segunda-feira, maio 31, 2010

Findar "o mais do mesmo"

Cabo Verde luta com desemprego acima de 20% na população em geral e de mais 40% entre os jovens. As perspectivas de emprego variam de ilha para ilha. Nalgumas ilhas, desemprego é consequência da estagnação ou falta dinâmica económica. Noutras resulta, em parte, de migrações para os centros urbanos, particularmente para a Capital, à cata de emprego induzido pelas despesas concentradas do Estado e de particulares.

O drama de milhares de pessoas que se vêem desempregadas ou subempregadas parece não tocar profundamente a consciência da Nação. È a sensação que se tem quando é notório nos discursos dos governantes a quase ausência da problemática de criação de emprego. O discurso insiste no mesmo de sempre: a criação de meios. E fica por aí, sem que ênfase ou qualquer consideração especial se dê à questão básica: como vão esses meios debelar o desemprego? Em que grau e medida? O custo dos meios utilizados justifica-se face aos benefícios esperados na criação de postos de trabalho, na e dinâmica empresarial conexa e nas exportações de bens e serviços?

A insensibilidade perante o desemprego coloca o País num lugar à parte do que se vê acontecer no mundo real. Por exemplo, no fim da semana passada, 3 de Abril, as manchetes dos jornais em todos os continentes convergiram para as últimas estatísticas do mercado de trabalho na América que apontavam para a criação de 162 mil novos empregos. Porquê? Porque crescimento económico, acompanhado de criação de postos de trabalho, é globalmente visto como sinal de se está a trilhar o caminho certo.

Em Cabo Verde, pelo contrário, fala-se por exemplo do programa Casa Para Todos e não fica claro quantos postos de trabalho a curto e médio prazo vão ser criados com o empréstimo de 200 milhões de euros. Ou como se vai usar a construção de 8000 casas para ajudar a consolidar as empresas de construção civil nacionais. E como se vai aproveitar a carteira de trabalhos para ajudar a estruturação do mercado de trabalho no sector e a fomentar articulação desejada entre os esforços de formação profissional e as necessidades das empresas e do País em ter trabalhadores produtivos, qualificados e com zelo profissional. Curiosamente, sabe-se logo à partida, via declarações do Director Geral do MDHOT, citadas pelo Expresso das ilhas de 11 de Março, que com a dívida criada de 200 milhões de euros "apenas 20% dos bens e serviços de origem cabo-verdiana podem ser adquiridos. Os restantes 80% serão de origem portuguesa".

A mesma coisa aplica-se quando se ouve insistentemente na comunicação social estatal os anúncios das barragens a serem construídas. Mais uma vez o discurso concentra-se nos meios. Água parece ser tudo. A questão de que tipo de culturas, cash crops, pode-se produzir de forma rentável é secundarizada e a problemática do mercado não é devidamente equacionada. As ilhas dos Açores e de S Tomé e Príncipe testemunham que água não é, talvez, o constrangimento maior. Central é o acesso a mercados externos, tendo em conta a pequenez, a descontinuidade e os custos adicionais de transporte que caracterizam o mercado interno insular. Por outro lado, a competitividade dos produtos exportados, como mostra a história de todas as ilhas e de todos os arquipélagos, não é certa nem permanente. Na generalidade dos casos é puramente conjuntural.

A sensação de dèjá vu reforça-se com actos como o lançamento da primeira pedra do Centro Tecnológico no passado dia 25 Março. O Governo apressou-se logo a anunciar que estava “a lançar as bases de um sector que será motor da nova economia de Cabo Verde”. A visão do Primeiro-Ministro é que o Centro Tecnológico “albergue actividades de investigação avançada e aplicada, desenvolvidas preferencialmente pelas universidades, bem como projectos de concepção e desenvolvimento de soluções informáticas aplicadas nos domínios estratégicos”. Não ficou claro, porém, é como os investimentos previstos de 17 milhões de dólares irão traduzir-se em crescimento económico e criação de empregos no sector, ao ponto de vir a ser qualificado como motor da economia nacional.

Provavelmente, porque falta essa preocupação central com o crescimento e o emprego, é que todo o esforço de construção da governação electrónica, avaliado em quase um milhão de contos, não teve os efeitos desejáveis no emprego e no desenvolvimento empresarial na área das TICs (tecnologias de informação e comunicação). Perdeu-se a oportunidade que o e-government, com a sua procura sofisticada de serviços, poderia constituir num mercado pequeno como Cabo Verde para arrancar o sector. Ficou mais difícil arrancar algo que bem poderia vir mostrar capaz de fornecer serviços a privados e exportar, via serviços de outsourcing, e, também, de ser motor de crescimento e de criação de empregos jovens em todas as ilhas.

Mas, pelo que se vê, agora é que se pensa em lançar bases. Bases que, de imediato, só podem ser as de betão. Porque as outras, como ter gente qualificada para investigação avançada e para criar soluções vendáveis no mercado global, levam o seu tempo e exigem um ambiente cultural e intelectual que, positivamente, não é o que prevalece no País.

Noutras paragens a mentalidade é completamente diferente. Recentemente a revista Economist referiu-se às grandes expectativas geradas no Quénia pela amarração próxima de três cabos de fibra óptica. O governo mostra-se optimista e projecta a criação de mais 120 mil empregos só em Business Processing Outsourcing (BPOs) designadamente em call centers, digitalização e introdução de dados. No Gana, já com uma boa experiência de servir o mercado americano em call centers e serviços de back office, o governo espera criar 40 mil empregos no sector até 2015.

Aqui em Cabo Verde tudo indica que na criação dos bancos de dados de suporte à governação electrónica não se teve em devida consideração soluções de criação de emprego. Na introdução dos dados podia-se ter privilegiado métodos de utilização intensiva de mão-de-obra. Isso teria criado empregos para jovens saídos dos liceus em todas as ilhas. E poderia ter sido o gérmen de criação de empresas de prestação de serviços que, com a experiência adquirida, poderiam desenvolver um potencial de exportação para outros países, designadamente os lusófonos.

O Call Center da Praia que chegou a gerar mais de 200 empregos permaneceu uma experiência isolada. Para isso deverá ter contribuído o facto de contornar parte significativa dos custos elevados das telecomunicações do País com uma ligação directa ao cabo de fibra óptica Atlantis 2. A excepção criada teve pelo menos duas consequências: Não apareceram outros operadores de call centers internacionais e o Governo não deu a prioridade necessária à questão da competitividade externa do País em termos de custos de comunicações.

O Primeiro-ministro inaugurou o call center em 2004 e ficou-se basicamente por aí. Imagine-se o número de postos de trabalho que poderiam ter sido criados com o alargamento da actividade. E os efeitos induzidos na formação profissional e na definição das prioridades do sistema educativo, designadamente no que respeita às competências linguísticas que são estrategicamente importantes para o País.

A problemática dos custos de comunicações central para um país pequeno, insular e remoto devia ter sido confrontado com mais visão, mais pragmatismo e menos posturas politiqueiras, do género das que causaram estragos nos sectores de energia e água. O resultado é que os BPO, que bem podiam ter representado uma opção real para o País, passaram de lado. Indiferente a isso sonha-se com a comercialização de soluções informáticas, produtos colocados muito mais acima na cadeia de valor internacional, sem muita preocupação pelo que é exigível, em termos de sofisticação, para fazer brotar tais criações.

A disponibilidade do Banco EXIM, export-import, da China de financiar em 17 milhões de dólares o sector das tecnologias de informação e comunicação (TIC) já abriu um caminho que pode levar ao aparecimento de um novo operador de telecomunicações. A empresa chinesa Huawei vai dotar o Estado de um sistema de comunicações wireless com a tecnologia WiMax, que irá cobrir todo o território nacional. O sistema em princípio é para servir a rede do Estado. Resta saber se irá além disso, para também entrar no mercado de oferta de serviços em banda larga, valendo-se da “muleta” dos computadores do Mundo Novo. O concurso lançado pela ANAC, a agência de regulação, em Dezembro último para operadores de 4G, WiMax e LTE, não deverá ser completamente alheio a todo esse desenvolvimento.

Uma vez mais, o Governo, indo atrás dos meios, muitos deles resultados de promoção das exportações de outros países, não cuida o suficiente da necessidade urgente de Cabo Verde conseguir exportar os seus produtos e serviços e criar novos empregos. Urge de facto baixar os custos de comunicação em Cabo Verde. Mas o processo terá que ser o mais transparente e acompanhado de uma discussão aberta particularmente no que configura ser a entrada de um operador estatal no sector das telecomunicações. E não é só para incentivar o acesso a utilizadores internos. Fundamentalmente uma quebra nos custos deve ser um componente essencial de competitividade externa de possíveis serviços a exportar, usando mão-de-obra a partir de qualquer ponto do território nacional.

Os avanços de Cabo Verde do 107º lugar para 102º no índice 2010 da ITU, União Internacional das Telecomunicações, verificam-se essencialmente no acesso e na diminuição de preços. Quanto ao uso mantém-se baixo, contribuindo para isso a falta de concorrência na banda larga, com um único provedor a prestar serviço de ADSL a partir da linha do telefone fixo. Certamente que o aparecimento de outros operadores de banda larga, utilizando redes wireless, WiMax ou LTE, deverá baixar os custos e aumentar o acesso.

O uso só dará um salto gigante se os custos de interligação com outros pontos do globo caírem significativamente. Nisso, o Governo, estrategicamente, deverá aplicar-se para que toda uma actividade empresarial de importância para a economia nacional ganhe ímpeto. Mesmo actividades como a imobiliária turística e residencial poderão beneficiar da possibilidade de potenciais compradores se decidirem pela compra, cientes que facilidades e baixo de custo de comunicações com a Europa e o resto do Mundo lhes permite, de forma permanente ou temporária, trabalhar a partir de Cabo Verde.

Por tudo isto é fundamental que se crie e se mantenha uma pressão sobre os governantes no sentido de sempre terem presente a questão central da governação que é de mobilizar as energias da Nação para o crescimento económico e a criação de empregos. Evitam-se assim tentações de se transformar o governo do País numa gigantesca operação de relações públicas e propaganda, cheia de gestos simbólicos e cerimónias vazias, enquanto milhares se mantêm desempregados e a pobreza e o desespero se acentuam. Publicado no Jornal Asemana de 9 de Abril de 2010

segunda-feira, maio 24, 2010

Crise 2.0 : Será desta?

Finalmente foram publicadas números sobre o emprego em Cabo Verde. Mudou-se a metodologia do estudo, mas 3,5% continua a ser o aumento em desemprego registado ao nível nacional. S.Vicente ficou em primeiro lugar com 26,7% de desemprego.

Os dados do emprego vieram confirmar o que tem sido o maior falhanço do Governo actual. A incapacidade em acertar com numa política económica que propiciasse crescimento sustentável e emprego em número suficiente para debelar o desemprego e satisfazer as expectativas de quem anda à procura de trabalho ou entra pela primeira vez no mercado de trabalho. Já trocou cinco vezes de titular de Economia, mas não muda políticas nem a atitude em relação á economia e ao sector privado nacional. Actualmente é o próprio Primeiro-Ministro a assumir a pasta, coadjuvado por um Secretário de Estado Adjunto, e tudo continua essencialmente na mesma.

O Governo tem invocado a Crise internacional como razão pelo não cumprimento das promessas de crescimento e de emprego. Mas muito claros eram os sinais de quebra de ritmo antes da crise. Via-se que as oportunidades criadas pelo boom no crédito e a expansão do comércio internacional, esfumavam-se por entre os dedos dos caboverdianos. Intenções de investimento perdiam-se com demonstrações de ganância, com obsessão de controlo e com a luta politiqueira entre o Governo e as câmaras municipais.

S.Vicente foi especialmente atingida pela falta de visão, pela falta de vontade e pela cultura política de prepotência do Governo central. Nos primeiros anos de governação assistiu perplexo à retirada do Promex, o centro de promoção de investimentos. Subsequentemente foram destruídos milhares de postos de trabalho na indústria. A promessa que o programa americano do AGOA podia significar para a expansão industrial e mais emprego esvaneceu-se perante a indiferença do Governo. Ficou claro que os governantes só se deixam excitar com programas como o MCA, que é essencialmente de doações.

As facilidades de exportação do AGOA foram aproveitadas, por exemplo, pelo Lesotho, um pequeno país encravado entre vários outros no sul da Africa e a muitas horas de voo dos Estados Unidos. Segundo a publicação do Banco Mundial “Yes, Africa Can” Lesotho criou mais de 35 mil postos de trabalho entre 2000 e 2008 na indústria de vestuário e calçado. E, a jusante e a montante da actividade de exportações, conseguiu erguer um cluster de indústrias e serviços conexos que, para além de criar mais emprego, lhe garantiu sustentabilidade e competitividade acrescidas.

O Governo não parece interiorizar a ideia que Cabo Verde, com um mercado interno minúsculo, tem que desenvolver um sector exportador de bens e serviços para garantir a sustentabilidade da economia. Já foi colocado no grupo dos países de rendimento médio e sabe que doações e empréstimos concessionais, paulatinamente, irão desaparecer. E as remessas dos emigrantes, que ainda constituem uma boa almofada para as populações, principalmente em tempo de dificuldades, inevitavelmente terão peso menor no cômputo global da economia nacional.

A publicação dos dados sobre o mercado de trabalho é acompanhada, mais uma vez, da desculpa de que o desemprego é estrutural, para justificar a incapacidade de criar postos de trabalho a taxas aceitáveis. Mais do que nunca essa desculpa não deve ser aceite. A actual crise europeia alerta contra o uso do rótulo “estrutural” como pretexto para não se agir decisiva e tempestivamente. Procrastinação paga-se caro.

Países como Grécia e Portugal encontram-se na actual situação, a braços com uma nova crise, porque ignoraram por muito tempo os problemas estruturais. Não reagiram consequentemente à queda progressiva da competitividade externa dos seus bens e serviços e às dificuldades em criar novos sectores de actividades onde as vantagens comparativas poderiam ser potenciadas. Beneficiaram das vantagens da moeda única, designadamente ao nível do crédito, mas acumularam dívidas que hoje, sem um sector exportador dinâmico, se mostram incapazes de pagar.

Os tempos de bonança dos fundos de integração na União Europeia não foram aproveitados para modernizar e diversificar a economia, qualificar a mão-de-obra e ultrapassar ineficiências cruciais para a competitividade futura. Pelo contrário. Serviram de pano de fundo sobre o qual alguns puderam enriquecer em actividades protegidas da concorrência. Salários e preços aumentaram, sem correspondente crescimento da produtividade nacional. E desequilíbrios macroeconómicos se acentuaram, sob o peso da dívida pública e privada.

A crise financeira de 2008 pôs a nu as falhas estruturais de muitos países. Endividaram-se com o intuito de resgatar o sector financeiro, em risco de insolvência, e para estimular a economia com investimentos públicos e outras despesas do Estado. Mas a recuperação tem sido lenta e os défices gargântuos, criados no processo, ameaçam com uma nova crise: a crise da dívida soberana. E é para diminuir o risco dessa crise que medidas severas têm sido tomadas na Grécia, em Portugal e Espanha. Decidiram, entre outras medidas, por cortes e congelamento de salários, alterações na idade de reforma, paralisação de investimentos públicos de prioridade duvidosa e diminuição da cooperação. A Espanha propõe-se fazer um corte de 600 milhões de euros na ajuda ao desenvolvimento.

Não tinham outra escolha. Sem a possibilidade de desvalorizar a moeda para ganhar competitividade em relação aos seus principais parceiros comerciais, também eles da zona euro, a única via que os ficou foi realinhar, por baixo, salários e preços. O problema é que isso pode levar a uma recessão difícil de ser contornada. A falta de confiança na eficácia de todas essas medidas é notória no persistente deslize do euro em relação ao dólar, não obstante as garantias do Banco Central Europeu.

Em Cabo Verde, a reacção às crises sucessivas têm tido um quê de surrealismo. È como se pertencesse a outro planeta. Primeiro, o Governo proclamou que tinha blindado o País contra a crise. Depois, quando se tornou evidente a paragem de todos os projectos nas várias ilhas, mas particularmente em S.Vicente, devido essencialmente à sua atitude “controleira e obstaculizante, içou a bandeira da Crise para se justificar pelas promessas não cumpridas de emprego e crescimento. A seguir, o Governo pretendeu que, com os investimentos em infra-estruturas e aumento geral das despesas públicas, estava a seguir os mesmos caminhos de estímulo à economia nacional, adoptados noutros países.

O resultado disso tudo vê-se no défice orçamental de mais de 9%, no défice da balança de pagamentos de 19% e no nível da dívida pública a aproximar-se dos 100% do PIB. Os indicadores macroeconómicos ultrapassam em muito os limites definidos na Lei de Enquadramento Orçamental com vista à sustentabilidade do Acordo Cambial com o euro. São dificuldades similares de défice orçamental, de défices nas contas externas e de dívida pública que ameaçam precipitar vários países europeus numa situação crítica, pré insolvência.

Como esses países também Cabo Verde, devido ao Acordo Cambial, não tem a opção de desvalorizar a moeda, sob pena de gerar uma crise de confiança de resultados imprevisíveis. Quer isso dizer que a única saída para repor os equilíbrios macroeconómicos poderá passar por medidas fiscais austeras, com consequências severas para as populações. A diminuição nas remessas de emigrantes em 10%, segundo o relatório do Banco Central, é um sinal que deixa adivinhar tempos ainda mais duros à frente. Particularmente porque o grosso dos emigrantes na Europa está precisamente nos países mais atingidos pelas medidas de ajustamento estrutural.

O Governo, já em plena campanha eleitoral, não dá mostras de encarar a situação com a atenção devida. Enquanto na Grécia o 13º e o 14º mês de salários são cortados, em Cabo Verde, o Primeiro-Ministro promete o 13º mês. E no afã de gerir as expectativas, com vista a ganhar mais um mandato, não se coíbe de manter as políticas e a atitude de anos atrás, que pouco contribuíram para criar emprego e aumentar o rendimento das pessoas.

A Afrosondagem publicada há dias mostra a insatisfação geral do eleitorado caboverdiano, em 61%, com o Governo, quanto à criação de emprego, justiça, segurança e a luta contra pobreza. De facto, facilmente se constata que a questão do emprego não é prioridade nos discursos dos governantes. Falam de financiamentos, da credibilidade do país e dos meios disponibilizados mas põem em segundo plano emprego e mercado para os produtos. Emprego, quando referido, é como algo a resultar automaticamente da formação profissional. A realidade porém é outra. Segundo o engenheiro António Canuto, citado pela Inforpress de 16/5/2010, “Aquelas formações que nós preparamos em 10 meses ou um ano, nenhum país já precisa. Temos milhares de jovens formados em culinária, electricidade, canalização, que se diz qualificada, mas desempregada”.

Quanto ao impacto dos investimentos em infra-estruturas, suportados na dívida externa, há que ter, citando o economista do Banco Central Péricles Silva, a devida ponderação na hierarquização e prioridade das nossas necessidade/investimentoss mas sobretudo na sua qualidade, não se criando elefantes brancos tendo em conta os efeitos futuros”(Asemana, 14/5/10). Uma ponderação difícil, particularmente quanto se procura conciliar as razões do governo português, em criar as linhas de crédito, que são as de subsidiar as exportações e apostar na internacionalização das suas empresas, e as razões caboverdianas, que, em tese, deviam ser de criar emprego, densificar o tecido empresarial nacional e provocar o maior efeito de arrastamento no resto da economia. E não está a resultar. O crescimento continua fraco, o desemprego aumenta, as empresas nacionais lutam por sobreviver e a dívida agiganta-se. Interpretando a intenção dos 41% no Afrosondagem que dão nota positiva ao programa de infra-estruturas, parece que só o Governo está a ganhar.

A Crise Financeira de 2008/9 não serviu para Cabo Verde sair do seu torpor habitual e questionar porque aproveitou tão pouco do tempo das vacas gordas. A Crise da Dívida Soberana de 2010 é mais um aviso do que pode acontecer quando um País não tome a sério os seus desequilíbrios externos. Mostra como podem falir, caso da Argentina em 2000 ou ver-se à beira da falência como acontece agora com a Grécia.

A oportunidade nos dois momentos de se discutir as opções do País é desperdiçada por razões de apego ao Poder, a todo o custo. Com tal propósito, usa-se e abusa-se de recursos do Estado para impedir discussão e propagandear posições que só enaltecem o governo e mantêm a sociedade e o País presos na miragem da ajuda e da cooperação. Deixa-se por renovar, durante meses e anos, mandatos de administradores e do próprio governador do Banco Central (BO II Série de 12/5/2010). O que pode indiciar tentativas de condicionamento de instituições fundamentais para manutenção de confiança no País. Recrudesce-se a campanha contra as câmaras, recorrendo a ministros, deputados e serviços desconcentrados do Estado, para passar às populações que a responsabilidade pela estagnação económica e pelo desemprego não é do Governo da República, mas sim dos autarcas.

Uma segunda crise ameaça a Europa e o mundo. Será desta que os caboverdianos irão equacionar seriamente o futuro?

segunda-feira, maio 10, 2010

“Espectáculo” duvidoso em S. Vicente

A polícia judiciária procedeu a uma busca nalguns gabinetes e serviços da Câmara Municipal de S.Vicente no dia 27 de Abril. A PJ considerou necessária montar um cerco ao edifício da câmara e congelar durante mais de quatro horas o funcionamento dos serviços. Funcionários e utentes apanhados no local a tratar dos seus assuntos foram bloqueados à saída. Munícipes necessitados dos serviços da edilidade foram impedidos de entrar.

A intervenção policial em S.Vicente causou estranheza e perplexidade na ilha e no resto do País. A operação levantou sérios problemas quanto ao respeito pelo princípio da proporcionalidade na utilização da força policial.

Muitos questionam se, para os fins pretendidos com a busca, foi adequado desencadeá-la quando simples utentes presumivelmente sem qualquer relação com a matéria em investigação encontravam-se no edifício. E que, por isso, viram os seus direitos restringidos pelas autoridades policiais, confinados que foram ao espaço da Câmara sem capacidade de livre movimentação.

Também se questiona se era indispensável que a investigação fosse feita no horário normal de funcionamento dos serviços da câmara municipal. Se o objectivo das buscas era a captura de indícios ou factos no fluxo de dados ou na interacção dos serviços com os municípes durante o expediente diário. Porque só assim se pode explicar que, funcionando os serviços em horários único, não se fizesse a busca depois do expediente ou antes, notificando no momento e local certo e de forma coordenada os visados pelos mandatos de busca e poupando os outros funcionários, os eventuais utentes e a imagem da instituição.

Ainda se questiona se o aparatus e a disposição das forças policiais na definição de um perímetro de segurança à volta do edifício da Câmara Municipal contando, segundo alguns relatos, com suporte em standby de elementos da polícia militar, se justificava. Se era proporcional com a possibilidade de resistência que razoavelmente podia-se antecipar. Não parece que haja registos de sinais por parte dos visados nas investigações que podiam oferecer resistência de qualquer espécie. Pelo contrário declarações públicas proferidas em várias ocasiões por titulares dos órgãos municipais de S.Vicente convidavam a posturas mais proactivas das autoridades na investigação. Precisamente para que o mais rápido possível se chegasse ao completo esclarecimento de acusações feitas e consequente despolitização do processo.

Segundo órgãos de comunicação social no local, finda a busca, a polícia judiciária acabou por sair do edifício da Câmara Municipal com vários documentos e um computador. Para trás ficaram o stress e inconveniências provocados em funcionários e cidadãos durante as horas de confinamento. E também a forte beliscada na imagem da instituição Câmara Municipal de S. Vicente. Os tumultos populares, aparentemente considerados na montagem da operação e contra aos quais as forças da ordem se prepararam e se equiparam até o pormenor do colete à prova de balas, não aconteceram. Mas uma sensação de desnorte e descrédito parecia invadir todos os que presenciaram a cena e puderam constatar a forma ligeira, desrespeitosa e intimidatória como foi tratada uma instituição venerável de S.Vicente que é a sua câmara municipal. E para quê?

Não se cumpriram todos os mandatos de busca. A presidente da câmara municipal, quem oficialmente responde em juízo pelo órgão, esteve ausente. Mesmo objecto do mandato judicial não foi requerida a sua presença nem se procedeu à busca do seu gabinete. Para um observador de fora isso parece estranho e naturalmente que convida a interrogar que outros factores, que não os de eficácia, pesaram nas decisões tomadas, tanto na escolha do momento como em limitar o escopo da operação. Complica ainda mais as coisas o ataque, coincidente com a operação policial, deferido contra a câmara por elementos da estrutura local do partido que suporta o Governo, a questionar a legitimidade do presidente substituto da câmara municipal. Os mesmos que têm sido protagonistas das denúncias a conta-gotas, numa clara manobra de instrumentalização da Justiça e de incriminação e julgamento de pessoas e instituições, através da comunicação social.

A fonte na PJ citada pelo Jornal Asemana de 30/4/2010 deixou claro a multiplicidade de intenções que rodearam a acção policial: “ A operação foi espectacular, um sucesso. Mais tarde veremos os resultados. O mais importante em tudo isso foi mostrar que a PJ e o Ministério Público estão atentos a qualquer situação de criminalidade e têm total autonomia para investigar os processos que têm em seu poder. Que se saiba não houve desmentido da PJ em relação a essas declarações. Supõe-se, então, que o móbil da operação foi fundamentalmente espectáculo, para mostrar autonomia. Os resultados vêm em segundo lugar. O problema que não se dá “show” de autonomia perante câmaras municipais, com as quais não há qualquer relação orgânica ou tutelar. Menos ainda com uma câmara da oposição sujeita à pressão do governo e a uma longa e perversa guerrilha dos responsáveis locais do partido que suporta o Governo. Muito pelo contrário.

Ninguém põe em causa que se faça investigação criminal e que se procure ser o mais eficaz. Mas às forças da lei exige-se que não se poupem em esforços para conduzir todo o processo com respeito pelos direitos das pessoas e a agir tendo sempre presente o princípio da proporcionalidade.

Na democracia o Estado detém o monopólio de violência e deve ser o garante do exercício pleno das liberdades e da segurança dos cidadãos. O Estado realiza-se no papel de garante da Liberdade e da Segurança posicionando as forças da ordem na primeira linha de defesa dos direitos dos cidadãos e da legalidade. Para isso mostra-se fundamental que crie e mantenha mecanismos institucionais múltiplos no interior e no exterior das forças de segurança para controlar abusos e manter as forças imunes à corrupção e impermeáveis a tentações de instrumentalização política.

O desafio que o assumir pleno desses papéis coloca ao Estado, no momento em que emergem novas e mais complexas ameaças, tende a passar de lado em Cabo Verde. Perde-se em grande parte na avalanche de argumentos políticos que são esgrimidos pelas diferentes forças políticas sempre que a temática da segurança é trazida à ribalta. O Governo defende-se de qualquer criticismo em direcção às práticas das forças de segurança acusando os críticos de atacar essas forças. E vai mais longe com insinuações mais ou menos veladas de que a oposição, com as suas chamadas de atenção, coloca-se na posição de incentivo, conluio e associação a actividades criminosas.

Uma barreira levanta-se entre a população que exprime o sentimento de insegurança e o Estado que lhe dá em troca dados estatístico a provar que está enganada. “É só impressão” dizem as autoridades. Pessoas queixam-se de abusos da polícia, humilhações e mesmo de agressões nas esquadras e o Governo não responde, não comunica com a sociedade. Não diz se a polícia abriu um inquérito interno. Se a Tutela mandou sindicar a situação. Quais foram os resultados. Se houve processo disciplinar e/ou processo criminal. Se foi criado algum órgão para rever os procedimentos policiais com o fito de evitar essas situações. Se nos currículos na escola de formação da polícia está-se a pôr maior ênfase na capacitação para uma relação de confiança com a população.

O governo, ao não agir para pôr a Polícia a salvo de tentações de abuso de poder com meios institucionais adequados, falha na protecção da instituição policial, falha no incentivo a uma melhoria permanente dos métodos da instituição e falha em criar o ambiente indispensável de confiança entre a população e a polícia. Tudo isso tem custos. A polícia exige mais meios para compensar a falta de colaboração da população. A eficiência no uso dos meios diminui porque, devido à falta de feedback e de pressão institucional, não se revêem os procedimentos na acção policial para os adaptar às novas situações. A sociedade fica mais violenta porque as pessoas não confiam na polícia e agem por conta própria e a polícia é obrigada mais vezes a recorrer a violência para se impor e compensar a sua menor capacidade de dissuasão e de persuasão.

O abalar das instituições do Estado e também da sociedade civil tem um efeito corrosivo na sociedade. Os indivíduos ficam mais soltos, potencialmente mais violentos e menos propensos a aceitar pressões de grupo ou da comunidade para evitar incivilidades e comportamentos anti-sociais. Quando se organiza Fórum para reflectir sobre a violência, um ponto importante devia ser avaliar em que medida certas políticas e acções das autoridades concorrem para abalar o tecido social e dissolver os laços que ligam os indivíduos às suas comunidades.

A humilhação a que foi sujeita a Câmara Municipal de S. Vicente claramente não serviu o interesse da comunidade nacional de elevar o respeito pelas instituições públicas. Serviu outros interesses que não os de uma investigação criminal que se quer sempre eficaz, discreta e conclusiva. Serviu interesses de espectáculo e de demonstrações “macho” para outrem. Foi aproveitado para mais uma machada política no quadro de uma guerrilha que vem de longe. Fragilizou as instituições envolvidas.

Espera-se que a Justiça seja feita para que a dignidade das instituições públicas seja reposta.

segunda-feira, maio 03, 2010

Auto-Censura Reforçada

Sucessivos relatórios da Freedom House e de outras organizações similares destacam a auto-censura como um factor impeditivo da liberdade de imprensa em Cabo Verde. Jornalistas e órgãos de comunicação social rotineiramente abstêm-se de perseguir com afinco notícias ou de confrontar as fontes. Na generalidade dos casos limitam-se a repetir informações oficiais. A contextualização das notícias é mínima e raramente se evoca a memória de factos e de pronunciamentos passados para responsabilizar actores políticos e elucidar a opinião pública.

Ainda não se estabeleceu de forma inequívoca a ideia de que, na democracia, a comunicação social serve o público, garantindo o pluralismo e assumindo-se como veículo essencial para o exercício da liberdade de expressão e de informação. E que nessa qualidade dá conteúdo à liberdade de imprensa enquanto liberdade-resistência contra os poderes públicos e afirma-se como garante da livre formação da opinião pública.

A tendência prevalecente é para se deixar enredar nos interesses políticos de partidos ou de certos sectores e personalidades no interior dos partidos. Particularmente preocupante é a postura da comunicação social pública, com destaque para a televisão. É onde se concentra o esforço de manipulação da opinião. O resultado vê-se no nível persistentemente baixo da comunicação social caboverdiana, não obstante os vinte anos de vivência democrática e o nível educacional de entrada na profissão cada vez mais elevado dos jornalistas.

A auto-censura que a malha de interesses gera não permite que os órgãos de comunicação, em especial os públicos, sejam learning organizations para os seus profissionais: Que se revelem e se realizam como espaços de maturação e consolidação de experiências, como depositários da memória colectiva e como portadores de uma ética e de um ethos próprio que prima pela busca da verdade e encontra satisfação na emergência de uma opinião pública informada. Pelo contrário, nota-se que se tornam em espaços onde se verificam, amiúde, desperdício de talentos, quebra de motivação para fazer melhor e oportunismo de alguns.

É esse ambiente de auto-censura que o Governo quer perpetuar e aprofundar com as novas leis de comunicação social. Nesse sentido propõe-se agir em três vertentes:

1-Condicionar a comunicação social transformando-a em parceira de desenvolvimento.

O Governo justifica-se com a necessidade de uma parceria com os media para colmatar uma suposta insuficiência de formação dos cidadãos. Parece que o pluralismo e a livre expressão de ideias e de correntes de opinião na democracia não propiciam boa cidadania. Por isso, acredita que o Estado deve intervir para dar formação e, nesse sentido, disponibiliza-se para subsidiar, premiar e dar benefícios fiscais a jornalistas e órgãos de comunicação social que melhor se mostram como parceiros na promoção de políticas de desenvolvimento e na censura de más práticas. .

O problema é que políticas económicas e critérios de censura, obviamente, só podem ser os conforme às opções políticas, ideológicas e estéticas governamentais. E quando tais opções entram pela porta o pluralismo e a liberdade da imprensa saem pela janela fora. Finge-se desconhecer que se está, mais uma vez, perante exercícios em engenharia social do tipo “construção do homem novo”. Engenharias que, no passado recente, oprimiram pessoas e serviram para atomizar a sociedade, destruir valores e tradições e substituir consciência cívica e sentido de pertença à comunidade por militância e aderência a organizações de massas. Quando hoje se sai á procura de razões para os problemas sociais que afectam transversalmente a sociedade, e particularmente os jovens, devia-se começar pelas mazelas deixadas pelos quinze anos de totalitarismo.

2- Minar o pluralismo com concessão do serviço público de radiodifusão e de televisão a empresas privadas e abertura do capital dos órgãos públicos de comunicação social a privados.

O Governo abre possibilidades na contratação do serviço público de comunicação social no pacote de leis referido que colidem com os princípios constitucionais no que respeita à existência de um sector público e de um serviço público de comunicação social. A posição dos proeminentes constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreia nessa matéria é inequívoca: A existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e televisão constitui garantia institucional de um sector público da comunicação social , o qual não poderá ser aniquilado ou abolido”. Isso porque, segundo eles, “o regime constitucional do serviço público de rádio e televisão significa: (1-) sob o ponto de vista jurídico, é um serviço prestado por uma entidade pública (não privada ou cooperativa); (2) esta entidade pública deve ter um esquema organizatório caracterizado pela autonomia e independência perante o Governo e a Administração; (3) a programação deve considerar ou ter em conta o espectro global das opiniões e interesses políticos, culturais, sociais, religiosos e económicos.

O Governo quer justificar contratos de concessão de serviço público a órgãos de comunicação social privados como forma de os facilitar acesso a financiamento do Estado. Põe de lado quaisquer dúvidas quanto á possibilidade real de órgãos, controlados por interesses bem identificados, prestar serviço público de radiodifusão e televisão, nos termos exigidos pela Constituição, no tocante designadamente, à garantia do pluralismo e à independência dos jornalistas em relação aos poderes político, económico e da Administração.

O que parece mover o governo é a vontade de alargar o seu campo de influência na comunicação social. Por isso acena órgãos privados com a possibilidade de financiamento público. Curiosamente não diz o que iria acontecer com os órgãos do sector público quando livres dos constrangimento derivados da prestação do serviço público da comunicação. Se seriam privatizados ou se seriam transformados em puros instrumentos de propaganda.

3- Condicionar jornalistas e os media com responsabilidades acrescidas.

O Governo, na apresentação das leis de comunicação social deixou evidente a sua extrema preocupação do governo com os novos meios de comunicação com base na Internet. O Governo predispõe-se a legislar de forma musculada na procura de responsáveis e de “culpados por usos discutíveis da Internet. Aproveita-se da ainda novidade da Internet para empolar as suas consequência juntos dos menos avisados e para se justificar na repressão. Quer que se esqueça que abusos de formas novas de comunicação aconteceram sempre e que em todos os casos os receios acabaram por revelar-se exagerados. Foi o caso com telefones, faxes , Internet, e-mail e, agora, a atenção vira-se para os espaços sociais como Myspace, Hi5, Facebook, etc. Mas de facto não razões para paranóia.

Muito menos há razões para se usar o repúdio por certos actos execráveis na Net para se atirar fora o “proverbial bebé juntamente com a água suja do banho”. Ou seja que se use o pretexto do mau uso para intimidar o sector de comunicação e aprofundar a auto-censura. Os meios electrónicos e do ciberespaço dão uma outra dimensão ao direito de informar, de ser informado e de acesso à informação. Para os governos excessivamente sensíveis com o controlo da comunicação, porque vêem a governação como fundamentalmente acções de relações públicas e propaganda, as facilidades da Internet constituem um desafio sério. Cai-se facilmente na tentação de controlo.

Não podendo impedir o aparecimento de jornais online vai-se, por um lado, pelo condicionalmente do órgão e do jornalista. Densifica-se o direito de resposta e de rectificação por vias que limitam o exercício de direitos, designadamente da liberdade de expressão. Envereda-se mesmo por um direito de esclarecimento, que a Constituição, em nenhum artigo, estabelece. Por outro lado, constrange-se a entrada na profissão de jornalista com a exigência de licenciatura em comunicação social e alarga-se a definição da actividade jornalística para campos sem paralelo noutros estatutos dos jornalistas, designadamente o português.

Sofrem os media sem uma diversidade maior de formação básica e de vivência dos jornalistas. Restringe-se a capacidade de muitos não jornalistas de exercerem o seu direito de informar com crónicas, análises e comentários. Torna-se mpossível a emergência de uma opinião pública informada com a dieta de informação e de opinião a ser produzida por uma comunicação social apanhada nas malhas da dependência do Estado, tolhida com receios excessivos de responsabilização criminal e forçada a ter jornalistas todos formados nas mesmas escolas.

A preocupação do Governo com a comunicação social é por demais evidente. Ouvindo a rádio e vendo televisão todos os dias fica-se com a clara impressão que a actividade do Governo domina completamente as notícias. Os membros do Governo desdobram-se em aparições por todo Cabo Verde repetindo em inaugurações, lançamentos de primeiras pedras, fora, workshops e visitas, declarações feitas noutros dias, semanas e mesmo meses anteriores. E, todas as vezes, o que dizem constitui notícia nos órgãos estatais de comunicação.

È evidente que com tal prática não se está a assegurar a expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião dentro dos parâmetros exigíveis pelo pluralismo democrático. Mas o Governo parece perfeitamente confortável com isso. Mais, a intenção é claramente de usar a sua posição para manter uma posição hegemónica na comunicação social. Por isso é que se recorre de fundos públicos no valor de mais de 30 milhões de escudos para, supostamente, fazer divulgação do trabalho governamental.

Apresentar as leis de comunicação social antes da entrada em vigor da Constituição revista faz parte desse esforço de controlo. A revisão de Fevereiro criou uma Autoridade Independente constituída por personalidades eleitas pelo Parlamento por maioria de dois terços para gerir e regular tudo o que respeita à comunicação social e, em particular, o sector público e a prestação do serviço público. A pressa do governo em legislar visa claramente esvaziar e constranger esse órgão constitucional á nascença. E não será provavelmente alheio a isso o atraso incompreensível na publicação do novo texto da Constituição, promulgada a 6 de Abril pelo Presidente da República.

Da forma como o Governo age em relação à comunicação social em Cabo Verde fica claro que há uma vontade de controlo e de manipulação. Que a auto-censura, constatada pela Freedom House é o resultado da pressão constante sobre os órgãos e os profissionais. E que os media estão longe da atitude de watchdogs ou de contra poder esperada nas democracias. Revelador do que realmente se passa é o facto do Governo encenar a defesa dos jornalistas e os atiçar contra a oposição sempre que há críticas sobre o grau de pluralismo e o excesso de protagonismo do Estado na comunicação social. É esse estado de coisas que se impõe mudar com a criação da Autoridade Reguladora. Para que o pluralismo e a liberdade de imprensa floresçam em Cabo Verde. (artigo publicado no jornal Asemana de 30/4/2010)

domingo, março 28, 2010

Deriva pré-Eleitoral

O Governos nas últimas semanas parece ter sido acometido de um frenesim para legislar. Leis e propostas de leis sobre matérias sensíveis, como situação de imigrantes, comunicação social, criação de novas categorias de autarquias, aquisição de nacionalidade e assuntos laborais, foram produzidas, sem a ponderação que deviam merecer. A um ano das eleições a agenda do Governo já assumiu um pendor marcadamente eleitoral. A reunião, no último fim de semana, dia 20-21de Março, do órgão máximo do partido que suporta o Governo, o PAICV, definiu como prioridade as eleições legislativas. Foi reforçada a deriva eleitoral do governo. Deriva cada vez mais notória desde que o Governo deixou de poder fingir que seria, ainda, capaz de cumprir as promessas da legislatura, em matéria de crescimento económico e de emprego. Há muito que se mostrou urgente a definição de uma política de imigração. O acordo de livre circulação com os países da CEDEAO sujeitou Cabo Verde à pressão de uma região com mais de 300 milhões de habitantes e um rendimento por habitantes várias inferior. Diferentemente dos imigrantes noutros países em rápido crescimento, designadamente os países europeus nas décadas de cinquenta e sessenta, a população imigrante em Cabo Verde não foi chamada, muito menos seleccionada, para responder às necessidades do País. Simplesmente fluiu sem resistência em direcção às ilhas, elas próprias a debaterem-se com médias de desemprego de mais de 20% da população. O Governo não sabe qual é a situação nem o número exacto dos imigrantes. Em declarações de 5 de Março deste ano, a Porta Voz do Conselho de Ministros punha esse número entre 10000 a 15000. No Plano de Segurança Interna do Governo (pgs. 50 e 51) diz-se que (…) “Em 2006, estavam em Cabo Verde 15000 a 20000 imigrantes dos quais só 1800 eram residentes legais”. Mas há quem fale em números superiores a esses. O facto é que ninguém parece saber. E, muito menos, avaliar as consequências, quando se reconhece, citando o documento referido, que “A esmagadora maioria destes imigrantes em Cabo Verde são homens entre os 17 e os 40 anos de idade, sem qualificação profissional e professam a religião islâmica”. Pensando na integração desses imigrantes, o Governo deve-se atentar ao facto, segundo o Plano de Segurança Interna (pg. 51) de que, (…) muitos já reúnem o seu núcleo familiar em Cabo Verde e os seus filhos não integrarão o sistema público de ensino. Há indícios de madraças [madrassas]em alguns bairros da capital deles (…). Ou seja, há indícios de escolas corânicas, escolas conhecidas em vários países como sendo objectos de financiamento pelo fundamentalismo islâmico wahhabista da Arábia Saudita. Sem estudos prévios e sem política de imigração definida, o Governo avança com processos expeditos de regularização de guineenses. Fica-se sem saber qual o impacto demográfico global no país, o impacto por ilha e, em particular, o impacto nas ilhas de população diminuta. E, especialmente, quais as consequências eleitorais. Os números 3 e 2 respectivamente dos artigos 418º e 419º do Código Eleitoral faz dos cidadãos lusófonos, legalmente estabelecidos, eleitores de titulares dos órgãos electivos dos municípios e elegíveis para esses mesmos órgãos, nas mesmas condições que os cidadãos nacionais. Muitas vezes em Cabo Verde não se põe em devida perspectiva a realidade demográfica de um país com 500.000 pessoas espalhadas por dez ilhas, algumas delas esparsamente habitadas. Raciocina-se como se de um país grande e continental se tratasse. Recorre-se a supostos “complexos de culpa”, derivados do facto dos caboverdianos terem sido imigrantes em vários países, para justificar inacção. Esquece-se que, exceptuando S.Tomé, os caboverdianos sempre foram uma pequeníssima minoria nos países de acolhimento de milhões de habitantes. A presença percentual mínima dos caboverdianos nunca foi problema na dimensão que milhares de imigrantes podem constituir em ilhas como Boavista, Sal Maio e Brava. São realidades incomparáveis. A exemplo das Maldivas, Seychelles, Maurícias e outros países/ilhas, há que ter políticas de imigração cuidadas. Rigor maior devia merecer o processo de aquisição da nacionalidade. Significativamente é nessa matéria que o Governo, com uma proposta de lei ao parlamento, pretende criar facilidades. Facilidade a quem tenha nascido no estrangeiro e pode adquirir a nacionalidade, porque presumivelmente descendente de caboverdianos, mas que ainda não provou, ou não se deu ao trabalho de seguir os procedimentos exigidos, incluindo inscrição nos serviços centrais de identificação civil. Facilidade, ainda, a estrangeiros casados e mesmo em união de facto reconhecível. Neste ponto o Governo parece ignorar o que o seu Plano de Segurança Interna constata: (…)“Notícias da imprensa escrita, em 2008, davam conta da conversão, em média, de um caboverdiano/dia à religião muçulmana, especialmente mulheres, que a troco de dinheiro casavam com imigrantes, permitindolhes, pela via da naturalização, adquirir a nacionalidade caboverdiana”.

E tudo para quê? Segundo o preâmbulo da proposta de lei, é para efeitos de recenseamento eleitoral e para uma participação mais abrangente nos actos eleitorais. O Governo prefere que se relaxe no rigor, a exigir na aquisição da nacionalidade caboverdiana, quando podia se concentrar em tornar a Administração Pública mais eficaz na resposta aos que, de forma declarada e activa, querem ser nacionais. Chega ao ponto de propor um aditamento á lei de nacionalidade, artigo 34º-A, em que “atribui nacionalidade a todos inscritos no Consulado ou posto consular, salvo declaração em contrário da pessoa”. Claro que a pergunta óbvia que se põe é como conseguiram fazer inscrição consular sem bilhete de identidade ou passaporte, ou seja sem nacionalidade caboverdiana. A deriva do Governo continua por outros campos. Na tarde da sexta-feira passada, dia 18 de Março, os deputados foram confrontados com um novo texto da proposta de lei de descentralização administrativa. O Governo tinha resolvido criar autarquias supramuncipais, as regiões administrativas, e autarquias inframunicipais, as freguesias. No discurso do PAICV vinha-se testando a ideia de regiões como fuga em frente para esvaziar movimentos para regionalização provocados pela aceleração da centralização do País nos últimos anos. Mas parece que, de repente, fez-se luz. A precipitação surgiu, pelo que se pode deduzir do relato no portal do governo, das idas recentes do Sr. Primeiro Ministro aos bairros da Praia. Nos encontros teria constatado a falta de autoridade inframuncipal. Logo de seguida, na quinta-feira, o Conselho de Ministros aprovou a criação de freguesias e, provavelmente, aproveitou para, em simultâneo, criar regiões administrativas, apanhando todos de surpresa. E a surpresa para ser mais completa teria que ir na lei de descentralização, que já estava agendada para discussão no parlamento, em vez de se fazer uma lei própria como estabelece o artigo 217 da Constituição:As autarquias locais são os municípios, podendo a lei estabelecer outras categorias autárquicas de grau superior ou inferior ao município. Uma outra lei que também surpreendeu foi a lei da comunicação social. O País está a poucos dias de ver publicado no B.O. o novo texto da Constituição da República, texto que resultou da revisão constitucional realizada em Fevereiro último. Uma das mudanças profundas na Constituição foi precisamente no domínio da Comunicação Social, com a criação de uma autoridade independente para a regulação do sector. Nesse órgão, eleito pela Assembleia Nacional, já não têm assento membros nomeados pelo Governo. A lei proposta ignora isso e faz tábua rasa do preceito constitucional que obriga a redesenhar todo o sector tendo no seu núcleo central essa autoridade com competência para garantir as liberdades de expressão, de informação e de imprensa, o pluralismo e a independência dos jornalistas e dos órgãos de comunicação, face aos poderes políticos, a interesses económicos e à Administração. A pressa do Governo poderá estar a revelar alguma apreensão quanto à instituição da autoridade reguladora. Com o Tribunal Constitucional foi a mesma coisa. O resultado é que dez anos passados esse Tribunal ainda não está instalado, mercê de bloqueios vários promovidos pelo Governo. Incluir na lei apresentada normas sobre o Conselho de Comunicação social, órgão criado em 1990 para dirimir conflitos no ambiente plural então emergente, para o promover a órgão regulador, indicia blocos no caminho da instalação da Autoridade Reguladora. Uma outra inovação é considerar a comunicação parceira e daí convidá-la, entre outras coisas, a incentivar e apoiar políticas económicas e a censurar más práticas. O Estado daria subsídios, benefícios fiscais e outros incentivos a quem melhor fizesse isso. Ou seja a instrumentalização pura e dura, precisamente no momento em que o Governo esforça-se por mostrar como boas a sua governação e quer denunciadas opiniões contrárias, caracterizadas como más práticas da comunicação social. Recentemente classificou como criações ou sensacionalismos dos jornalistas as revelações sobre a insegurança e a violência no País. O frenesim legislativo também chega ao mundo do trabalho. Ai, O Governo propõe alterar os tempos previstos para a transformação de contratos a prazo em contratos permanentes. Com isso compromete-se o quadro de previsibilidade de custos de trabalho, que a entrada em vigor da lei laboral em Outubro de 2007 dava aos operadores. Pelo caminho cria-se insegurança jurídica, mina-se a confiança e aumentam os custos do emprego/despedimento. Precisamente um dos índices que colocam Cabo Verde no grupo pior de países em matéria de ambiente de negócios, como ficou claro no Relatório do Doing Business 2010. Os benefícios políticos eleitoralistas esperados pelo Governo não compensam o que os desempregados irão pagar pela insegurança criada, pela maior rigidez do mercado de trabalho e pelo adiamento das decisões de contratação de mão de obra, devido aos custos acrescidos. Períodos eleitorais são bem definidos nas democracias. Os governos têm um mandato claro ao fim do qual o povo fica em posição de avaliar desempenho, considerar alternativas de governação e escolher quem legitimar para o mandato seguinte. Com isso tudo estabelecido, evita-se que o País esteja permanentemente polarizado e em disputas fracturantes. Também se evita que o Governo se sinta tentado a usar os recursos públicos, as instituições do Estado e sua autoridade para se perpetuar no Poder, retirando ao eleitorado a possibilidade real de escolha dos seus governantes. A responsabilidade de governar com lealdade, honestidade e verdade não autoriza a que se enverede pela via da campanha eleitoral ainda em tempo útil do mandato de governação. È uma via que leva necessariamente ao uso abusivo dos recursos e dos poderes públicos, à má governação e ao comprometimento do futuro. Ponderação, contenção e espírito de “fairness” é o que se exige nestes tempos em que as energias e os recursos do país devem ser mobilizados para fazer face a quaisquer contingências, presentes e futuras.

terça-feira, março 16, 2010

O Processo de Transição em Cabo Verde

Textos no jornal “Terra Nova” de1988, 1989 e 1990 que podem ajudar a ter o sentido dos tempos, então vividos, e que dão conta da dinâmica e das expectativas geradas, na sequência da abertura política de 19 de Fevereiro de 1990. São artigos da minha autoria, publicados sob os pseudónimos de Tácito Monteiro e Péricles Miranda.

1. III Congresso do PAICV: entre a realidade e o mito

jornal Terra Nova, Agosto/Setembro 1988

2. Quase quinze anos depois da independência: Ponto da Situação

Jornal Terra Nova, Dezembro de 1989

3. O que é preciso realmente para o relançamento do País?

Jornal Terra Nova, Fevereiro de 1990

4. Questionando os dogmas do chamado “quadro institucional”

Jornal Terra Nova, Março de 1990

5. Mais transparência PAICV – Mudança no interesse da Nação

Jornal Terra Nova, Abril de 1990


6. Não existe Polícia Política?

Jornal Terra Nova, Maio de 1990


7. IV Congresso do PAICV: Afinal Nada Mudou

Jornal Terra Nova, Agosto de 1990


8. Única hipótese a Bem de Cabo Verde e… do PAICV

Jornal Terra Nova, Novembro de 1990

S.Vicente - 20º Aniversário da Declaração Política do MpD

Discurso proferido na Academia Jotamonte 14/03/2010

Vinte anos atrás uma onda de liberdade e democracia corria mundo. Como um tsunami varria ditaduras e regimes totalitários encarnados por partidos únicos em todos os continentes. Milhões de pessoas saíam às ruas e regimes que pareciam sólidos e que pareciam ainda durar anos, e mesmo décadas, simplesmente desfaziam-se no ar.

Cabo Verde sentiu o espírito da onda. O desejo de liberdade dos caboverdianos ganhou um outro ímpeto. Quando o PAICV quis abrir uma fresta, para ver se escapava, o povo nas ilhas usou o seu “pé de cabra”, o Movimento para a Democracia, o MpD e escancarou a porta. O Sol da Liberdade e da Democracia iluminou as ilhas e as faces dos caboverdianos. Uma nova esperança renascia no coração de todos.

S. Vicente viveu com uma paixão muito especial esses meses de mudança. A cidade sempre se tinha ressentido da arrogância e prepotência dos auto proclamados “melhores filhos do povo”. Não foram esquecidas as humilhações diversas, infligidas ás pessoas com o sistema de comités de zona, milícias e tribunais populares. Nem os vexames que particularmente os emigrantes, muitas vezes, sofreram, quando, terminadas as férias, pediam autorização de saída do país. Na memória de todos nós ainda estavam bem vivos os episódios de barbarismo do regime, perpetrados em 1977 e 1981 nas cadeias do Morro Branco e de João Ribeiro. E também como, anos depois, em 1987, o regime agrediu gratuitamente estudantes do liceu em manifestações pacíficas pelas ruas de Mindelo.

SVicente, porém, nunca se deixou dobrar. Mesmo quando viu as suas oportunidades desaparecerem porque o Regime era contra a iniciativa privada nacional, contra o investimento externo e contra o turismo. O atraso imposto por esses quinze anos de políticas contrárias não impediu S.Vicente de manter o seu espírito crítico, criativo e inconformista.

Espírito esse que se mostra na tenacidade do sr. Padre Fidalgo em manter o Jornal Terra Nova como espaço livre e corajoso de crítica ao Partido único, não obstante as ameaças e os processos judiciais movidos contra ele. É de toda justiça prestar-lhe homenagem pela sua contribuição valiosa para o derrube do regime de partido único em Cabo Verde. O Jornal Terra Nova foi fundamental durante todo o ano 1990 para passar as mensagens de liberdade e denunciar as manobras do Paicv de procurar perpetuar-se no Poder.

S.Vicente encontrou-se com o MpD em Junho de 1990. Nas boas vindas na Praça Estrela e no comício do Éden Park ficou claro a sintonia entre o sentir do povo de SVicente e o MpD. Em particular, foi emocionante ver como, de imediato, S.Vicente estabeleceu uma relação muito especial com o Dr. Carlos Veiga. Para todos passou a ser o líder da luta pela liberdade e democracia.

Nos meses que se seguiram, o crescimento e a actuação do MpD em S Vicente, e a partir de S.Vicente, foi crucial para a vitória nas eleições do 13 de Janeiro de 1991. A influência de S.Vicente viu-se no impacto visual e nos efeitos de contágio dos comícios, manifestações e contactos directos com a população. Viu-se também na formulação do projecto político do MpD. O programa que o MpD acabou por adoptar no seu processo formal de fundação, na I Convenção de 2 de Novembro de 1990, tinha as marcas fortes do sentir de S.Vicente.

Ficou no Programa do MpD, por exemplo, a convicção, de quem, como S.Vicente, nascido no mundo globalizado do século XIX, acredita que prosperidade sustentável só é possível numa economia livre e aberta. Ficou a certeza de quem, como S.Vicente, tem sido vítima da falta de visão, da ganância do poder e da incompetência do Estado, sabe que é essencial descentralizar para ganhar agilidade no aproveitamento de oportunidades. Ficou a aposta no poder da educação e do conhecimento, feita com a segurança de quem, como S.Vicente, floresceu com os efeitos culturais e intelectuais do liceu de S.Vicente e com a presença activa de artistas, escritores e académicos, para lançar as novas gerações para um outro patamar de desenvolvimento. Ficou, ainda, a crença na importância crucial de garantir dinâmica económica em todas as ilhas para que Cabo Verde se mantenha unido e a beneficiar da sua diversidade sócio-cultural, de quem, como S.Vicente, sabe , de experiência vivida, o quanto deve à contribuição das outras ilhas no aprofundamento da caboverdianidade.

Hoje, no décimo ano do Governo do PAICV, S.Vicente debate-se como um dos maiores níveis de desemprego do País. Os jovens são particularmente afectados com desemprego a 46%. E porquê? A razão principal é porque temos um Governo que vai contra o que S.Vicente, instintivamente, sabe que deve ser o caminho certo. Um Governo que lida mal com a economia livre e aberta. Prefere controlar, criar dependência e fazer favores. É um Governo contra a descentralização. Faz braço de ferro com as câmaras, não se preocupando com consequências. Um Governo que não aposta na qualidade do ensino e deixa os jovens com diplomas, mas sem emprego. Um Governo que desequilibra o desenvolvimento do país em direcção à cidade da Praia, desperdiçando oportunidades de crescimento e criação de emprego nas ilhas e relegando ilhas e regiões do país à estagnação económica.

Vinte anos depois, é o momento certo para que S.Vicente renove a sua relação com o MpD. Porque o MpD é o partido que no seu projecto político incorpora os ensinamentos da história da ascensão e prosperidade desta ilha. É o partido que acredita ser possível desenvolver, na liberdade, sem criar dependências nas pessoas. É o partido que não se intimida com o espectro do chamado desemprego estrutural porque acredita que é possível vencer o desemprego. É o partido que assume sempre as suas responsabilidades porque nasceu para servir o povo caboverdiano, e por isso esforça-se por governar com humildade, honestidade e verdade, sem cair no cinismo e na hipocrisia.

domingo, março 07, 2010

Obsessão pelo controlo da memória

Em 1986, o jornal governamental, o Voz di Povo proclamou em manchete: “Aos 50 anos Claridade entra oficialmente na História de Cabo Verde”. O regime de partido único finalmente tinha decidido integrar na historiografia oficial o Movimento Claridoso de Baltasar Lopes da Silva, Manuel Lopes, Jorge Barbosa e António Aurélio Gonçalves. Ao fim de dez anos o regime já se sentia suficientemente seguro para cooptar, na sua versão da história das Ilhas, essas personalidades e as suas contribuições fundamentais para a afirmação da caboverdianidade.

Aristides Pereira, o então Presidente da República, discursando no Simpósio Claridade, mostrou como as coisas deviam ser vistas: “o Movimento Claridoso encontra as suas raízes num terreno laborado por uma plêiade sucessiva de homens de cultura, que vinha pugnando pela afirmação da caboverdianidade, (...) cuja obra se deve apreciar e acarinhar até chegar a Amilcar Cabral (..). A lenta mas segura gestação do nacionalismo caboverdiano” Dessa e de outras muitas declarações similares fica claro que, para o Regime, o ponto de confluência da história do País é Amilcar Cabral e, por extensão, o PAIGC e o PAICV. Também fica claro que factos históricos só têm significado e são reconhecidos como tais quando servem, justificam e confirmam a luta de libertação, apresentada como ponto de origem de tudo: da Nação e do Estado.

O Partido único, enquanto força dirigente, precisa dessa validação permanente para se legitimar no Poder e para negar aos cidadãos a Liberdade e o direito de escolher quem os deve governar. Nesse sentido, memórias devem ser rearranjadas, outras memórias extirpadas, outras ainda implantadas, para que a realidade e a ficção se confundam e ninguém saiba quando termina uma e começa a outra. È uma luta permanente. Daí a obsessão pelo controlo, o policiamento do que é dito e feito, a substituição da informação pela propaganda e o assenhorear das iniciativas e de tudo o que é inovador.

O controlo de memórias foi mais penoso para Cabo Verde do que noutras paragens. A badalada luta de libertação não aconteceu em Cabo Verde. Aristides Pereira, no Relatório aos órgãos superiores do PAIGC em Agosto de 1976, em Bissau, deixou claro qual era a real situação do Partido, antes do 25 de Abril de 74: “Pouco implantado no arquipélago, a organização resumia-se a algumas células em Santiago, no Mindelo e em S.Antão. “(…) a massa militante englobava, por ordem decrescente de importância, estudantes, alguns pequenos funcionários e poucos trabalhadores”. Imagine-se o esforço titânico necessário para incutir numa população que a sua história passada é só aquela que justifica e conduz inevitavelmente à luta de libertação. Uma luta que lhe dizem ter acontecido a mais de 600Km de distância mas que não viveu nem sentiu de forma directa. Relatos fidedignos apontam para um máximo de quarenta caboverdianos numa organização que se gabava de ter mais de 12 mil guerrilheiros. É quase surreal.

A instauração de um Poder absoluto logo após a independência imprimiu a esse esforço carácter urgente e impiedoso. Extraia-se legitimidade dos mitos criados à volta de Amílcar Cabral e da luta na Guiné. Nada podia contrariá-los. Nem o seu inevitável choque contra uma história de séculos e uma vivência social e cultural, distinta de onde o PAIGC nasceu e cresceu como organização político-militar. A pressão ideológica do Estado sobre a sociedade desembocou, pontualmente, em violência explícita, particularmente contra as elites intelectuais, culturais e sócio-económicas do País.

Prisões, humilhações, torturas e mortes verificadas em 1977, 1979, 1980 e 1981 em S. Antão, S.Vicente, Santiago e Brava são exemplos do muito que aconteceu nos primeiros anos de independência. Como também são certas leis, em particular a lei de Boato, 37/1975, e a lei 97/1976 dos cinco meses de prisão sem culpa formada, que só viriam a ser revogadas em Maio de 1990. São anos que não deviam orgulhar ninguém, muito menos o primeiro-ministro de um governo democraticamente eleito. A iniciativa infeliz do Sr. Primeiro Ministro de organizar a conferência “Os primeiro anos de independência”, tendo como conferencista o então primeiro-ministro e actual presidente da República, Pedro Pires, revela o quão o ainda se insiste na legitimidade histórica. Implicitamente está-se a reiterar que votos não chegam para governar. E que o País deve estar é com o partido demiurgo, o partido do fundador da Nação, o partido que trouxe a independência, construiu o Estado e, quinze anos depois, concedeu a democracia.

Por isso, é que para as crianças de quarta classe a história de 550 anos de Cabo Verde é resumida no seguinte: “O arquipélago de Cabo Verde foi durante séculos governado por Portugal. Era uma colónia. No dia 19 de Setembro de 1956, Amílcar Cabral fundou o PAIGC. Em 1963, o PAIGC começou a luta armada na Guiné. No dia 5 de Julho 1975 Cabo Verde tornou-se um país independente. No dia 13 de Janeiro realizaram-se as primeiras eleições legislativas”(pags. 44, 45 do manual de Ciências integradas 4º ano). É o mesmo simplismo de motivação ideológica que orienta o Governo quando encomenda um Monumento à Liberdade. Quer que se retrate a história do país em dois períodos: primeiro como país-vítima, nos temas colonização, escravatura, fome, emigração forçada seguido do período da redenção nos temas luta armada, independência, reconstrução e desenvolvimento. Significativamente fica ausente dessa interpretação da história a exaltação do processo de emergência de uma nova nação dentro do império português, sem complexos de vítima e capaz de conservar o seu carácter e desejo de liberdade mesmo confrontando-se com mais de seis décadas de regimes inimigos da liberdade e do pluralismo: os 45 anos do regime autoritário de Salazar/Caetano e os 15 anos do regime totalitário do PAIGC/PAICV.

A insistência na validade da legitimidade histórica, mesmo na era da democracia e do pluralismo, significa que o esforço para manter vivos os mitos anteriores não diminuiu. Pelo contrário, aumentou, pois agora, não só tem que manter a memória fictícia do envolvimento de Cabo Verde na luta armada, como também há que fazer acreditar que o partido/Estado em Cabo Verde era benigno e único do género no planeta. Ficções corroboradas por António Correia e Silva, no artigo do jornal “anação” de 25 de Fevereiro, ao afirmar que foi de vontade própria que o PAICV fez a abertura política. “Vontade” que só se manifestou quando todos tinham bem presente que dominós caiam por todo o planeta, na sequência das políticas de perestroika e glasnost de Gorbatcev, e que a queda do Muro de Berlim a 9 de Novembro de 1989 veio acelerar ainda mais o desmoronar de regimes de inspiração leninista. Alguém acredita que o PAICV, a 19 de Fevereiro de 1990, tenha dito: vamos cair também, mas não somos um dominó nem nos revemos em Lenine!?.

Manter esse nível de ficção, de fuga à realidade dos factos exige um esforço tremendo que se manifesta pelo menos a três níveis: da propaganda, da restrição da liberdade intelectual e de luta política constrangedora do pluralismo.

Da propaganda qualquer observador fica elucidado com o desabafo da jornalista Margarida Fontes no seu blog, odiaquepassa.blogspot.com:A questão é: para quê silenciar, se a propaganda é liberada nos mais públicos meios de difusão? Num país onde a propaganda flui com naturalidade, perante o silêncio da oposição que sonha fazer o mesmo quando ocupar o Palácio, o jornalista não passa de um lacaio vencido pelo cansaço… daí que eu defendo, criem um Gabinete de Propaganda do Governo (GPG) com legitimidade para ludibriar os cabo-verdianos e as cabo-verdianas, e extinguem (melhor, mudem os estatutos) dos órgãos públicos de comunicação, começando pela TV pública” (1/03/2010).

Quanto á liberdade intelectual, o violentíssimo ataque que publicamente o presidente da Fundação Amílcar Cabral desferiu contra a tese de doutoramento, “Em Busca da Nação” do investigador Gabriel Fernandes, no jornal “asemana” de 2 de Março de 2007, foi aviso claro para todos os estudiosos: Qualquer um pode correr o risco de ver uma tese ou um estudo acusado de “emprestar chancela académica a teses partidárias” se algum mito, dos que pululam na sociedade caboverdiana, for de alguma forma beliscado por factos, análises ou teorias.

Quanto à luta contra o pluralismo, ela é diária e violenta. Assume várias formas de acordo com as circunstâncias. Ás vezes é aberta, outras vezes é dissimulada, quase subtil. Os alvos preferenciais são o parlamento, o sistema de partidos e a credibilidade pessoal de quem ideias diferentes. Aos ataques seguem-se apelos a consensos. Mas a luta nunca pára. Mesmo quando o meio político adversário, de alguma forma, capitula perante a pressão dos mitos, a ofensiva continua. O PAICV não permite que Amílcar Cabral descanse acima dos interesses partidários de hoje. Proclama-se partido de Cabral e depositário dos seus ensinamentos e insiste que todos o devem aceitar na forma mitológica da sua preferência.

A política em Cabo Verde parece cativa da História. E é. Porque estranhamente, mesmo 19 anos após eleições livres e plurais, a ideia da legitimidade popular, como legitimidade única e válida na República, ainda não foi completamente aceite. Muitos procuram capitalizar sobre a legitimidade histórica para ganhar votos. O início das Comemorações do 35º Aniversário da Independência a 1 de Março para se prolongaram até Outubro, em ano pré eleitoral, deixa imediatamente a suspeita do aproveitamento dos recursos, das instituições e da autoridade do Estado para exaltar o papel do partido que se auto intitula partido da independência, com fins claramente eleitorais.

Isso é de facto inadmissível particularmente porque é acompanhado de uma ofensiva ideológica e propagandística com vista a liquidar a memória da década de noventa. Precisamente a década, em que o País conquistou a Liberdade e construiu as suas instituições democráticas. O uso abusivo do Estado para controlar as memórias e servir agendas partidárias tem que acabar. Para que haja real liberdade de expressão, liberdade de informação, liberdade intelectual e pluralismo verdadeiro em Cabo Verde.

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

A Cidade de Eventos

Cabo Verde é dos países que menos ganha com o Turismo. Enquanto países como Maurícias, Seychelles, Serra Leoa e Mali retiram respectivamente 955, 1060, 1070 e 930 euros por cada chegada de turistas, Cabo Verde fica praticamente pela metade, por uma quantia de 505 euros. Mudar esse estado de coisas deve ser um imperativo nacional. O grau do sucesso conseguido em incorporar na economia local despesas feitas pelo emigrante, pelo turista ou visitante, dirá em que medida o Turismo está, de facto, a transformar-se num dos motores do desenvolvimento. As potencialidades do País no sector tornaram-se notórias com o fluxo turístico dos anos 2006, 2007. Mas logo a partir de 2008 apareceram sinais de quebra no fluxo, visíveis no número cada vez menor de turistas dispostos a regressar para uma segunda visita, devido à falta de visão e de acção estratégica das autoridades. A crise em 2009 só veio piorar um quadro que já se configurava negro, particularmente na ilha do Sal. Falhas verificaram-se em, pelo menos, três níveis: Primeiro, O governo falhou em garantir segurança pessoal e segurança jurídica em relação à propriedade. Segundo, o governo não se antecipou quanto ao impacto previsível que teria o influxo de dinheiro, as migrações internas e o crescimento rápido da população sobre a economia das ilhas, sobre o tecido social das comunidades tradicionais e sobre as infraestruturas de base, designadamente no domínio da energia, água, saneamento habitação e de serviços de sáude e formação profissional. Por último, não foi proactivo em promover as ilhas e em incentivar as suas populações a desenvolver uma cultura de serviço, a criar produtos culturais e de entretenimento próprios e atractivos e a organizar a economia local tendo em mira a qualidade, a fiabilidade dos métodos de produção e os standards de apresentação de produtos, exigíveis nos mercados externos. Ter turismo como motor do crescimento significa gerar e manter um fluxo turístico crescente em direcção ao País; significa seduzir turistas em voltar uma ou mais vezes e em divulgar uma boa imagem do destino a familiares, amigos e colegas; significa repercutir os efeitos do turismo na economia local e nacional através de empregos, de novos negócios e de prestação de novos serviços. Ou seja, há que gerar tráfico, há que o manter e renovar criativamente e há que o aproveitar para criar riqueza. Cabo Verde conta à partida com o fluxo dos emigrantes em férias. Todas as ilhas sentem o seu impacto na economia local e no rendimento e qualidade de vida de familiares. È um fluxo que certamente pode ser ampliado, reduzindo constrangimentos que ainda o condicionam. Pode-se por exemplo rever preços das passagens aéreas, ser mais imaginativo na organização de excursões ligados a eventos no país, modernizar os circuitos inter-ilhas de transporte e estimular e regular um circuito de restaurantes, pensões e hotéis dirigid0 para o turismo interno. A vinda dos emigrantes dos Estados Unidos e da Europa para o Carnaval 2010 de S. Vicente demonstra que é possível gerar fluxos turísticos externos com base em eventos nas ilhas. E tudo leva a crer que a promoção não tem que se limitar ao mercado das comunidades emigradas. Aproveitar o tráfico criado implica, porém, não cometer os erros cometidos no passado que contribuíram para que o País não fosse lançado para um outro nível de crescimento económico sob o impulso do Turismo.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Competência linguística estratégica

È objectivo de qualquer país ser ganhador no engajamento com o mundo. Nesse sentido aproveita as oportunidades existentes, faz valer as suas vantagens comparativas e caminha, criativamente, no sentido da evolução e crescimento da economia global. Para as grandes economias, sucesso significa rendimentos crescentes e maior qualidade de vida á medida que sobe na cadeia global de criação de valor. Para os pequenos países, é, antes de mais, uma questão de sobrevivência e de manutenção de relevância e competitividade no ambiente de rivalidades e interdependências do pós-guerra. Países como Holanda, Dinamarca e Suécia, compreenderam isso logo que se calaram as armas nos campos de batalha da Europa. Uma das grandes medidas tomadas foi usar o sistema de ensino para fazer as novas gerações fluentes no inglês. O facto de serem países com extraordinários legados históricos, e certamente orgulhosos da sua cultura e da sua língua, não constituiu obstáculo. Adoptaram, nas relações internacionais, a língua de um país, várias vezes, rival no passado. Consequência: ganharam, e muito. Os seus cidadãos distinguiram-se no comércio e na indústria, serviram nas instituições internacionais e brilharam nas ciências e nas tecnologias, contribuindo para os extraordinários avanços de segunda metade do século vinte. O exemplo foi emulado por outros pequenos países como a Irlanda que, não obstante o passado de dominação britânica e o seu apego à língua celta, apostou no inglês. Os retornos dessa e de outras apostas no sistema educacional fizeram-se sentir nas décadas de oitenta e noventa, lançando o país para crescimentos próximos de dois dígitos. O desemprego caiu estrondosamente e o rendimento per capita da Irlanda chegou a ser o segundo da Europa, logo atrás do Luxemburgo. No outro lado do mundo, a Índia, um país de grande passado histórico e cultural, foi sábia em manter o inglês no seu sistema de ensino e em investir fortemente nas ciências nos já famosos institutos de tecnologia da Índia (IIT). A entrada triunfal da Índia no outsourcing e offshoring de empresas TIC (tecnologias de informação e comunicação) através de call centers e outros BPOs imaginativos serviu para lançar o país como um gigante no fornecimento mundial de serviços do futuro.O sucesso desses países, e também das Maurícias e Singapura, que souberam implementar políticas de aquisição de competência linguística, consentânea com as necessidades de inserção dinâmica no mundo, contrasta com os que se retraíram na sua concha. O exemplo paradigmático disso é o Madagáscar. Depois de décadas de ensino em francês, antes e depois da independência, o regime de Ratsiraka forçou a introdução da língua malgache. A introdução dessa língua, sem os materiais didácticos necessários, levou à actual situação em que, segundo o Afrol News de 9 de Abril de 2009, nem professores, nem alunos dominam o francês, a língua usada nos exames de acesso aos níveis superiores do ensino. Também, assim com aconteceu noutros países como Aruba e Curação em que o papiamento, o crioulo local, foi autorizado como língua do sistema de ensino em certas escolas e o holandês noutras, verificou-se uma separação da população estudantil. Os filhos dos mais abastados foram para as escolas de ensino nas línguas europeias. Os mais pobres ficaram nas que o ensino é feito na língua materna. É evidente que em Cabo Verde, a opção só pode ser a abertura para o mundo. Mas construir uma economia de prestação de serviço exige competência linguística dirigida para o exterior, em especial, investimento no português, no inglês e francês. O português é a língua de ligação com a Europa mais próxima e também a língua do Brasil, com mais de 130 milhões de habitantes, e, em breve, a quinta maior economia do mundo. O inglês é a língua internacional de negócios, da ciência e da tecnologia. Fluência no inglês adquire especial relevância num País que quer o turismo como um dos principais motores da sua economia. O francês é essencial para se potenciar, com ganhos, a relação com a sub-região e o continente africano. Uma das grandes vantagens de Cabo Verde é ser uma nação homogénea do ponto de vista étnico, linguístico, religioso e cultural, não obstante a diversidade das ilhas. Por isso, o crioulo, com todos os seus variantes, não é factor de divisão. A língua não é discriminada. É falada por elementos de todos os extractos sociais e é o meio de comunicação usado na música, a expressão máxima da cultura nacional. Titulares de órgãos de soberania usam livremente o crioulo em cerimónias oficiais e os cidadãos interpelam os seus governantes e depõem nos tribunais na língua materna, sem quaisquer constrangimentos. A homogeneidade da nação caboverdiana é preciosa e rara. Não é o que se encontra em realidades aparentemente similares nas Caraíbas e outras ilhas crioulas. Essas sociedades ainda têm latentes conflitos diversos, resultantes de marcas deixadas pela sua história, como ficou demonstrado nas erupções de violência nas ilhas de Martinica e Guadalupe, em Fevereiro de 2009. (....)