O Festival da Baía das Gatas é o maior evento turístico de Cabo Verde. Realizado anualmente nos 3 dias do fim de semana de Lua Cheia em Agosto, é um factor chave de marcação de férias de verão para muitos estrangeiros e emigrantes e, também, para nacionais, residentes nas outras ilhas. O movimento nos hotéis, bares, restaurantes, lojas, táxis etc, que resulta da chegada de milhares de pessoas a S. Vicente contribui extraordinariamente para a economia da ilha. E aponta o caminho para o desenvolvimento de S.Vicente como a ilha/cidade de eventos. De facto, o fenómeno de Baía das Gatas, em que a cidade parece deslocar-se para mais de doze quilómetros durante dois dias, ilustra a disposição da população do Mindelo em participar massivamente e com entusiasmo em todos os eventos sejam eles, Carnaval, festividades de fim do ano, festival de teatro, festas de romaria etc. Visitantes, nacionais e estrangeiros, rapidamente envolvem-se em tudo. A leveza e a descontracção da interacção social convidam a uma participação activa, quase eufórica, no frenesim, criado pelos grandes eventos. Isso faz da experiência sanvincentina uma referência importante na perspectivação de um turismo em Cabo Verde que vá além do turismo de mar e sol. Não se compreende, pois, a omissão da Televisão Pública na transmissão do festival da Baía das Gatas para o país e para o mundo, limitando os efeitos económicos do festival e os seus objectivos de promoção de S.Vicente e de Cabo Verde como destino turístico. De facto não se compreende para quê ter uma televisão do Estado se ela não se sintoniza com as grandes apostas de desenvolvimento económico, social e cultural. Custos em estabelecer um link hertziano a partir da Baía e na deslocação do pessoal justificaram a ausência. Razões similares parecem não ter sido um óbice à presença da RTC em S.Nicolau a fazer a cobertura/propaganda do Governo em reportagens escandalosamente longos. Nada, porém, justifica que a RTC não potencie os vultuosos investimentos da sociedade, do empresariado local, das Câmaras Municipais e do Estado na promoção de Cabo Verde, designadamente os já feitos no âmbito da realização do festival de 2007. Por outro lado, ninguém pode acreditar que a RTC faça o bom uso do dinheiro da taxa de televisão e dos valores que lhe são transferidos do Estado, impostos pagos por todos, quando opta por gastar meios valiosos em futilidades televisivas ou servindo interesses partidários do Governo em vez de prestar serviço público. Tudo fica ainda mais estranho quando se percebe que a RTC, na Baía das Gatas, podia obter conteúdos únicos, sem pagar cachet ou direitos aos artistas ali presentes, e recusa-se. Ou seja, a RTC põe-se na posição caricata de querer que alguém lhe pague o acesso grátis a conteúdos valiosíssimos de Paulino Vieira e de muitos outros artistas nacionais e estrangeiros?! Conteúdos que, ao longo dos anos, poderiam constituir material de horas e mais horas de programação e de possível distribuição por outras vias?! Por aí vê-se que a RTC não dá muita importância à obtenção de conteúdos legítimos e de particular interesse para o país e para a promoção dos seus músicos, quando isso envolve algum custo ou esforço em particular. Provavelmente são os maus hábitos adquiridos no desrespeito pela propriedade intelectual e artística. Desrespeito notório no passar sistemático de filmes e de música sem pagar direitos, contribuindo para inviabilizar o cinema em Cabo Verde e retirando incentivos aos artistas e criadores nacionais. Desrespeito fatal para um país em que a cultura é um dos poucos bens exportáveis. Cultura que só pode constituir-se em valor, hoje e amanhã, se for devidamente protegida, se a pirataria for combatida e se os criadores forem justamente recompensados. O Governo que tem responsabilidades na comunicação social tem obrigação de exigir à RTC que preste serviço público. Uma das vertentes desse serviço é precisamente constituir-se em exemplo de respeito pelos direitos de autor. Uma outra vertente é que assegure as condições para expressão e o confronto de ideias das diversas correntes de opinião sejam elas políticas, filosóficas ou estéticas. Uma outra ainda é que dê espaço e amplifique os esforços de comunidades e ilhas em se darem a conhecer ao país e ao mundo, sem discriminação de qualquer espécie. Ficar de fora de um evento como o Festival de Baía das Gatas, com todo o alcance e implicações desse evento, revela o quão a RTC vem-se desviando das obrigações e do código de conduta exigível ao serviço público. E ser público significa, em essência, ser de todo o País: o Cabo Verde, física e culturalmente, diverso e plural.
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