A interferência dos partidos nas eleições presidenciais suprapartidárias torna-se cada vez maior. A alteração constitucional que separou em seis meses as eleições legislativas e presidencias não teve o efeito esperado de evitar o contágio que a proximidade dos dois momentos eleitorais propiciava. Pelo contrário o intervalo criado, talvez por ser longo, tem servido por um novo protagonismo partidário: Acossar outros candidatos que não receberam o beneplácito do respectivo partido.
No MpD a pressa levou à impugnação e à posição dúbia do Conselho de Jurisdição. No Paicv os ataques ao candidato Aristides Lima ganham um outro vigor. Para atingir o candidato chegou-se ao ponto de abrir a discussão sobre nº2 do artigo 383 do código eleitoral.
Enquanto o alvo era o Carlos Veiga negou-se que essa norma ditava a suspensão automática de funções para os titulares de órgãos de soberana que anunciam publicamente a sua candidatura presidencial. Então dizia-se que o momento para a suspensão era o da apresentação formal da candidatura ao STJ, após a marcação das eleições pelo Presidente da República. Agora, mudam-se os argumentos. Fustiga-se Aristides Lopes por não fazer o que antes se condenara Carlos Veiga por ter feito. Conveniência reina, e a hipocrisia não menos.
Curioso neste reabrir da discussão é a disponibilidades de vários juristas em nela participar. Ao longo de anos e até há poucos dias atrás perseguiu-se o Dr. Carlos Veiga com acusações de abandono do Governo. Foi matéria forte dos debates de campanha eleitoral apesar desde de 2000 existir jurisprudência constitucional a clarificar a questão. Nunca se ouviram outras vozes autorizadas a pronunciarem ou para se mudar a lei ou a para a confirmar, pondo fim ao seu uso como arma de arremesso político.
O rompimento do silêncio porque se mostrou conveniente atacar Aristides Lima deixa perceber aspectos preocupantes. Primeiro: persiste a cultura política de que a lei pode ser instrumentalizada. E segundo, que o debate não é livre e cumplicidades se constroem, com a ajuda da comunicação social, para omitir ou favorecer certas matérias seguindo certas agendas políticas. Em consequência, há tensão permanente entre o princípio do primado da lei e os resquícios de cultura revolucionária existentes. Outrossim nota-se que ainda é forte a tentação de se manipular memórias, de se rescrever permanentemente a história e de se retirar objectividade aos factos e trata-los como partes de uma narrativa construída segundo as conveniências do momento.
Vários estudiosos chamam a atenção pela tensão permanente que existe entre os valores da república e os valores da democracia. Se a vontade da maioria for deixada livre para se exprimir sem se sentir obrigada pelas leis e contornando as instituições pode constituir-se em ameaça grave para os indivíduos e para as próprias instituições. As eleições presidenciais em cabo Verde estão a ser desvirtuadas precisamente porque maiorias dentro dos partidos não olham a meios no seu esforço de partidarizar um cargo cuja natureza suprapartidária é fundamental para os “checks and balances” das instituições da república.
Os ataques de hoje acontecem porque ontem muitos se calaram quando manifestações sem controlo de maiorias atropelaram direitos e instituições. Estar presente como protagonistas principais nos primórdios da construção da república e das instituições democrática é um privilégio histórico que traz com ele uma grande responsabilidade. O legado que se deixa às gerações seguintes depende muito da atitude, convicções e postura adoptado em todos os momentos. Deixar-se guiar pela conveniência e sacrificar valores não é certamente o caminho a seguir. O que se semeia hoje, colhe-se amanhã.
Editorial do Jornal “Expresso das Ilhas” de 11 de Maio de 2011