Ontem discutimos as grandes opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional. Fizemos o enquadramento nacional internacional e regional da problemática da defesa e segurança. Inventariamos as ameaças existentes e as emergentes. Chegamos à conclusão de que a natureza das ameaças emergentes não se enquadra precisamente no que anteriormente se poderia classificar de ameaças externas que exigiam uma resposta no domínio da defesa e particularmente da defesa militar nem no que poderia se chamar de um problema de ordem pública e segurança para o qual naturalmente seria chamada a polícia para intervir.
Dado o caracter novo das ameaças emergentes, o Governo apresentou as opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional cujo enquadramento constitucional não é claro porque a Constituição distingue precisamente a defesa nacional e a segurança interna, e a lei 62/IV/92 de 30 Novembro no seu artigo 6 estabelece que o Governo deve aprovar o conceito estratégico de defesa nacional. Não há referência na lei (que eu tenha conhecimento) de qualquer exigência para a apresentação do conceito estratégico de segurança interna.
O Governo avançou com um novo conceito que é o de segurança nacional englobando a problemática da defesa e da segurança interna. A constituição não dá cobertura a isso pelas razões expostas de diferenciação entre ameaça externa e ameaça interna. Os meios institucionais, previstos na constituição, FA e Polícia têm diferenças quanto à sua tutela. Enquanto a polícia depende essencialmente do Governo as Forças Armadas estão sob o controle conjunto dos órgãos de soberania a começar pelo presidente da república que é comando supremo das forças armadas mas envolvendo a Assembleia Nacional que tem a competência exclusiva de legislar sobre a organização da defesa até a autonomia de que a Forças Armadas vislumbrada na nomeação do chefe de estado maior pelo Presidente da república sob a proposta do governo e ouvido o Conselho superior de defesa nacional. Isso sem falar que as forças armadas são constituídas através do serviço militar obrigatório e portanto tem efectivos renovados em consequência do cumprimento de um dever do cidadão em servir a Pátria.
A reunião ou conjugação de forças tão díspares mostra-se difícil senão impossível. O único aspecto comum às duas forças é a posse de armas e a possibilidade de exercer a violência em nome do Estado, salvaguardando-se porém que a violência das forças armas é dirigida para o exterior e tem basicamente como limite as convenções internacionais sobre a guerra e a polícia actua no campo interno respeitando e defendendo os direitos liberdades e garantias dos cidadãos.
A revisão constitucional de 99 alargou a possibilidade de colaboração das forças com as forças de segurança armadas no combate ao crime através da alínea b do n. 2 do artigo 244 mas no âmbito da vigilância , fiscalização e defesa do espaço aéreo e marítimo e sob a responsabilidade da polícia. O alargamento da missão das forças armadas não lhe dá de facto um papel na segurança interna que de acordo com o n.1 do artigo 240 continua a ser garantido em exclusivo pela polícia.
O problema que se nos pôs ontem no âmbito das discussões das grandes opções para o conceito estratégico de defesa e segurança nacional é como usar os recursos do país para enfrentar as ameaças existentes e as emergentes. O MpD na sua intervenção colocou uma série de questões designadamente:
Qual deve ser o papel das forças armadas? Na nova conjuntura deve-se manter ou não as forças armadas?
Que tipo de força se adequa mais à necessidade urgente de policiamento das nossas costas águas arquipelágicas, águas territoriais e zona económica exclusiva
Qual deve ser o papel da POP? Qual o seu papel no combate ao crime?
O que se deve fazer para focalizar a actividade da polícia judiciária na luta contra os crimes complexos e aumentar a sua capacidade analítica?
Será de interesse para o país a criação de uma força de segurança para militar a exemplo de vários outros países que vigie as nossas costas e e dê um apoio mais robusto à acção das ouras polícias?
Qual deve ser a nossa estratégia em matéria de cooperação no domínio de Segurança? Parece-nos evidente que uma vertente central dessa cooperação terá que orientar-se para a protecção das nossas águas e da nossa zona económica exclusiva.
O Governo optou por não engajar a oposição na procura de respostas a essas questões. Respostas que poderiam ajudar-nos a todos a ultrapassar os constrangimento colocados pela constituição derivados da nova realidade vivida no país e no mundo.
O Governo com a lei de defesa e Segurança que apresenta hoje revela que tem as suas próprias soluções. Que não lhe preocupa se o enquadramento das suas soluções na constituição é no mínimo duvidoso. Que a oposição em várias ocasiões desde do debate sobre a segurança verificada na sequência do 11 Setembro vem vocalizando a necessidade de repensar as questões de defesa e segurança do país mostrando a sua disponibilidade para colaborar com o governo nessa matéria. Que desde de novembro do ano passado pode-se desencadear a revisão ordinária da constituição, abrindo portanto a possibilidade de fazer as adequações que se impões em sede de revisão e encontrar soluções novas para os problemas de hoje. Que uma lei como esta exige uma maioria qualificada de dois terços e que portanto o governo deve fazer um esforço maior para conseguir uma convergência de vontades nesta matéria.
A despreocupação do governo revela-se ainda quando parte do edifício jurídico de defesa e segurança não segue uma lógica própria em que sequencialmente deveria vir discussões preliminares entre os partidos face às novas ameaças, entendimentos quanto à adequação constitucional, à aprovação de novas leis, estruturando os sectores de segurança nacional, e, posteriormente, à aprovação de leis criando as novas instituições e serviços. Pelo contrário, verifica-se que leis como a autorização legislativa para a criação da polícia nacional e a criação do serviço de informações da república, ou seja as leis das novas instituições e serviços, antecederam em três e dois meses respectivamente a apresentação da lei estruturante que se está a fazer hoje.
Há alguma aqui que não funciona. Ou o governo não consegue agir com coerência básica e afinal a distinção entre a defesa e segurança interna mantêm-se com o Ministro da administração interna a fazer avançar os seus instrumentos no seu próprio timing ou como dissemos ontem o governo não está de facto de mão livres para discutir a problemática da segurança, uma matéria tão vital para o Cabo Verde, para o bem estar da sua população e o seu desenvolvimento.
Renovamos pois o nosso desejo de colaborar com o Governo e o paicv na redefinição e reestruturação do sector. Convidamos o paicv, a juntos, e, começando pela revisão constitucional, (que aliás, a confiar nas notícias já veiculadas, o processo vai ser, hoje, por vós desencadeado), a desenvolvermos o trabalho de pôr de pé o sistema de segurança nacional seguindo os procedimentos correctos.