sexta-feira, janeiro 22, 2016

Nova/Velha Agenda

Cabo Verde, nestes quinze anos do governo do PAICV, já ensaiou tantas largadas e take-offs e até mudanças de “chip” que já ninguém estranha esses anúncios de mudança para que tudo fique na mesma. Por isso o apregoar de uma nova agenda económica, pela presidente do partido, não traz qualquer novidade. Até porque é apresentada como mais uma etapa na “agenda de transformação” de mais de uma década durante a qual, apressam-se a dizer: “foi feito o possível e tudo foi bem feito”. A realidade porém é outra, muito diferente. O país vive uma estagnação económica, desemprego elevadíssimo e problemas sociais graves. Como a liderança do PAICV sabe disso, depois de, em entrevista ao jornal asemana, Janira Hopffer Almada apresentar o rosário de iniciativas previstas na sua nova agenda e apelar ao diálogo para os comprometimentos necessários, ou seja fazer o discurso politicamente correcto, volta ao seu caminho mais seguro para tranquilizar o eleitorado e manter o seu poder controlador: o caminho da cooperação internacional. Neste aspecto a visita do primeiro-ministro português, António Costa, em pleno período pré-eleitoral, é providencial. Ajuda a reforçar a mensagem subliminar que o PAICV sempre passa, particularmente nos períodos eleitorais, de como é vital para Cabo Verde a ajuda internacional e de como o país precisa que ele continue a governar para manter a credibilidade externa e continuar a receber. Nas entrelinhas fica também a mensagem “nada de aventuras” em votar outros partidos. "Não conseguem ajuda"

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Datas

José Maria Neves, nos seus últimos meses de mandato como primeiro-ministro, ainda repete o discurso da necessidade de consenso na celebração do 13 de Janeiro e do 20 de Janeiro. Primeiro, tem que se fazer uma distinção. Normalmente, pelo 13 de Janeiro o governo faz um gesto simbólico, como aconteceu este ano com uma palestra sobre diáspora e democratização. O 20 de Janeiro, pelo contrário, comemora-se com vários eventos: deposição de flores pelo Presidente da República, desfiles de tropas e outras cerimónias. Não há pois comparação possível. Há um boicote activo do Dia da Liberdade e Democracia, um feriado nacional criado por lei da Assembleia Nacional. Paradoxalmente, a AN é a única instituição que se nega a celebrar o dia das primeiras eleições livres e plurais no país, o dia que está na sua origem enquanto instituição da II República. E é assim porque a maioria parlamentar do PAICV, sob comando do seu presidente JMN, nunca aceitou qualquer proposta para comemorar com dignidade de Estado o seu dia. Como se há-de classificar este simultâneo dizer e desdizer? E ainda se interroga sobre as razões da crispação política no país.   

                    Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 20 de Janeiro de 2016

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Regionalização

Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

domingo, janeiro 17, 2016

Promessas vazias

Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Dança à volta da regionalização

O acordo virtual. Em vésperas de eleições Ulisses Correia e Silva confirma o acordo mas não o assina com o Grupo de Reflexão sobre a Regionalização, onde pontifica Onésimo Silveira. O presidente do MpD diz na sua intervenção que “não se trata de expediente eleitoralista”. O mesmo não diriam diversas personalidades conotadas com esse grupo. Em várias eleições passadas, legislativas, presidenciais (2001) e autárquicas em S. Vicente, o Movimento para Levantar S. Vicente ou a Associação que depois virou partido político (PTS), negociaram com o PAICV com ganhos mútuos, designadamente desistência de candidaturas, lugares de deputados, etc. Parece que agora chegou a vez de negociar como MpD. E o que todos apresentam é “uma mão cheia de nada

Promessas vazias. Ulisses promete levar ao parlamento uma proposta de lei de criação de regiões administrativas e começar a experiência de regionalização com S. Vicente. Um primeiro problema em cumprir, como aliás ele reconhece, é o facto da lei sobre regiões exigir dois terços dos deputados, um número de votos que nenhum partido tem a pretensão de obter sozinho. Um segundo problema é conseguir acordo dos outros partidos quando a intenção é começar a regionalização por uma ilha específica. Experiências de outros países aconselham a criação simultânea de regiões para evitar desajustes a vários níveis no todo nacional e oportunismos nas iniciativas. A conveniência política de um pode não ser a mesma dos outros, particularmente quando se propõe separar S. Vicente e S. Antão, duas ilhas com circulação, entre si, de centenas de milhares de pessoas por ano e que desde sempre tiveram um nível de integração económica e social sem paralelo no país. Quanto às promessas implícitas do GRRCV, não é líquido que consiga mobilizar as frustrações e o sentimento de abandono de S. Vicente para ajudar o MpD a ser governo. Não funcionou nas últimas três eleições legislativas. Ninguém estranhe porém se com o protagonismo político agora reconhecido pelo MpD, alguém reapareça nas autárquicas deste ano. Mesmo que seja só para negociar.


Regionalização. Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá. 

        Publicado no jornal expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

Em defesa da democracia representativa

Cabo verde vai a eleições legislativas no dia 20 de Março. Será a sexta eleição realizada na democracia. A primeira que inaugurou o regime democrático aconteceu vinte e cinco anos atrás. Muito caminho já se percorreu nestes anos na construção e consolidação das instituições democráticas, mas muito há ainda a percorrer. Neste vigésimo quinto aniversário são notórias as fragilidades. O próprio parlamento ainda não conseguiu assumir a data como seu ponto de origem e comemora-la com toda a dignidade.
Incontornável porém é o facto de que foi a 13 de Janeiro de 1991 que as primeiras eleições livres e plurais foram realizadas em Cabo Verde. Dessas eleições saiu uma assembleia de deputados em que duas forças políticas ideologicamente distintas se confrontaram, uma com a missão de governar e a outra de fazer a oposição. A democracia representativa nasceu nesse dia pondo fim a experiências outras que embora reivindicando serem mais perfeitas tendem a repetir os atropelos ao pluralismo e à liberdade que aparentemente quereriam evitar. Entretanto não despareceram os inconformados ou saudosistas dos modelos das democracias populares ou das democracias nacionais revolucionárias. São notórios por serem os primeiros a encontrar defeitos na democracia representativa e a propor vias de as superar. Mas, o facto é que nenhum outro regime consegue bater as democracias já com séculos de existência em termos de serem competitivas e de propiciar liberdade e prosperidade.
Neste ano de 2015 a democracia representativa em Cabo Verde foi enfraquecida. A actuação dos políticos no parlamento e a relação governo/deputados muitas vezes não contribuíram para uma melhor imagem da instituição. O nadir provavelmente foi atingido quando depois de ter votado o estatuto dos titulares de órgãos de soberania por unanimidade dos deputados não ter sido capaz de se reunir em sessão plenária e posicionar-se perante o veto do Presidente da República. As ondas do populismo ganharam um outro folego e acabaram por afectar os partidos políticos.
A produção de listas para as próximas legislativas nos diferentes partidos tem sido tempestuosa e várias vozes se levantam questionando os modelos eleitorais existentes. Discute-se a possibilidade de círculos uninominais, do voto preferencial e até de se romper com o monopólio dos partidos na apresentação das listas. Dentro dos partidos discute-se a possibilidade de primárias. O grande problema é que toda essa discussão podia ser útil para o sistema se a intenção, pelo menos para alguns, não fosse de deslegitimar o sistema exigente e torna-lo disfuncional e dócil ao poder instalado. A persistência de uma cultura anti-partido, que vem de longe, dificulta esse diálogo aberto e consequente. Tudo porém deve ser feito para evitar a erosão da instituição parlamento e pelo contrário fazer dela o sector vibrante de discussão de todas as soluções de futuro que o país e os seus cidadãos sejam capazes de antever e discutir.
A nossa democracia ressente-se do facto de ter como seus dois pilares partidos que surgiram em dois momentos históricos antagónicos. O confronto de narrativas persiste e continua difícil chegar a consensos fundamentais de funcionamento do regime democrático. Exemplo acabado disso foram os órgãos externos da Assembleia Nacional, criados no ano 2000, que só quinze anos depois foram operacionalizados. Pensou-se num determinado momento que os acordos chegados no processo de revisão da Constituição em 2010 contribuiriam para baixar a crispação. Mas não foi o que aconteceu.
O problema talvez esteja nos ciclos longos de governação sem alternância. Primeiro, tivemos dez anos do MpD e agora 15 do PAICV. Governando sempre com maiorias absolutas, os partidos não desenvolvem capacidade de negociar, de fazer concessões e de firmar acordos. Até compromissos tácitos, não escritos, são difíceis de estabelecer. Os direitos das minorias em particular sofrem com a falta de cultura de alternância governativa ficando o parlamento nas mãos da maioria o que inevitavelmente acaba por afectar a sua imagem institucional e torna-a menos efectiva na fiscalização do governo. Há que mudar este estado de coisas. Neste ano do vigésimo quinto aniversário do 13 de Janeiro urge fazer as mudanças que ponham a democracia cabo-verdiana no caminho ascendente da sua consolidação e aprofundamento. A aventura iniciada há 25 atrás deve continuar.
      Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016

sábado, janeiro 16, 2016

Regionalização

Para muitos agitar a bandeira da regionalização tem sido uma forma de evitar criticar as políticas do governo do PAICV. Atira-se a culpa indistintamente para os “políticos” e o resultado é que não se penaliza suficientemente o partido do governo nas legislativas. Põe-se ênfase na parte redistributiva do bolo nacional, em que supostamente uns ficam com mais do que outros, quando na realidade o problema está com a gestão asfixiante da economia nacional, que não favorece a iniciativa individual, não melhora a competitividade e o ambiente de negócios e não explora devidamente as oportunidades de aumentar a procura externa de bens e serviços cabo-verdianos. Causa alguma perplexidade que precisamente em S. Vicente se tenha feito da regionalização a panaceia para todos os males. Toda a gente sabe que só há prosperidade na ilha quando o dinheiro circula, porque há mais consumo de emigrantes, turistas e visitantes, mais gente empregada por causa de investimento externo, mais movimento no porto e mais empresas a florescerem, porque directa ou indirectamente estão a fazer negócios com o mundo. O centralismo que afecta negativamente as ilhas é alimentado pelo modelo económico de gestão de fluxos da ajuda externa, que o governo do PAICV já levou ao limite, deixando o país a arrastar-se a taxas de crescimento de 1% do PIB. Não se devia confundir causa e efeito e o prioritário deveria ser a mudança de políticas nacionais. Mas, mais forte é a tentação de recorrer à vitimização para fazer política, aproveitando o ambiente de insegurança e de frustrações acumuladas. Seguindo esse caminho, os políticos locais, por algum tempo, até podem ser bem-sucedidos, mas a situação das pessoas não muda, a frustração aumenta e o conformismo crescente, paradoxalmente, acaba por ajudar quem está no poder a manter-se lá.
  Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Teatralização da política

Mis-en-scène. É interessante ver como José Maria Neves aproveitou as declarações inócuas do embaixador da União Europeia a propósito do processo eleitoral para repetir as mensagens de sempre do PAICV na sua relação com o país e com os caboverdianos. Em tempo já de confronto eleitoral quer relembrar quem é patriota. Para isso nada melhor do que supostamente “apanhar” o presidente do MpD no acto de colaboracionismo com “funcionários estrangeiros” a pôr em causa o bom nome de Cabo Verde e idoneidade das suas instituições . Amílcar Cabral nos seus textos fazia uma distinção entre povo e população. Povo é todo aquele que está com o partido. População é o resto onde se encontram os traidores, colaboracionistas, informadores, etc. O PAICV nunca se libertou dessa definição de povo e população. Tem-na reproduzido sistematicamente ao longo da sua história com seus melhores filhos do povo e os outros, os amantes da terra e os vendedores da terra, os que têm interesses e os que só vêm o interesse de todos, os patriotas e os antipatriotas. O “incidente” com o embaixador foi mais uma oportunidade para se passar esse filme já conhecido. Compreende-se assim porque muitos dos seus militantes não conseguem ser “simples caboverdianos”, em pé de igualdade a contribuir, na diversidade dos seus interesses e na pluralidade da suas opiniões, para o bem da nação e a prosperidade de todos.
Repetição de luta armada. Já é pela segunda vez que o governo faz reparos ao embaixador  da União Europeia . Da outra vez foi sobre o ambiente de negócios em Cabo Verde. Também nessa ocasião estaria a “imiscuir-se” nos assuntos internos constatando nas dificuldades encontradas pelos empresários as deficiências, ineficiências e custos já identificados pelo Banco Mundial e outras instituições internacionais. Talvez porque o embaixador é português propicia oportunidade para se fazer um teatro de colocar os “colonialistas no seu devido lugar”. Em 2006 a oportunidade foi encontrada com a EDP e a ELECTRA. O PM convidou a empresa portuguesa a ir-se embora sem muito cerimónia e sem muita ponderação. O país pagou caro em produtividade, despesas extraordinárias e horas perdidas de trabalho com esse acto de “libertador tardio”. E ainda continua a pagar nos preços dos mais elevados do mundo em electricidade que lhe é cobrado. Brincar aos libertadores reforça a narrativa de serem patriotas, mais caboverdianos do que os outros e de serem os supremos defensores dos interesses de Cabo Verde. O país que suporte a crispação que necessariamente isso gera.

P.S.. O aviso do PM para os “funcionários estrangeiros não se imiscuírem nos assuntos internos” aparentemente não se aplica quando se trata, por exemplo, do embaixador americano. Todo o país sabe do escândalo do Fundo do Ambiente e da controvérsia à volta do financiamento da Associação dos Amigos do Brasil. A organização recente da ida do embaixador americano, acompanhado do deputado Euclides de Pina, dirigente da associação, para fazer a entrega de arcas frigoríficas não terá sido uma tentativa branqueamento de imagem? E os outros casos, em que representantes de organizações estrangeiras aparecem na televisão a fazer doações a projectos que levantam suspeitas dentro do próprio PAICV de que são ou foram usados com objectivos eleitoralistas? Também se qualificam como imiscuir?  E a visita surpresa do Primeiro Ministro  António Costa, que há um ano esteve na posse de Janira Hopffer Almada como presidente do PAICV?

                   Publicado no jornal expresso das Ilhas de 13 de Janeiro de 2016
                      

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Repetição de luta armada

Já é pela segunda vez que o governo faz reparos ao embaixador  da União Europeia . Da outra vez foi sobre o ambiente de negócios em Cabo Verde. Também nessa ocasião estaria a “imiscuir-se” nos assuntos internos constatando nas dificuldades encontradas pelos empresários as deficiências, ineficiências e custos já identificados pelo Banco Mundial e outras instituições internacionais. Talvez porque o embaixador é português propicia oportunidade para se fazer um teatro de colocar os “colonialistas no seu devido lugar”. Em 2006 a oportunidade foi encontrada com a EDP e a ELECTRA. O PM convidou a empresa portuguesa a ir-se embora sem muito cerimónia e sem muita ponderação. O país pagou caro em produtividade, despesas extraordinárias e horas perdidas de trabalho com esse acto de “libertador tardio”. E ainda continua a pagar nos preços dos mais elevados do mundo em electricidade que lhe é cobrado. Brincar aos libertadores reforça a narrativa de serem patriotas, mais caboverdianos do que os outros e de serem os supremos defensores dos interesses de Cabo Verde. O país que suporte a crispação que necessariamente isso gera.
P.S.. O aviso do PM para os “funcionários estrangeiros não se imiscuírem nos assuntos internos” aparentemente não se aplica quando se trata, por exemplo, do embaixador americano. Todo o país sabe do escândalo do Fundo do Ambiente e da controvérsia à volta do financiamento da Associação dos Amigos do Brasil. A organização recente da ida do embaixador americano, acompanhado do deputado Euclides de Pina, dirigente da associação, para fazer a entrega de arcas frigoríficas não terá sido uma tentativa branqueamento de imagem? E os outros casos, em que representantes de organizações estrangeiras aparecem na televisão a fazer doações a projectos que levantam suspeitas dentro do próprio PAICV de que são ou foram usados com objectivos eleitoralistas? Também se qualificam como imiscuir?  E a visita surpresa do Primeiro Ministro  António Costa, que há um ano esteve na posse de Janira Hopffer Almada?

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

Parlamento: representação e governabilidade

O Jornal A Nação noticia que o constitucionalista Vladimir Brito defende a adopção de um sistema eleitoral misto em que 11 dos deputados seriam eleitos em círculos uninominais de forma a sentirem-se mais responsabilizados pela defesa da sua ilha. Os candidatos seriam propostos por grupos de cidadãos e com isso rompia-se com o actual monopólio dos partidos e melhorava-se a representação no parlamento. A proposta merece-nos alguns comentários:
1-     Estabilidade governativa. No parlamento não se põem somente os problemas de representação mas também de governabilidade. O governo é uma emanação do parlamento e precisa de uma maioria sólida para implementar as suas políticas. Aqui em Cabo Verde, diferentemente por exemplo do que é na norma em Portugal, exige-se ao novo governo que apresente e passe por maioria absoluta dos deputados uma moção de confiança. Também as leis são aprovadas por maiorias absolutas e não por maiorias simples. Ter 11 deputados livres da disciplina partidária e cada um com a agenda da sua ilha é correr um risco grande de instabilidade governativa e de possível queda de governo.
2-     Grupos de cidadãos. Há quem veja nos “grupos de cidadãos” uma espécie de alternativa aos partidos ou como via de esbater a partidocracia existente. É uma perspectiva que não condiz com a realidade vivida nas eleições locais e nas autarquias desde 1991.Quando eleitos, os grupos de cidadãos, tendem a funcionar em bloco mostrando a mesma rigidez de posições normalmente encontrada nos partidos.  Em demasiados casos fizeram os jogos dos partidos políticos, servindo de uma espécie de barriga de aluguer para candidaturas encapotadas. Noutros casos ajudaram a pôr de pé o novo caciquismo que se alimenta da retórica anti-partido, da hostilidade a originários de outras ilhas e que se suporta em redes pessoais construídas para  influência eleitoral. Trazer essa experiência para o parlamento muito provavelmente não afectaria a actual configuração política com base nos dois grandes partidos mas poderia introduzir elementos de fragilidade governativa sem que algum benefício fosse obtido.

3-     Câmara Alta ou Senado. Vladimir Brito vê os 11 deputados a funcionar com uma espécie de “câmara alta” dentro do actual parlamento. Não se sabe é se a diferenciação entre deputados nacionais e deputados com “mandato da ilha” teria tradução em termos de poderes e competências nos trabalhos da A.N. ou se fica tudo ao nível da sensibilidade pessoal em relação às matérias. Desde de 1990 que no MpD se pôs a questão da criação de uma câmara alta. Optou-se depois de muita discussão pela consagração na Constituição de 1992 de um Conselho de Assuntos Regionais com poderes para emitir pareceres sobre todas as questões de desenvolvimento regional. As ilhas teriam igualmente dois representantes  no conselho. De vários quadrantes não houve vontade de fazer o órgão funcionar e na revisão de 1999 perdeu alguma importância sendo integrado no Conselho Económico e Social (CES). Em Julho de 2014 na aprovação da Lei do CES foi reiterado o princípio de representação igual por ilha e não por círculo eleitoral como parece preconizar o Vladimiro Brito. Pena que nem ontem, nem hoje, muitos dos que se dizem apoiantes de regionalização ainda não se aperceberam do papel que o Conselho para Assuntos Regionais poderia ter na harmonização das políticas nacionais e na luta contra as assimetrias regionais.                                                                               Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2015

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Mis-en-scène

É interessante ver como José Maria Neves aproveitou as declarações inócuas do embaixador da União Europeia a propósito do processo eleitoral para repetir as mensagens de sempre do PAICV na sua relação com o país e com os caboverdianos. Em tempo já de confronto eleitoral quer relembrar quem é patriota. Para isso nada melhor do que supostamente “apanhar” o presidente do MpD no acto de colaboracionismo com “funcionários estrangeiros” a pôr em causa o bom nome de Cabo Verde e idoneidade das suas instituições . Amílcar Cabral nos seus textos fazia uma distinção entre povo e população. Povo é todo aquele que está com o partido. População é o resto onde se encontram os traidores, colaboracionistas, informadores, etc. O PAICV nunca se libertou dessa definição de povo e população. Tem-na reproduzido sistematicamente ao longo da sua história com seus melhores filhos do povo e os outros, os amantes da terra e os vendedores da terra, os que têm interesses e os que só vêm o interesse de todos, os patriotas e os antipatriotas. O “incidente” com o embaixador foi mais uma oportunidade para se passar esse filme já conhecido. Compreende-se assim porque muitos dos seus militantes não conseguem ser “simples caboverdianos”, em pé de igualdade a contribuir, na diversidade dos seus interesses e na pluralidade da suas opiniões, para o bem da nação e a prosperidade de todos.

 Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 737 de 12 de Janeiro de 2015.

domingo, janeiro 10, 2016

2016 – Ano de Mudança?

Há 25 anos, 1991 foi um ano de mudança histórica em Cabo Verde. Por Cabo Verde também passavam os ventos que desde de 1989 vinham deitando abaixo regimes totalitários e autoritários em todos os continentes. Para caracterizar o fenómeno, Francis Fukuyama falava na época do “Fim da História”, do abraçar quase universal dos princípios e valores da liberdade e democracia e do reconhecimento da importância central da iniciativa privada e dos mercados na criação de riqueza e prosperidade. Um optimismo contagiante acabou por dominar toda a década que então se iniciava à medida que barreiras ideológicas desapareciam e saltos tecnológicos nos domínios dos transportes e telecomunicações lançavam a humanidade num processo de globalização sem precedentes. Em consequência, centenas de milhões de pessoas deixaram a pobreza, muitas vezes abjecta, para integrarem as fileiras da nova classe média dos países emergentes.
Cabo Verde, que vinha de vários anos de estagnação económica e de um crescimento do PIB em 1990 de praticamente 0%, iniciou o ano com um novo governo que se anunciou pronto a construir as instituições próprias de uma democracia moderna e a reestruturar profundamente a economia. A economia estatizada que tinha sido criada nos quinze anos de partido único tinha falhado em fazer Cabo Verde crescer com a rapidez que outros estados insulares como as Maurícias e as Seychelles vinham crescendo. Em consequência o rendimento per capita de Cabo Verde mantinha-se abaixo dos mil dólares (957) enquanto nas Maurícias já era de 2365 dólares e nas Seychelles já ultrapassava os 5 mil dólares. Essas ilhas tinham feito escolha oposta em relação a Cabo Verde. Maurícias tinham apostado na atracção do investimento externo para criar uma base de manufactura para exportação, aproveitando o sistema preferencial de acesso a mercados da Europa, América e Japão e as Seychelles tinham feito um comprometimento sério com o desenvolvimento do turismo, que as deixou com um turismo de qualidade que tem um efeito forte de arrastamento na economia nacional.
Depois de quinze anos de rendimentos perdidos por causa de estratégias erradas de estatizar, fugir dos mercados e rejeitar o turismo, a perspectiva nos primórdios dos anos noventa era soltar as amarras que vinham prendendo a criatividade, energia e iniciativa dos cabo-verdianos e pô-las ao serviço da criação de riqueza. A década de noventa acabou por se revelar de um crescimento sem precedentes, com impacto significativo no emprego que desceu para os níveis mais baixos de sempre. A década e meio que se seguiu, apesar de beneficiar de importantes fluxos de capital privado particularmente nos três anos antes da crise financeira de 2008 e de donativos e empréstimos concessionais ao longo de todo o tempo, tem-se revelado frustrante nos resultados de crescimento económico (2012 – 1,2%; 2013 - 1%; 2014 - 1,8%) não obstante os avultados investimento feitos. O ano de 2015 é já claramente um ano  fraco com resultados nos três últimos trimestres  de 1%, 05%, 1,4%  respectivamente a confirmar que o impacto de toda a chamada Agenda de Transformação ficou muito aquém do prometido.
A Ministra das Finanças ainda procura justificar a situação actual de estagnação económica como sinal de modelo esgotado e de necessidade de passar para um outro estádio de desenvolvimento, numa perspectiva que justifica a orientação seguida até agora e até aconselha para se continuar numa nova etapa. A realidade porém é que há muito se devia ter abandonado o modelo, mas razões outras não deixavam. Uns dizem que é por factores ideológicos, outros apontam para razões pragmáticas de manutenção do poder. O facto é que com o andar dos anos a competitividade externa do país não melhora, os sectores de energia, água e transportes marítimos e aéreos continuam fracos, caros e não confiáveis e a base da economia mantem-se pouco diversificada. A administração pública faz o seu trabalho sempre pouco sensível e burocrática em relação ao mundo de negócios, enquanto a atenção dos governantes para questões centrais como a segurança, o desenvolvimento do turismo e a atracção de investimento externo continua não devidamente focalizada, nem consequente.
Em 1991 teve que se imprimir uma reorientação radical para que a economia voltasse a crescer a taxas que se traduzissem em ganhos efectivos, em rendimentos e qualidade de vida para a população. Algo similar deverá acontecer neste ano de 2016. A dúvida é se, à semelhança do que foi há 25 anos, também hoje existe a consciência de que se impõe uma mudança de paradigma na governação actual, uma vontade em explorar outras vias para desenvolver o país e uma confiança que é possível produzir riqueza e prosperidade sustentável de que todos poderão beneficiar. Para bem de toda a gente, esperemos que sim.
        Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016
    

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Saídas

Uma das novidades da última semana de Dezembro foi a saída da Janira Hoffer Almada do cargo de Ministra da Juventude e do Emprego. O Primeiro-Ministro justificou a saída com a marcação das eleições legislativas e com a necessidade de ela se dedicar às tarefas político-partidárias. O argumento não colhe. A presença dela no governo não limitou em nada a sua acção partidária em particular desde de meados de 2014 quando se apresentou como candidata ao cargo de presidente do PAICV. Pelo contrário serviu, e bem, para fazer avançar os seus propósitos de liderança e conseguir os resultados que obteve como em tempo foi denunciada pelos outros candidatos, designadamente por Felisberto Vieira. O acto de pedido de exoneração não tem outra explicação senão o de camuflar o que a olhos de todos andou a fazer durante este ano de 2015. Esteve todo o tempo em campanha eleitoral pelas ilhas e pelas comunidades no exterior fazendo uso de recursos e meios do Estado. Aliás é só perguntar ao Sr. Primeiro-Ministro  se alguma vez (2006 ou 2011)se suspendeu do seu cargo para se candidatar a um novo mandato no governo. Não há nenhuma exigência constitucional ou da lei eleitoral nessa matéria. Diferente é o caso de Ulisses Correia e Silva na Praia. Presidentes de Câmara e vereadores são inelegíveis no círculo eleitoral onde exercem actividade (alínea a do art. 404º)  do Código Eleitoral. Por isso, no seu caso como o foi de António Monteiro em 2006 é de renunciar ao mandato na câmara, em tempo para poder constar da lista de deputados para o círculo eleitoral de Santiago Sul.

    Publicado no jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016

quinta-feira, janeiro 07, 2016

Reafricanização dos espíritos: consequências

O jornal Público trouxe no domingo dia 3 de Janeiro uma reportagem intitulada “Ser africano é um tabu em Cabo Verde”. Lendo os vários depoimentos não se pode deixar de concluir que há uma crise profunda de identidade em Cabo Verde. Parece que já não existe mais o cabo-verdiano que só depois de chegar à Europa, como parece ter sido o caso do Corsino Tolentino e do Francisco Carvalho, é que descobre que há gente que confunde identidade com cor da pele. Não era assim na sua terra. Passou a ser depois quando o Estado independente dirigido pelo PAIGC/PAICV assumiu como sua missão fazer a “reafricanização dos espíritos”. A partir daí, segundo Gabriel Fernandes,  os caboverdinos não se concebem a partir de dentro, da sua peculiaridade cultural, mas sim de fora, da sua compartilhada situação de africanos e dominados” . Em vez de se conservar num estado fora das tensões raciais que a sua vivência crioula nas ilhas lhe tinha proporcionado deixou-se dividir e agora diz que é cabo-verdiano, preto e africano. E naturalmente quando se começa a resvalar num plano inclinado a tendência é acelerar, neste caso, encontrar razões diversas para se dividir ainda mais:  coloração da pele, mais clara ou mais escura; lugar de origem, ilhas a norte ou a sul; badios e sampadjudos; descendentes de escravo, resistentes ou colaboracionistas, etc. Tudo pode ser motivo de divisão e de polarização e consequente discriminação até se chegar ao absurdo da afirmação do Abrãao Vicente nessa reportagem de que O poder acaba por filtrar o negro. Ulisses Correia da Silva, presidente da Câmara da Praia, é o primeiro santiaguense preto a candidatar-se a primeiro-ministro. Todos os outros foram mestiços, mulatinhos.”

     Publicado no Jornal Expresso das Ilhas de 6 de Janeiro de 2016

segunda-feira, janeiro 04, 2016

2015: um ano atípico

O ano de 2015 que chega ao fim tem-se revelado em vários aspectos como um ano incomum. Provavelmente ficará registado como um ano de mudanças em vários países e regiões do globo, um ano de viragem em muitos outros e ainda um ano em que, em vários momentos, surpreendeu pelo surgimento do inesperado.
No plano internacional todos os olhos têm estado transfixos no que se passa na Europa: sem ainda ultrapassar a crise financeira e da dívida soberana já está mergulhada na crise dos refugiados. A resposta óbvia para ultrapassar as crises seria dar um passo em frente para uma maior integração da União Europeia. Mas nem todos vêem com bons olhos mais cedência de soberania nacional, maiores transferências de fundos para evitar uma Europa a várias velocidades e uma política externa e de defesa comum que permita protagonismo mais consequente na cena mundial e a contenção de eventuais ameaças vindas da Rússia ou do Médio Oriente. Afligidas pelas dúvidas e incertezas, as nações dentro da Europa deram este ano sinais claros que poderão estar perante autênticos terramotos políticos dentro das suas fronteiras. Em Portugal, Espanha e Grécia os partidos tradicionalmente do chamado arco da governação perderam terreno a favor de partidos de esquerda radical enquanto em países com a Suécia, a França, a Polónia e a Hungria foi a extrema-direita que fez progressos assustadores.
Do outro lado do Atlântico, na América do Sul, é já claro a viragem na maré do populismo que ameaçava engolir vários países do subcontinente. Perdeu vitalidade em certa medida com a queda do preço do petróleo e de outras commodities (matérias primas e produtos agro-pecuários). Sinais disso vêem-se na crise do chavismo na Venezuela, nas dificuldades do governo  brasileiro a braços com o marasmo económico e acusações graves de corrupção e no afastamento dos partidos peronistas na Argentina após décadas de poder. A quebra na procura global também teve outros efeitos designadamente no crescimento dos chamados países emergentes, em particular dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pôs em evidência algumas das insuficiências do modelo económico por eles seguido e baixou as expectativas de crescimento global a ponto de economistas proeminentes alertarem para  uma possível “estagnação secular”. 
Talvez já a antecipar os tempos menos auspiciosos que podem estar à frente, Cuba, com a ajuda providencial do Papa Francisco, apressou-se a negociar com os americanos o fim do embargo de mais cinquenta anos imposto ao país. O presidente Obama que soube surpreender o mundo com as negociações de Cuba, conseguiu ainda neste ano realizar a façanha do acordo nuclear com o Irão não obstante a hostilidade aberta de Israel e de sectores do partido republicano. Em Novembro, inesperadamente, pôde construir conjuntamente com a China e mais países na Cimeira de Paris um consenso inédito no domínio de mudanças climáticas que obriga a acções coordenadas de todos para evitar que o aquecimento global vá acima dos 1,5ºC.
2015 fica  ainda marcado pelo irromper na cena internacional de acções terroristas do Estado Islâmico. Os atentados de Paris mostraram a capacidade do ISIS em recrutar combatentes entre os jovens europeus e de levar para o coração da Europa o terror que acompanha a sua luta pelo Califado. O medo gerado pela possibilidade de actos terroristas tornou extremamente difícil a gestão dos muitos milhares de pessoas que vindas da Síria procuram escapar da extrema violência que caracteriza a actuação do ISIS no quadro das lutas sectárias que dilaceram o Médio Oriente. Na Europa e também na América sentem-se os efeitos desse medo nos discursos de certos políticos e no avanço de forças radicais tanto de esquerda como da direita, todos apostados em fazer política identitária exacerbando em particular o nacionalismo, a etnicidade e a religião. A África, e em particular a Líbia, o Mali e a Nigéria com o Boko Haram já é um palco para a reprodução desses conflitos.
 Em Cabo Verde também 2015 foi um ano atípico. Iniciou com a mudança da liderança do PAICV, o partido que suporta o governo, mas não foi seguida de mudanças no sistema de governação, designadamente de unificação da direcção política do partido com a chefia de governo e com a liderança da maioria parlamentar. As tensões que daí resultaram produziram situações como as que deitaram abaixo o estatuto dos titulares de órgãos de soberania aprovado unanimemente pela Assembleia Nacional e que já levaram à demissão da ministra Sara Lopes, em Novembro, e na semana passada à saída da ministra Janira Hopffer Almada. São situações que, por falhas na coordenação e défices de solidariedade, diminuem a eficácia da governação com os resultados que se vêem com particular nitidez na gestão desastrosa que se está a fazer da TACV.
Também por essas mesmas razões 2015 foi um ano de campanha eleitoral a todo o tempo no qual naturalmente por razões de recursos e de oportunidades o governo foi o principal protagonista de entre todos os outros actores. Os quarenta anos de independência foram comemorados meses a fio tanto no país como nas comunidades. Viagens sucederam-se pelas ilhas num ritmo vertiginoso. Provavelmente não houve dia em que não se tenha inaugurado alguma coisa com direito a cobertura da rádio e da televisão. Chegados ao fim de 2015 e a poucos dias do início do período eleitoral, espera-se que tudo volte à normalidade e o processo democrático siga o seu caminho e dê ao país um governo legitimado nas urnas. Cabo Verde bem precisa.
   Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 30 de Janeiro de 2015

segunda-feira, dezembro 28, 2015

Imunidades

Volta e meia a questão das imunidades dos deputados salta para a ribalta. Normalmente acontece na sequência de situações em a oposição e o governo se chocam nos habituais processos de fiscalização política. Deputados exigem responsabilização por actos ou omissões do governo e este ou se escusa a dar informações ou procura passar a culpa para outrem. O impasse no debate cria um ambiente de confrontação em que não poucas vezes se procura saída ameaçando com acção judicial por razões de injúria e calúnia. Daí é um passo para se desafiar o deputado a levantar a sua imunidade ou é ele próprio num gesto de bravata a oferecer-se para deixar cair a sua imunidade. Parece desses filmes repetidamente vistos que já se conhece o desfecho: perde a instituição Parlamento, enquanto sede do pluralismo e do contraditório; ganha quem não quer a responsabilização e fiscalização efectiva do governo.
Como bem dizem os constitucionalistas “as imunidades dos deputados são instrumento objectivo da defesa do próprio Parlamento. Os deputados não podem renunciar a elas; o Parlamento não pode dispensá-las”. Isso quer dizer que o que se vem assistindo nos últimos meses com ameaças de acção judicial a deputados por causa do Fundo do Ambiente ou por causa da TACV não passa de teatro político. A Constituição é clara a estabelecer que os deputados não respondem civil, disciplinar ou criminalmente pelos votos e opiniões emitidos no exercício do seu mandato. A Assembleia Nacional sabe disso e não levanta a imunidade. Os governantes também sabem disso e mais sabem que a principal razão para a existência do privilégio da imunidade é precisamente para evitar que quem governa e exerce o poder abuse de meios e instrumentos ao seu alcance para impedir a fiscalização, calar os adversários e esvaziar a democracia pluralista.  
Por tudo isso não deixam de ser patéticas as recentes afirmações da presidente do PAICV, o partido que suporta o governo, transcritas na comunicação social em que afirma “que já é altura de acabar com a imunidade parlamentar no país para responsabilizar os políticos pelo que dizem ou fazem”. A Dra. Janira Hopffer Almada parece esquecer que na democracia é essencial a prestação de contas e a responsabilização política de quem governa. Os “políticos”/governantes com promessas para serem cumpridas e objectivos por atingir durante o mandato não podem se encontrar na posição de impedir que os “políticos”/deputados os responsabilizem pelo que dizem ou fazem. As imunidades foram instituídas desde dos primórdios das experiências democráticas para evitar que nunca tenham esse poder de calar os representantes do povo e de, por essa via, reinarem sem controlo e sem responsabilidade. Indicar que “irá fazer uma proposta neste sentido proximamente aos órgãos do seu partido” é muito grave.
As eleições legislativas já estão marcadas para 20 de Março. A tensão da campanha eleitoral já se faz sentir e tende agravar em ambiente de fim de mandato. O governo tem dificuldade em encobrir deficiências e insuficiências em certos sectores – caso gritante da TACV – e cai na tentação de resolver situações de última hora em termos de leis, medidas de política e nomeações que podem configurar interesses de natureza preponderantemente partidários e eleitoralistas. A oposição tem o direito e o dever de estar particularmente atenta à actuação governamental e assegurar-se que as eleições se realizarão de forma livre sem condicionamento de qualquer espécie. Particular atenção deve ser dada à valorização do órgão Parlamento que saíra das eleições e do papel dos seus titulares que serão eleitos no dia 20 de Março. O futuro da democracia cabo-verdiana passa por aí e há que dar combate aos detractores da democracia representativa.
  Editorial do jornal expresso das Ilhas de 23 de Dezembro de 2015

sexta-feira, dezembro 18, 2015

A Cimeira de Paris e o futuro

No domingo passado, dia 13 de Dezembro, chegou-se a um acordo global em matéria do clima e da necessidade de acção coordenada de todos os países para suster mudanças climáticas e evitar consequências catastróficas para o planeta nas próximas décadas. Estabeleceu-se que a temperatura da Terra nos próximos cem anos não deve ir além de 1,5º C acima do que tinha sido a média no período pré-industrial. A disponibilidade nos últimos dias em fixar o limite mais restrito de 1,5º C em vez de 2º C que já se tinha dado por consensualizado deu um sinal da seriedade com que a questão climática passou a ser assumida por todos. Para o desfecho feliz das negociações contribuiu extraordinariamente o grupo de pequenos estados insulares, entre os quais Cabo Verde, que, devido às suas fragilidades intrínsecas, mais expostos estarão no futuro próximo a fenómenos climáticos extremos (secas, cheias e ciclones) e a subidas perigosas do nível médio das águas do mar.  
Anteriormente, numa cimeira realizada em 1997, na cidade de Kyoto, no Japão, foi tentada uma abordagem global para a questão climática. Data daquela época a proposta do mercado global dos créditos de carbono. Não resultou. Subsequentemente outras dificuldades impediram a materialização de uma vontade efectiva para fazer face ao fenómeno de aquecimento global. Mais recentemente, em 2008, na cimeira de Copenhaga, nem o então recém-eleito presidente Obama conseguiu mover significativamente os cépticos quanto à realidade das mudanças climáticas e dissuadir países emergentes como a China de usar meios e processos poluentes como forma mais rápida de crescer e manter baixo os custos das suas exportações.
Sete anos depois os tempos são outros: o preço do petróleo caiu para metade, a China está em processo de mudança do seu modelo de crescimento e os avanços tecnológicos melhoraram a eficiência energética e tornaram as energias renováveis, em particular a solar e a eólica, competitivas com as convencionais. Em 2014, já se tinha verificado a convergência de posições entre os Estados Unidos e a China para limitarem as suas emissões de gases produtores do efeito de estufa que então se situavam nos 45% do total. Apesar dos avanços feitos, a assinatura, em Paris, do acordo sobre as mudanças climáticas pelos 195 países não deixou de surpreender. Constitui, de facto, um acto de extraordinária importância não só pelo consenso gerado à volta de uma questão crucial para o planeta e para o futuro da humanidade como também pelo impacto transversal que, espera-se, irá ter sobre o modo de vida, as opções de consumo e os comportamentos das pessoas, das empresas e dos países.
A partir de agora, pode-se começar a visionar a economia do futuro. Para já, não será uma economia em que o consumo de combustíveis fósseis terá a mesma expressão dos últimos séculos desde a revolução industrial. Certamente haverá uma grande transformação particularmente nos meios de transporte: os motores eléctricos tornar-se-ão dominantes e os de combustão interna serão de uma eficiência extrema e outras formas de produção de energia irão substituir as actuais. A relação entre os países produtores do petróleo e os países consumidores mudará com consequências económicas e geopolíticas importantes.
Muitas oportunidades para inovações tecnológicas e para a criação de novos negócios naturalmente surgirão para responder aos novos gostos e às novas sensibilidades. Quem puder antecipar as principais tendências e posicionar-se, para melhor as aproveitar, terá a ventura de crescer e desenvolver-se com a nova forma de estar que a humanidade terá que adoptar para que o seu planeta continue habitável por muito tempo. Cabo Verde, como um dos pequenos estados insulares que mais cedo poderá ser afectado pelas mudanças climáticas, deverá concentrar-se em transformar fraquezas em vantagem, inovando na forma como lidar com as novas exigências. Como sempre, é fundamental saber investir nos seus recursos humanos e criar um ambiente que alimente a criatividade, favoreça a iniciativa e premeia o mérito.
     Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 16 de Dezembro de 2015

sexta-feira, dezembro 11, 2015

Dia da Rádio ou dia da supressão da liberdade de expressão

Uma resolução do Governo datada de 4 de Junho de 2015 resolveu fazer do 9 de Dezembro de 1974, o dia da tomada da Rádio Barlavento, o Dia Nacional da Rádio. Considerando que a justificação dada para se criar dias da comunicação social foi a de “destacar o papel dos seus órgãos na promoção do pluralismo, na difusão de informação credível e na acção fiscalizadora no quadro democrático” não deixa de ser muito estranha essa decisão. A tomada da Rádio Barlavento não foi motivada em absoluto para promover o pluralismo, muito menos para difundir informação credível ou para construir alguma crítica, controlo ou fiscalização do poder do Estado. Na prática, visou-se implantar uma voz única no país, inaugurou-se uma nova era em que a propaganda substituiu em boa parte a informação fidedigna e retirou-se qualquer hipótese de visão crítica sobre a governação do país.
A ocupação e a subsequente utilização das instalações da Rádio Barlavento para passar mensagens do PAIGC aconteceu num contexto especial. Não foi um acto isolado. Enquadrava-se entre um dos muitos actos revolucionários que tiveram lugar em Dezembro de 1974 que visavam consolidar o poder do PAIGC com exclusão de todos os seus adversários políticos. Forças políticas como a UDC e a UPICV sofreram ao longo do processo perseguições, prisões e deportação para fora do país. A sociedade civil entrou em processo de colapso quando as suas associações e os meios que utilizava para se afirmar como autónoma e se comunicar com o país foram expropriados e consolidados em órgãos do Estado a falar numa voz única ditada por um centro político-partidário todo-poderoso e sem qualquer memória do que tinha sido no passado.
 Neste sentido, a tomada da Rádio Barlavento significou também o fim da iniciativa e da criatividade individual que desde os anos quarenta vinha-se consolidando nas experiências da Rádio Clube Mindelo, da Rádio Barlavento e da Rádio Clube da Praia. Só muito mais tarde, quinze anos depois, com a liberdade e democracia implantadas nos anos 90 o país voltaria a respirar e novas iniciativas, protagonismos e oportunidades das pessoas se interagirem livremente através da rádio viriam a tornar-se possíveis.
Certamente que o governo não ignora a enorme carga simbólica que a data carrega. Quando insiste nela é porque tem um objectivo concreto a atingir ou, pelo menos, uma provocação a fazer. Na resolução chama a atenção para “o novo percurso de radiodifusão” que se teria iniciado com a tomada da rádio. Esse percurso, como se sabe bem, só pode ter sido o da estatização da rádio, uma via que nos tempos de hoje, sob a égide da constituição democrática e liberal de 1992, dificilmente os governos poderão sustentar e justificar.
 A Constituição em matéria de rádio e televisão requer a existência de um serviço público. Não o exige para a imprensa escrita porque a facilidade de acessos e os investimentos necessários estão ao alcance de indivíduos e grupos. A verificar-se uma queda rápida nos custos de se criar uma rádio e uma televisão, como vem acontecendo pelo mundo fora, é natural que cada vez menos se justifique um serviço público dedicado e que a expressão da diversidade e do pluralismo nas sociedades democráticas seja conseguido simplesmente pelas vias privadas. Em várias democracias consolidadas há um debate forte a esse respeito. No caso de Cabo Verde a dificuldade maior na implantação de órgãos privados capazes de cumprir esse objectivo está na pequenez do mercado publicitário. O facto de o sector público da rádio e da televisão procurar ostensiva e agressivamente melhorar o seu peso e quota neste mercado não é um bom sinal. Pode significar que não se quer realmente que iniciativas privadas na rádio e televisão se ponham de pé e consolidem a sua posição de contribuir para que os cidadãos satisfaçam de forma livre e aberta o seu desejo de informar e de ser informado.

 A liberdade de expressão é a rainha das liberdades. Suprimi-la leva à morte de todas as outras. A tomada da Rádio Barlavento, a 9 de Dezembro de 1974, significou calar vozes críticas e vozes contrárias. Sabemos o que é que aconteceu nos quinze anos que se seguiram: a opressão assentou arraiais no país. Por isso não é uma data que tenha cabimento em democracia. Mal andou o governo em consagrá-la como o Dia Nacional da Rádio em Cabo Verde.  

  Editorial do jornal expresso das Ilhas de 9 de Dezembro de 2015

sexta-feira, dezembro 04, 2015

Enfrentar um mundo mais rigoroso e menos generoso



Michael Spence, prémio Nobel da Economia, num artigo recente publicado no Project-Syndicate chamou atenção pelo facto de que a economia mundial está a acomodar-se num caminho de baixo crescimento conduzida pela incapacidade ou falta de vontade dos políticos de contornar os importantes constrangimentos que se colocam no caminho de uma maior dinâmica económica a nível global. Acrescenta ainda que mesmo o actual crescimento anémico poderá vir a revelar-se insustentável. Outros economistas como Larry Summers, Paul Krugman ou J. Bradford DeLong falam abertamente do que chamam de estagnação secular – uma nova era que estaria já à porta caracterizada por baixo  crescimento num ambiente de baixa inflação ou mesmo deflação e de taxas de juros próximas dos 0%.
Todos estes avisos de eminentes economistas em relação à evolução da economia global nos próximos anos devem constituir um motivo de preocupação para os cabo-verdianos. Fraco desempenho da procura global significa menos estímulo económico, menos crescimento e concomitantemente menos capacidade de diminuir o défice orçamental e a dívida pública que segundo o último relatório do GAO situou-se, em 2014, nos 116% do PIB. Já temos um problema grave de estar a crescer muito abaixo do potencial. Segundo o GAO, o crescimento em 2014 foi de 1,8% quando em 2013 tinha sido de 1%. Os dados do INE do último trimestre (2º) apontam para uma taxa de crescimento de 0,1% do PIB. O 1º trimestre tinha sido de 1% do PIB, o que não augura nada de espectacular para 2015. Se as perspectivas mundiais para os próximos anos não são as melhores, mais razões devemos ter em pensar políticas no curto e médio prazo que, citando o relatório do GAO, ajudem a “recuperar do período de estagnação e a recuperar o diferencial em relação ao potencial” de crescimento económico.
2016, o ano de todas as eleições, está aí à porta. Devia ser o momento certo para se discutir abertamente a situação real do país e o contexto global onde vai labutar para encontrar o seu caminho para um desenvolvimento sustentável e sustentado. Devia ser também o momento para se deixar cair a propaganda e o ilusionismo enquanto instrumentos de governação para se focar na discussão séria do como fazer e que opções tomar para ultrapassar os múltiplos constrangimentos que não deixam o país crescer e mantém a sua população num nível de vulnerabilidade inaceitável.
Aparentemente todos sabem o que fazer. Sabe-se por exemplo que:
  • Devíamos ter uma administração pública isenta, imparcial, profissional, atenta às necessidades da economia e favorável à manutenção de um ambiente de negócios atractivo.
  • Devíamos assumir uma política de atracção de investimento externo suportada em políticas que dão competitividade ao país designadamente nos domínios da segurança, no domínio legal/contractual, fiscal, energético e de transportes e comunicações.
  • Devíamos primar por um ensino de qualidade com ênfase nas ciências e na aquisição de competência linguística a todos os níveis de forma a qualificar a mão-de-obra cabo-verdiana e construir bases sólidas para o empreendedorismo e a inovação.
  • Devíamos quanto ao turismo assegurar uma outra atitude das instituições, mais positiva e criativa e da sociedade um novo engajamento e uma renovada cultura de serviço para se poder conseguir sucesso sustentável neste sector crucial para a dinâmica económica do país. 
  • Devíamos tudo fazer para que o apoio ao sector privado nacional e à iniciativa individual deixe de ser um mero slogan para passar a ser um objectivo essencial para se poder ganhar capacidade endógena de criação de riqueza no país.
  • Devíamos fazer uma aposta séria nas tecnologias de informação e comunicação como actividade que permite ultrapassar os constrangimentos do isolamento e de fragmentação territorial do mercado nacional e ao mesmo tempo servir de veículo para talentos e criatividades individuais com potencial de retorno extraordinários para as pessoas e para o país.
  • Devíamos considerar vital para o futuro reorientar a mentalidade no sentido de produção de bens e serviços transaccionáveis como condição necessária para alargar mercados, obter economias de escala e criar emprego num ritmo que efectivamente diminua as taxas de desemprego no país.

Todos, o governo, a oposição e a sociedade sabem isso. O governo mostra saber isso quando impregna o seu discurso com referências ao empreendedorismo, inovação e desenvolvimento do sector privado. A oposição critica falhas nesses domínios e promete medidas mais eficazes para as superar. A sociedade é bombardeada todos os dias com notícias de fóruns, workshops, feiras e outros eventos em que pelaenésima vez se promete que agora é que se vai fazer o take off, ou tirar as amarras para a largada ou realmente mudar o chip. Na prática o que todos os dias se vê é que a Administração Pública continua partidarizada e pouco sensível ao pulsar da economia, o sector privado anda pelas nas ruas da amargura, a competitividade mantém-se baixíssima, o desemprego fixa-se em taxas elevadíssimas e o crescimento económico permanece anémico.
A questão que se coloca é se a discrepância entre o discurso do governo e os resultados que obtém devem-se à incompetência ou são consequência de uma opção bem clara: por um lado, fazer o discurso politicamente correcto e, por outro, actuar numa perspectiva diametralmente oposta em que a preocupação com o controlo e a manutenção do poder sobrepõe-se a tudo, incluindo ao desenvolvimento. Hoje é evidente para qualquer observador que o discurso que o governo faz, e que é salpicado de referências a políticas e medidas que poderiam agradar a todos, fica pela aparência. Não há acção consequente. Serve fundamentalmente para ofuscar a realidade do controlo que realmente pretende ter sobre o país e a sociedade.
Na prática, procura introduzir no tecido social, económico, cultural e até no seio dos outros partidos redes de influência através das quais as pessoas ficam dependentes do Estado, dos seus caprichos e suas preferências. Com este objectivo central em mente, os resultados só podiam ser os que se vêem actualmente no país. Em vez de gente activa, produtiva, ambiciosa e orientada para o sucesso quer-se pessoas a disputar acessos, benefícios e favores. 
A verdade é que nenhum país consegue desenvolver-se reproduzindo esse tipo de mentalidade na população. Em países com petróleo ou outros recursos que se pode simplesmente extrair da terra e vender, governos similares procuram o apoio do povo distribuindo parte da bonança. Mas mesmo aí não há garantia que a barganha dure para sempre. A coisa complica-se quando o preço internacional desses produtos, caso do petróleo, cai e a bonança fica menor. Ou no caso de Cabo Verde se a ajuda externa diminui. Vai-se então para o endividamento mas até isso tem limite. Neste particular o relatório do GAO chama a atenção mais uma vez quando diz que “a redução do peso da dívida externa é crucial para o país poder ceder a mercados financeiros internacionais, à medida que a ajuda externa tradicional diminui”.
Insistir nesse tipo de governação só pode levar a retornos cada vez mais baixos em relação aos investimentos feitos e a resultados com sustentabilidade cada vez mais precária. A contínua vulnerabilidade da população rural, em particular na ilha de Santiago, mas também em Santo Antão e Fogo apesar dos enormes investimentos feitos, é prova evidente disso. A persistência do desemprego elevado e do crescimento raso também confirmam a inadequação das políticas do governo. Empresas públicas como a TACV e a ELECTRA só conseguem sobreviver imputando custos altíssimos às pessoas, às famílias e à economia do país.
Podia-se  pensar que, particularmente com sombras negras a pairar sobre a economia mundial, o PAICV, o partido no poder, mudasse de políticas. Quinze anos depois todos vêem que elas não funcionam e os resultados que apresentam não têm garantia de sustentabilidade futura. Mas o partido não muda. Em vez disso opta por aumentar até o paroxismo o ritmo da propaganda e os actos de ilusionismo que suportam a ficção que luta a todo o momento para impor ao país. É só ver como o Sr. Primeiro-ministro e os seus ministros têm circulado pelas ilhas e comunidades emigradas neste ano de 2015. Até dá para perguntar se, de facto, andam mesmo a governar.
Em todos os discursos, mesmo quando finge reconhecer insuficiências actuais, a mensagem principal é que tudo vai bem e que as falhas são provavelmente de outros e de causas externas sobre as quais não têm controlo. Põe, por exemplo, a Dra. Leonesa Fortes, o sétimo ministro da Economia dos governos do PAICV, num frenesim por todas as ilhas particularmente as do Norte do arquipélago, prometendo fazer nos últimos meses do mandato o que não se fez nos últimos quinze anos. E sabe-se perfeitamente que ela não tem força política para mudar nada como, aliás, os outros seis ministros que a antecederam não tiveram. Muito menos tê-la-ia num hipotético governo da Dra. Janira Almada. De facto, com todo este lançar de poeira nos olhos das pessoas, o PAICV está a reafirmar que vai continuar igual a si próprio. Faz o discurso do desenvolvimento que se lê nos manuais de economia ou se ouve nos corredores das instituições internacionais, mas depois “pensa com a sua própria cabeça” e põe o controlo e o desejo de poder acima de tudo. Por isso é que os resultados são os que tem.
Cabo Verde paga o preço de ser governado por quem, no fundo, bem no fundo, acredita que o país não é realmente viável. Que o país sempre há-de viver da ajuda externa. Convém-lhe que seja assim porque dessa forma poderá continuar a ter o controlo dos recursos e a manter o poder. Há países autoritários e não democráticos como a China e a Singapura que usam a bandeira do crescimento económico acelerado para legitimarem o seu regime. O PAICV mesmo quando governou como partido único nunca quis promover as exportações como as Maurícias e fomentar o turismo como as Seychelles para atingir taxas elevadas de crescimento e diminuir rapidamente o desemprego. Sempre preferiu o controlo.
Nas eleições que se aproximam, há que dizer um basta a isto. O mundo à nossa volta não espera. Todos os dias está a ficar mais rigoroso nas exigências e menos generoso nos seus gestos de solidariedade. A Espanha vai deixar o GAO porque, segundo o relatório citado, mudou de política de cooperação e vai ter um menor foco na ajuda não reembolsável. Essa é a tendência que os outros, mais cedo ou mais tarde vão seguir. Por isso, um outro rumo tem que ser tomado para que o cabo-verdiano finalmente encontre o caminho para a sua felicidade e prosperidade na Liberdade. Parafraseando o presidente Obama: O nosso momento é agora
*Intervenção na Assembleia Nacional, no dia 24 de Novembro de 2015

Entre o discurso e a prática

O governo fez aprovar na Assembleia Nacional algumas alterações à lei dos benefícios fiscais que tinha entrado em vigor em 2013. A ministra de Finanças justificou a proposta de lei com o argumento, entre outros, que irá beneficiar mais de 80% das pequenas e microempresas. A reacção das câmaras de comércio foi rápida e contundente. A de Sotavento foi categórica em afirmar que “os resultados da aplicação da lei foram nulos”. A de Barlavento assegurou que as alterações agora apresentadas “não estimulam o investimento”. 
A racionalização do sistema de benefícios fiscais serve fundamentalmente dois propósitos: permite, por um lado, que o Estado tenha imediatamente mais receitas com a eliminação dos benefícios fiscais já demostrados desnecessários e também daqueles outros cuja lógica para a sua criação perdeu-se há muito no tempo. Por outro lado, permite criar estímulo a actividades em sectores chaves da economia na perspectiva de atrair investimento externo, ganhar mercados, conseguir economia de escala e abrir-se para a inovação de produtos e processos. A ideia é o Estado perder inicialmente em receitas com os benefícios que estender à actividade económica e ganhar a prazo com mais vencimentos a serem tributados, mais lucros das empresas a serem declarados e mais IVA recebidos das múltiplas transacções em ambiente de crescimento acelerado e de baixo desemprego.
Naturalmente que para se obter melhor efeito dos benefícios fiscais a proposta de lei devia dirigir-se aos sectores com maior potencial de crescimento e de empregabilidade. Exportações e turismo saltam logo à vista. A realidade porém é muito diferente. Nota-se por exemplo que, quando instada a exemplificar aplicações da lei, a ministra das Finanças escolhe o caso da senhora do Paul que queria adquirir um fogão e um frigorífico para as suas produções caseiras de doces, frutas cristalizadas e licores. Ora, não é concentrando os benefícios fiscais nos sectores não transaccionáveis que se vai conseguir que os seus efeitos multiplicadores tenham o maior impacto na economia nacional.
Aliás, uma das supostas vantagens que a nova lei tem em relação às leis anteriores é de não distinguir entre investidor nacional e investidor estrangeiro. Mas é um falso problema até porque o quadro das leis de investimento criado nos anos noventa da estruturação da economia do mercado serviu bem até ser substituído pela actual lei de 2013. Grandes investimentos na indústria e no turismo foram feitos nesse quadro. A questão central é se o governo deve de forma privilegiada incentivar o sector de bens e serviços transaccionável ou não. Sabe-se das experiências de outros países que é dinamizando esse sector que o país tem possibilidade de crescer rápido e criar um número de postos de trabalho que efectivamente baixe o desemprego para níveis aceitáveis. Portanto, é uma questão de opção política do governo determinar qual dos sectores quer efectivamente incentivar: o transaccionável ou não transaccionável. De onde vem o capital, se do nacional ou do estrangeiro não interessa realmente.
Um outro factor que contribuiu também para a falta de resultados é a alta rotatividade dos ministros da Economia – sete ministros numa década e meia, nos governos do PAICV. Dificilmente se conseguiu a articulação necessária com outras medidas de política para ter resultados palpáveis. Os sucessivos ministros não eram pesos pesados da política no seio do governo e face à rigidez das posições vindas da ministra das Finanças dificilmente podiam fazer prevalecer as suas posições. A postura considerada pouco dialogante da ministra das Finanças por diversos representantes do sector privado certamente que não ajudou.
Porém, a maior dificuldade poderá ser de natureza ideológica. Para os grandes investimentos em geral de capital estrangeiro foram criadas “barreiras” que inicialmente eram de 20 milhões de contos e sucessivamente passaram a 10 milhões e agora a 5 milhões de contos para ter acesso a benefícios fiscais. Para as pequenas e microempresas não há preocupação real em saber de onde vem o investimento e disponibilizam-se benefícios fiscais sem verificar a dimensão dos eventuais ganhos na economia nacional. A preocupação com o crescimento rápido da economia não parece ser real. Até agora as autoridades têm-se mostrado confortáveis com o crescimento anémico que desde 2011 o país tem registado. Quando confrontados com a quase estagnação, culpam a crise mas mantêm o mesmo rumo que até agora lhes permitiu tirar dividendos eleitorais.
   Editorial do jornal Expresso das Ilhas do dia 2 de Dezembro de 2015