O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros na tarde do dia 19 de Novembro anunciou que o Conselho Europeu tinha acabado de dar o seu acordo político ao princípio da Parceria Especial entre Cabo Verde e a União Europeia. A notícia, já conhecida horas antes, colocara o País em ambiente festivo. Os órgãos de comunicação social públicos encontravam-se num estado de euforia total. Nas múltiplas intervenções de felicitações ao País e aos seus governantes todos se referiam ao acordo de parceria de Cabo Verde com a União Europeia como facto. Em nenhum momento se perguntou quando é que a República de Cabo Verde e a União Europeia assinaram ou assinariam tal acordo. Também quando é que o acordo seria apresentado ao Parlamento para ratificação nos termos do artigo 178 da Constituição. Tais questões nunca foram colocadas. Optou-se por uma linguagem pública vaga, sem rigor nem precisão nos conceitos mas que globalmente tinha o efeito de induzir a população numa falsa percepção dos desafios do país, dos meios que estão ao seu alcance para os enfrentar e das verdadeiras relações que tem ou pode ter com outros países e regiões económicas e politicas. No anúncio do Sr. Ministro estão as palavras acordo, princípio, parceria especial. O que oficialmente se quis dizer é que o Conselho Europeu deu acordo, ou seja concordou, com o princípio de uma parceria especial. A escolha feita das palavras para o anúncio, induziu porém uma outra ideia: a ideia de um acordo, ou seja, como dizem os entendidos, de um tratado em forma simplificada, firmado entre partes. Obviamente que isso não foi inocente. A ambiguidade gerada serviu a propaganda oficial. Exaltou a vitória política do Governo. E mobilizou o partido do Governo para desferir ataques contra adversários políticos, logo depois destes, levados pela retórica oficial, terem se juntado ao coro de homenagens e passado uma imagem de consenso nacional quanto a matérias essenciais de política externa. Mesmo em momento de regozijo nacional não se abandonou a atitude habitual de acusar os outros de anti patriotismo por razões de opinião, de negar trabalho já feito (minimização do Acordo de Cooperação Cambial) e de pôr em causa a construção democrática dos anos noventa, que lançou o País no caminho da modernidade. Com isso certamente que o País e a sociedade caboverdiana não ficaram melhor capacitados para dar conteúdo ao princípio da parceria especial que a UE acordou em desenvolver com Cabo Verde. Os objectivos pretendidos, no quadro dessa parceria, de comunhão de valores da democracia, de respeito pelos direitos fundamentais dos indivíduos e pelo Estado de direito democrático e, ainda, de abertura económica para o mundo correm o risco de se diluírem e se perderam por razões espúrias de manutenção do poder e de luta partidária. Ao mesmo tempo fragilizam-se as bases da institucionalização essencial a uma governança (gouvernance, governance) de nível progressivamente superior que a crescente globalização exige e que a luta contra as novas ameaças não prescinde. E o desafio do desenvolvimento pode não ser ganho se não for encarado com a postura certa de indivíduos, da sociedade e do Estado. Alguém uma vez disse que quem falha em avaliar o passado com os valores do presente não tem futuro. De facto, se não se compreender que a decisão do Conselho da Europa, em aceitar o pedido de Cabo Verde de juntos desenvolverem uma parceria especial, suporta-se na crença que há na sociedade caboverdiana uma forte vontade de convergência com os valores europeus de liberdade individual, de democracia e de liberdade económica, todo o esforço arrisca-se a ficar aquém do desejado. Para isso é preciso pôr na devida perspectiva a trajectória do país. A independência em 1975 tinha lançado Cabo Verde numa deriva para longe desses valores. O partido único, ideologicamente inimigo das liberdades, atrasou por quinze anos a entrada de Cabo Verde na Terceira Vaga de democracia, iniciada com o 25 de Abril em Portugal. A aventura da unidade Guiné-Cabo Verde e as políticas de reafricanização dos espíritos geraram uma atitude de confronto com as economias mais dinâmicas que tornou o país hostil ao investimento externo, ao turismo e alimentou políticas autárcicas desastrosas. As únicas ligações com o mundo desenvolvido (Europa, Estados Unidos) eram basicamente passivas através das importações, ajudas e remessas de emigrantes. Durante o mesmo período as ilhas Maurícias, por exemplo, cresciam a taxas elevadas com exportações para Europa e América, impulsionadas pelo investimento directo estrangeiro. Hoje o rendimento per capita das Maurícias ultrapassa os seis mil dólares enquanto o de Cabo Verde não passa muito dos dois mil dólares. A estagnação económica que caracterizou o fim da década de oitenta precipitou o descrédito do regime. Com o 13 de Janeiro, Cabo Verde iniciou o caminho de volta seja em termos de valores, seja no domínio económico. A Constituição de 1992, a construção das instituições democráticas, a liberalização do comércio externo, a abertura ao capital estrangeiro, o fomento do sector privado nacional, o desenvolvimento do sector financeiro, as privatizações, são etapas de uma jornada de regresso à economia mundial, naturalmente cheia de escolhos, mas que resultou. A transição de uma economia estatizada, fechada, hostil à iniciativa privada e ao capital estrangeiro foi feita sem os traumas que outras sociedades, em condições similares, sofreram. A média de crescimento de 8,5% no período 1995-2000 dá conta do sucesso obtido na transição do sistema económico, nas reformas e na modernização da economia. O Acordo Cambial de 1998 assinado com Portugal em 1998 e ratificado pela Assembleia Nacional foi instrumental na criação de confiança na condução das políticas económicas. O Acordo determinou o peg do escudo caboverdiano, primeiro, ao escudo português e, depois, ao euro. Com o acordo os governos de Cabo Verde ficaram obrigados a seguir políticas orçamental e fiscal criteriosas e em convergência com os critérios de Maastricht no tocante ao défice orçamental e à dívida pública. Isso ficou, reflectido, designadamente, na Lei do Enquadramento Orçamental e na obrigação constitucional dos partidos políticos no parlamento negociarem uma maioria de dois terços para alterar os impostos. Ou seja, regras de governança ficaram estabelecidas, garantindo que, independentemente da cor dos governos saídos das eleições, o caminho só podia ser um: o caminho da liberdade, do aprofundamento da democracia e da abertura e integração com o mundo. O reconhecimento de tudo isso por parte da UE deve reforçar a convicção dos caboverdianos em continuar o caminho de maior autonomia para os indivíduos, de criação de oportunidades para todos, de incentivo à iniciativa privada e de um maior cosmopolitismo. De evitar é a tentação de usar os recursos eventualmente disponibilizados pela UE para aumentar a dependência das pessoas em relação ao Estado. O Ministro dos Negócios Estrangeiros disse em Maio de 2007 aos ministros da UE com a pasta de desenvolvimento que o pedido de parceria não era parte de uma estratégia para conseguir recursos adicionais. O pedido tinha, sim, origem, segundo o Ministro, na ambição caboverdiana de aceleração do processo de desenvolvimento, de promoção e da segurança, da democracia, da liberdade, e do respeito dos direitos dos homens. Espera-se que assim seja.
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