Já estamos em 2008. Os desafios que 2008 e os anos seguintes irão colocar a Cabo Verde são extraordinários. A graduação para o grupo de países de rendimento médio pôs fim a dezenas de anos de ajudas substanciais e de empréstimos concessionais, ou seja, de empréstimos com juros baixos e pagamentos a longo prazo. A entrada para a Organização Mundial do Comércio (OMC) obriga a uma inserção na economia mundial num ambiente de menor protecção do empresariado e da iniciativa privada nacional, de maior exposição à concorrência de operadores externos, no fornecimento de bens e serviços ao mercado interno, e de diminuição de receitas do Estado, devida ao desarme tarifário faseado, incluído no acordo de adesão. Nessas condições não será fácil gerar um nível de crescimento económico, capaz de resolver o problema grave de desemprego e de criar uma expectativa e uma confiança, em todos os caboverdianos, de que o seu rendimento e as suas condições de vida irão melhorar, paulatina mas seguramente, nos próximos tempos. A tarefa ficará mais difícil se não houver o engajamento forte e continuado da sociedade caboverdiana. Não é perceptível que a sociedade se tenha apercebido da natureza e magnitude dos problemas. Talvez, porque os governantes se omitiram, ou falharam em os comunicar de forma clara, precisa e compreensiva. Ou, então, porque se caiu na via do facilitismo e do eleitoralismo. Anuncia-se o turismo, as infraestruturas e a formação profissional como peças, provavelmente mágicas, de um puzzle que, resolvido, resultará automaticamente no desenvolvimento almejado. O discurso do Natal do Sr. Primeiro Ministro foi uma oportunidade perdida de colocar os desafios do país na devida perspectiva e de dar um sinal do que se impõe fazer para que eles sejam vencidos. Foi de facto um discurso de auto elogio e na via da mesma propaganda sistemática que o governo vem brindando o país, não obstante a pretensa humildade do “tivemos juntos”, “conseguimos juntos”. Ficou de fora, por exemplo, chamar a atenção para a importância fulcral de mudança de atitude e de postura do Estado e da sociedade no sentido de uma maior autonomia, iniciativa e liberdade dos indivíduos face ao Estado. Também, não pôs ênfase devido no reconhecimento do mérito e na necessidade do desenvolvimento do capital social, com as implicações conhecidas: mais confiança entre pessoas e entre pessoas e instituições públicas; mais civismo; e condenação pública do clientelismo, do uso indevido de bens públicos e do enriquecimento fácil pela via de contorno ou violação de regras. Muitos ainda pensam que recursos naturais constituem a chave para a riqueza das nações. Sonha-se com petróleo ou gás natural. Na ausência destes concede-se a outras actividades, por exemplo, o turismo as qualidades mágicas de enriquecimento rápido e diz-se: turismo poderá vir a ser o petróleo ou o diamante de Cabo Verde. A crença na renda, não interessando a sua origem, ouro, petróleo, diamante, ou, ainda, ajuda externa, domina o imaginário caboverdiano, apesar de repetidamente na história da humanidade se ter revelado falsa, e mesmo catastrófica, para os países que nela persistem. Não só arrebata o imaginário como impregna a atitude das pessoas e das instituições. E aqui está o busílis da questão. Sabe-se hoje que o desenvolvimento só acontece num setting cultural certo, onde reina a confiança. A confiança que resulta designadamente da igualdade de todos perante a lei, do respeito pela propriedade, dos tribunais fazer cumprir os contratos e proteger os direitos fundamentais, e da segurança, face ao uso abusivo do poder do Estado e face ao crime. Ora, em Cabo Verde acredita-se que um indivíduo só ganha adicionando o que subtrai aos outros num jogo de soma zero. A ideia marxista de exploração ainda afecta as relações laborais. A desconfiança generalizada entre pessoas dificulta qualquer forma de cooperação para atingir objectivos colectivos. Avança-se não adicionando esforços através de potenciação das qualidades de colegas, membros e associados mas sim tirando pessoas do caminho, pela via da intriga e da focalização no negativo, ou pela via passiva do oportunismo, free riders, em que se deixa aos outros o ónus de questionar, reivindicar, denunciar. O outro lado disto é o sistema de favores que tal ambiente propicia. O Estado favorece certos interesses, indivíduos ou empresas. Entre a administração pública e os utentes a relação não é de serviço publico mas de quem presta favores. A relação entre governantes, representantes municipais, instituições públicas diversas e as populações não é de estimular, de facilitar e de reconhecer iniciativas individuais e de grupo, orientadas para o bem comum nos domínios económico, social e cultural. Privilegia-se a relação vertical, o doador e o recipiente, o exibicionismo de que quem dá e a gratidão de quem recebe, a reprodução da dependência, as relações de poder que podem vir a ser úteis em períodos eleitorais. Nesse quadro compreende-se a ausência de uma cultura de serviço em Cabo Verde. Ninguém gosta de ser visto a servir, a acomodar as necessidades dos outros e a satisfazer os seus desejos. Quem serve expõe-se a ser visto como menor numa sociedade onde transacções entre pessoas ou entidades querem-se verticais, denotando as relações de Poder entre elas. A antipatia e mesmo hostilidade visíveis nas pessoas que prestam serviços é, em parte, reacção a essa percepção de inferioridade. Perante tudo isto vê-se que é crucial para Cabo Verde uma mudança de atitude. De todos! O País tem que produzir em vez de viver da renda que até agora a ajuda externa representava. Para produzir tem que confiar que a vida pode e deve ser um jogo de soma positiva. E que todos podem ganhar. Mas para isso a cooperação entre indivíduos é fundamental e um sentido de fairness deve ser cultivado, o mérito reconhecido e as regras cumpridas. Já estamos atrasados. Há uma oportunidade no Turismo e até agora só se viu especulação na perspectiva rentista. A cultura de serviço essencial para uma economia de serviços ainda não existe. O espírito empresarial necessário para potenciar o turismo sofre revezes todos os dias no choque com os múltiplos obstáculos representados pelo informalismo da economia, a falta de sensibilidade do Estado, a persistência do sistema de favores e os custos de transacção e de contexto, que persistem por aí e sustentam pequenos interesses já bem entrincheirados. Parafraseando um slogan de campanha de Bill Clinton: É a atitude, .....!
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