleia Nacional dá hoje posse a duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) sobre as ZDTIs. Uma pedida pelo MpD, outra pelo PAICV. É a repetição de um filme já conhecido. Na legislatura passada também foram constituídas e duas CPIs para as privatizações e duas para questão eleitoral. Sempre que a oposição pede a criação de uma CPI, o partido no governo responde com uma outra sobre o mesmo objecto, só alargando o escopo do inquérito para abarcar o mandato do Governo do MpD. È óbvio que tais manobras são para desacreditar o parlamento, para esvaziar de conteúdo um instrumento central da fiscalização do Governo e da Administração Pública e para anular quaisquer efeitos, designadamente a credibilidade das matérias enviadas ao Procurador Geral para efeitos de acção criminal. A importância das CPIs é tal que a própria Constituição as prevê no nº 1 do art.146.O Regimento da A N garante que, para além dos grupos parlamentares, os deputados em número de cinco podem requerer a constituição de uma CPI. Em número de vinte de deputados a constituição da CPI é obrigatória. Garante-se assim o direito das minorias em criá-las para além da vontade da maioria. A credibilidade das CPIs, porém, sofre muito com a sua instrumentalização partidária. Um aparente faux pas dos deputados do PAICV impediu que a constituição da CPI por eles requerida fosse precedida de um debate. Ou seja, da oportunidade para ventilar antecipadamente as conclusões do inquérito. O então ministro da Economia, nas véspera da sua demissão, passou a manhã toda no parlamento a passear um dossier amarelo bastante grosso, á espera do tal debate. Não aconteceu. O requerimento da CPI foi assinado por 20 deputados. A constituição da CPI era obrigatória e, portanto, não carecia da aprovação do Plenário nem era precedida de debate. O Presidente da A N ainda tentou resgatá-lo, chegando a ponto de ir contra o parecer unânime da Comissão de Assuntos Jurídicos e Constitucionais, mas acabou por se render quando o GP do PAICV apercebeu-se do absurdo da situação. Ou talvez já não interessasse dar voz ao ministro, sabendo que ele ia demitir-se no dia seguinte. A tentação para instrumentalizar as CPIs torna-se maior com a omissão da Lei quanto aos limites temporais da sua actuação. De facto não parece curial que o parlamento numa legislatura faça fiscalização política de actos do Governo numa outra legislatura. Se há indícios de ilícito isso deve ser inquirido numa outra sede. A PGR, por exemplo. Limitar a influência partidária nas CPIs é o caminho a seguir para a sua credibilidade como instrumento fundamental da actuação da A N como órgão de soberania.  

terça-feira, dezembro 19, 2006

Vendas do Estado.Porquê e para quê?

O Governo anunciou na sexta-feira que vai vender 21% das acções do Estado na ENACOL. Dias atrás, notícias vieram ao público da venda de 51% das acções na Sociedade de Tabacos por 900 mil contos. O anúncio público de vendas não foi acompanhado das razões de política que justificariam o fim das participações do Estado nessas empresas. De facto privatizações não se prestam simplesmente a realizar um encaixe financeiro para o Estado. Privatizar significa, antes de mais, iniciar ou aprofundar um processo de descentralização das decisões económicas. Decisões, até o momento tomadas por órgãos centrais de planeamento, passam a ser actos de vontade de miríades de operadores, reagindo a uma realidade económica imediata, fluídica e complexa. De facto a economia moderna e globalizada, voltada para a satisfação de necessidades específicas de indivíduos e em que se exige bens e serviços de toda a espécie à medida do consumidor, customization, pressupõe um nível de descentralização e uma reorganização em redes funcionais, impensável poucos anos atrás. Privatizações também significam a possibilidade de direccionar a captação de poupanças nacionais e estrangeiras para o investimento no País ao mesmo tempo que diminui consideravelmente o risco orçamental, ou seja, o risco do Estado vir a acumular défices no futuro por ser, na prática, o avalista das dívidas de todas empresas públicas ou de capitais públicos. Um outro papel importante das privatizações é abrir o País para parcerias estratégicas, tanto no sentido da empresa nacional se associar para competir no mercado global como, no caso de pequenos países como o nosso, de não se ficar de fora da onda de modernização tecnológica, organizacional e de gestão, essencial a uma inserção dinâmica e frutuosa no mercado internacional. Uma coisa porém é certa. Ninguém privatiza para conseguir verbas para emprego público. O aditamento nesse sentido feito à lei das privatizações na lei do Orçamento de 2006 foi de facto uma aberração sem precedentes. Convém, porém, dar um propósito justo ao encaixe financeiro das privatizações. No passado, o resultado das vendas foi juntar-se a doações para perfazer os cem milhões de dólares do trust fund. Um fundo cujo proprietário é a República de Cabo Verde e que é gerido pelo Banco de Portugal e tem como beneficiário das aplicações financeiras o Estado caboverdiano. Hoje não se sabe onde são aplicadas essas verbas. Da mesma forma que “não se sabe” para onde vão as receitas de vendas de terrenos. Onde deviam estar, que é no investimento nas ilhas que vão receber a carga resultante do fluxo turístico, primam pela a ausência. O Governo deve ter em conta que os resultados dessas vendas constituem receitas extraordinárias e são, portanto, irrepetíveis. Ou são aplicadas em investimentos para o futuro ou são colocadas em trust funds para o benefício das actuais e futuras gerações. Nunca para enterrar no orçamento de funcionamento e tornar o Estado cada vez mais obeso, ineficiente e autista perante os desafios que o país enfrenta no momento. 

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Auto-estradas inter ilhas precisam-se

Linhas marítimas regulares, seguras e a custos razoáveis são realmente as auto-estradas que o arquipélago precisa. A palavra desencravar, muito presente nas promessas dos políticos e dos partidos, deve ganhar um significado maior que transcenda a simples preocupação de uma pequena povoação, algures numa das ilhas, em ter uma estrada. Deve significar, hoje, a possibilidade de qualquer operador económico de ter acesso efectivo a um mercado interno unificado e de se posicionar, a partir de qualquer ponto do território nacional, para tirar proveito dos fluxos de capitais e de pessoas que chegam a Cabo Verde. Para que a produção local de bens e serviços aceda a economias de escala, que tais fluxos possam gerar, é fundamental que exista um sistema de transportes compreensivo à altura das necessidades do mundo moderno. Segurança, qualidade, baixo custo, e conveniência são alguns dos atributos exigíveis a um tal sistema para poder servir o número crescente de nacionais e estrangeiros que viajam entre as ilhas. O Governo, como se viu na discussão da Lei do Orçamento, enrola-se no manto das iniciativas dos privados no sector, sugerindo que resultam de políticas suas. Políticas que não explicita. Quando se concretiza uma iniciativa com a do navio “Musteru” é que se vê que esse navio de 450 passageiros vai fazer a mesma rota do navio “Sal Rei”, operacional há um mês entre Praia, Fogo, Brava e Boavista. Quando empresários na Boavista reclamam a suspensão das viagens do Sal-Rei é que se nota que a ENAPOR, empresa pública, e, portanto, instrumento das políticas do Governo no sector portuário, ainda não respondeu com a adequação dos portos às particularidades dos navios roll-on/roll-off e às exigências do transporte de passageiros. Onde estará a política do governo? As ligações inter-ilhas são mercados a desenvolver. Será que os custos envolvidos deverão ser absorvidos pelo privado, ficando este sujeito a ver o resultado do seu investimento partilhado por outros operadores, free riders, que não suportaram os riscos associados a um mercado incipiente. Que em consequência o primeiro ou os primeiros vão sacrificar as suas operações para conter os custos excessivos de entrada. Sacrificar o quê e em quê? A segurança, a regularidade, o preço, a conveniência? Uma política do Estado para o sector devia lidar com as ligações entre ilhas de forma diferenciada. Há linhas a subsidiar: Fogo-Brava é um caso evidente. Há linhas que podiam ser concessionadas, particularmente no transporte de passageiros, ou por constituírem mercados incipientes, mas com grande potencial a médio prazo, ou pelo facto de ser do interesse do Estado assegurar-se que o país é servido por navios com terminadas especificações de segurança, de navegabilidade e de conforto. Navios com os quais se acordará horários convenientes para o público e tarifas sociais. A atitude liberal em todas as linhas, sabendo que muitas delas constituem mercados imperfeitos, poderá não ser vantajosa para o país. E quando se pensa que o grande impulso no crescimento do tráfico inter-ilhas deverá vir de passageiros estrangeiros, mais uma razão haverá para criar as condições para que operadores invistam em barcos seguros, rápidos e modernos e sejam capazes de, em ambiente de concorrência e em prazos razoáveis, ver o retorno ao seu capital. O que não se quer é que o País fique sempre à beira de cair umas dezenas anos na qualidade dos seus transportes internos porque os armadores, para conter os custos, suportar os riscos inerentes e ser competitivos, têm que comprar barcos velhos, operá-los a baixa velocidade, seguir horários de conveniência e aplicar tarifas caras. 

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Estado parasita ou Estado dinâmico?

A declaração de nulidade dos decretos-leis, que alteravam a baixa de incidência do IVA, lançou uma espécie de novela política. Viu-se governo omisso e aumento dos preços. Houve a novidade da moção de censura e o espectáculo do Governo a responsabilizar acórdão, oposição e comunicação social pelo stress vivido no país. Os preços subiram e as receitas do Estado aumentaram. O Governo recusou-se a um entendimento com a oposição por causa da gasolina. Em consequência, a expectativa de receitas para o ano 2007 melhorou em centenas de milhares de contos. O consumidor, em 2007, pelo contrário iria ver-se aflito para pagar 15% sobre o valor da factura na electricidade, na água, no gás e nos combustíveis em geral. No último instante, na lei do orçamento, chegou-se a uma solução, com o Governo a ceder na gasolina. 2007 já não será tão difícil. A novela porém trouxe à baila questões para reflexão, designadamente, a relação carga fiscal/riqueza nacional, o Estado face à economia, parasita ou dinamizador, e a subsistência de preconceitos ideológicos em substituição de políticas públicas. De facto, de um ponto de vista, as receitas fiscais são poupança forçada, são rendimento retirado ao consumo ou ao investimento de pessoas e empresas. Que têm razão de ser na medida em que, designadamente, possibilitem os serviços que só o Estado pode prestar (soberania, justiça, segurança), suportam a solidariedade nacional e regional e financiam investimentos públicos indispensáveis. Nessa perspectiva, o ideal é que a carga fiscal seja suficiente para financiar o Estado, um estado eficiente, mas que não entrave o desenvolvimento, absorvendo percentagens exageradas da riqueza nacional. A via para o aumento de receitas passa pela aposta no crescimento da economia e do emprego. O Estado não deve ser estático e parasitar a economia. O Estado, no mundo de contenção fiscal como condição para se ser competitivo no mundo globalizado, deve ser dinâmico, de incentivo ao crescimento económico e de busca activa de caminhos para diminuição da carga fiscal, a exemplo da Irlanda onde, hoje, essa carga se situa nos 12,5%. Não é a toa que cresce a 9% ano e tem o 2º maior PIB per capita da Europa. O Estado caboverdiano historicamente tem uma postura adversária à economia privada. É preciso dar combate a isso e adoptar uma nova cultura mais consentânea com as exigências dos tempos. Preconceitos ideológicos a determinar políticas é algo que, também, se deve combater. As negociações, por exemplo, sofreram com a ideia arreigada de quem usa a gasolina são os mais abastados. Isso contra toda a evidência. É só ver quem anda em Pardos, Tuaregs, Mercedes, BMW, todos diesel, e quem passa nos starlets a gasolina a caminho do trabalho. Políticas públicas devem suportar-se em algo mais sólido do que preconceitos datados, tentações de brincar a Robin dos Bosques e demagogia pura. Que aprendamos todos com os erros. 

quinta-feira, dezembro 14, 2006

E agora Sr. Presidente?

O Governo e a sua maioria recusaram-se a inscrever verbas no Orçamento do Estado para a instalação do Tribunal Constitucional. O Governo não tem razão: 1º - os recursos para o TC são despesas obrigatórias porque decorrem da Constituição, que o criou, e da Lei que determinou a sua orgânica e, portanto, têm de constar do Orçamento; 2º o Governo não tem a opção de adiar, congelar ou não disponibilizar recursos para o funcionamento de outros órgãos de soberania. Nem o Parlamento; 3º A urgência de instalação do TC é hoje óbvia. Com o Tribunal Constitucional a funcionar, os caboverdianos não passariam quase três anos a pagar impostos inconstitucionalmente criados. O facto de todos sofrerem, ainda neste mês de Natal, as consequências disso devia levar o Governo a ponderar e a não insistir na atitude de se impor a todos, sem a devida preocupação com os custos para as pessoas, para o sistema político e para o País. Minutos antes da recusa dos fundos para o TC era a evidente a satisfação perante o sucesso das negociações das taxas do IVA. No momento seguinte, satisfação cede lugar a teimosia e a capricho e volta-se à intransigência. E outra vez numa questão fundamental, a constitucionalidade de actos e procedimentos. É como se ninguém aprendesse com os erros. Por isso, é que o sistema político inclui um poder moderador de excessos. O Poder do Presidente da República. O País já sofreu e sofre com a inexplicável relutância do PR em ser moderador. O PR não pode recusar-se a cumprir as suas competências por eventual lealdade ao Governo. Lealdade institucional é outra coisa. Começa pelo respeito pelo princípio de separação e interdependência dos poderes. O PR é suprapartidário e todo o país espera que ele faça uso do poder de promulgação de leis da A N, de decretos-leis e decretos regulamentares do Governo para se assegurar da constitucionalidade dos processos e procedimentos, seguidos na feitura das leis. É uma responsabilidade a que não pode se escusar, sob pena de pôr em causa o sistema político e desacreditar a democracia caboverdiana. O País espera e observa.  

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Esquizofrenia na República

As Forças Armadas de Cabo Verde preparam-se para comemorar o 40º aniversário no dia 15 de Janeiro. Esta notícia parece inócua até se começar a ver as incongruências. O Estado de Cabo Verde tem 31 anos de existência. As Forças Armadas, enquanto força ao serviço da Nação e força apartidária e politicamente neutra, foram criadas pela Constituição de 1992 e pela Lei 62/92. A instituição que anteriormente existia, as Forças Armadas Revolucionárias do Povo, FARP, nem tinha assento na Constituição de 1980.A única referência constitucional estava na proclamação do Presidente da República como Comandante Supremo das FARP. A razão para isso residia na natureza das FARP como bem clarificou o então PR, em 1985: As FARP são integradas não por militares mas por militantes armados. São o braço armado do Partido. E é por isso que, em 1988, o Governo instituiu o 15 de Janeiro como dia das FARP, uma data com significado exclusivo para os caboverdianos no PAIGC. Uma data para a auto- glorificação dos comandantes, na lógica de Poder do regime. Tem sido de uma enorme irresponsabilidade deixar as FA, ao longo de todos estes anos, persistir na linha de comemoração dessa data. Uma data com valor simbólico profundo no quadro do regime anterior mas contrário ao entendimento que se tem hoje das forças armadas. As FA não constituem uma milícia de um partido. São uma instituição nacional estritamente subordinada às autoridades civis democraticamente legitimadas. De facto, não podemos ter forças armadas que assumem uma existência antes da Constituição, antes do Estado. Noutras paragens e noutros tempos assunções do género justificaram tutelas de democracias, posturas de guardiães de conquistas passadas e interferências múltiplas. A subordinação das Forças Armadas à autoridade civil é um elemento chave da estabilidade das democracias. As tradições, os rituais e as comemorações nas FA devem servir para reforçar isso e também a sua condição nacional e a sua neutralidade política. Uma coisa parece certa: não é aceitável termos comandantes por aí a passar visões particulares de história às nossas tropas. Se uns e outros querem comemorar actos ou momentos que justamente consideram de glorioso que o façam mas sem envolver instituições como as FA que tem a missão nobre de defesa da soberania e da ordem constitucional.