Discurso proferido na Academia Jotamonte 14/03/2010
Vinte anos atrás uma onda de liberdade e democracia corria mundo. Como um tsunami varria ditaduras e regimes totalitários encarnados por partidos únicos em todos os continentes. Milhões de pessoas saíam às ruas e regimes que pareciam sólidos e que pareciam ainda durar anos, e mesmo décadas, simplesmente desfaziam-se no ar.
Cabo Verde sentiu o espírito da onda. O desejo de liberdade dos caboverdianos ganhou um outro ímpeto. Quando o PAICV quis abrir uma fresta, para ver se escapava, o povo nas ilhas usou o seu “pé de cabra”, o Movimento para a Democracia, o MpD e escancarou a porta. O Sol da Liberdade e da Democracia iluminou as ilhas e as faces dos caboverdianos. Uma nova esperança renascia no coração de todos.
S. Vicente viveu com uma paixão muito especial esses meses de mudança. A cidade sempre se tinha ressentido da arrogância e prepotência dos auto proclamados “melhores filhos do povo”. Não foram esquecidas as humilhações diversas, infligidas ás pessoas com o sistema de comités de zona, milícias e tribunais populares. Nem os vexames que particularmente os emigrantes, muitas vezes, sofreram, quando, terminadas as férias, pediam autorização de saída do país. Na memória de todos nós ainda estavam bem vivos os episódios de barbarismo do regime, perpetrados em 1977 e 1981 nas cadeias do Morro Branco e de João Ribeiro. E também como, anos depois, em 1987, o regime agrediu gratuitamente estudantes do liceu em manifestações pacíficas pelas ruas de Mindelo.
SVicente, porém, nunca se deixou dobrar. Mesmo quando viu as suas oportunidades desaparecerem porque o Regime era contra a iniciativa privada nacional, contra o investimento externo e contra o turismo. O atraso imposto por esses quinze anos de políticas contrárias não impediu S.Vicente de manter o seu espírito crítico, criativo e inconformista.
Espírito esse que se mostra na tenacidade do sr. Padre Fidalgo em manter o Jornal Terra Nova como espaço livre e corajoso de crítica ao Partido único, não obstante as ameaças e os processos judiciais movidos contra ele. É de toda justiça prestar-lhe homenagem pela sua contribuição valiosa para o derrube do regime de partido único em Cabo Verde. O Jornal Terra Nova foi fundamental durante todo o ano 1990 para passar as mensagens de liberdade e denunciar as manobras do Paicv de procurar perpetuar-se no Poder.
S.Vicente encontrou-se com o MpD em Junho de 1990. Nas boas vindas na Praça Estrela e no comício do Éden Park ficou claro a sintonia entre o sentir do povo de SVicente e o MpD. Em particular, foi emocionante ver como, de imediato, S.Vicente estabeleceu uma relação muito especial com o Dr. Carlos Veiga. Para todos passou a ser o líder da luta pela liberdade e democracia.
Nos meses que se seguiram, o crescimento e a actuação do MpD em S Vicente, e a partir de S.Vicente, foi crucial para a vitória nas eleições do 13 de Janeiro de 1991. A influência de S.Vicente viu-se no impacto visual e nos efeitos de contágio dos comícios, manifestações e contactos directos com a população. Viu-se também na formulação do projecto político do MpD. O programa que o MpD acabou por adoptar no seu processo formal de fundação, na I Convenção de 2 de Novembro de 1990, tinha as marcas fortes do sentir de S.Vicente.
Ficou no Programa do MpD, por exemplo, a convicção, de quem, como S.Vicente, nascido no mundo globalizado do século XIX, acredita que prosperidade sustentável só é possível numa economia livre e aberta. Ficou a certeza de quem, como S.Vicente, tem sido vítima da falta de visão, da ganância do poder e da incompetência do Estado, sabe que é essencial descentralizar para ganhar agilidade no aproveitamento de oportunidades. Ficou a aposta no poder da educação e do conhecimento, feita com a segurança de quem, como S.Vicente, floresceu com os efeitos culturais e intelectuais do liceu de S.Vicente e com a presença activa de artistas, escritores e académicos, para lançar as novas gerações para um outro patamar de desenvolvimento. Ficou, ainda, a crença na importância crucial de garantir dinâmica económica em todas as ilhas para que Cabo Verde se mantenha unido e a beneficiar da sua diversidade sócio-cultural, de quem, como S.Vicente, sabe , de experiência vivida, o quanto deve à contribuição das outras ilhas no aprofundamento da caboverdianidade.
Hoje, no décimo ano do Governo do PAICV, S.Vicente debate-se como um dos maiores níveis de desemprego do País. Os jovens são particularmente afectados com desemprego a 46%. E porquê? A razão principal é porque temos um Governo que vai contra o que S.Vicente, instintivamente, sabe que deve ser o caminho certo. Um Governo que lida mal com a economia livre e aberta. Prefere controlar, criar dependência e fazer favores. É um Governo contra a descentralização. Faz braço de ferro com as câmaras, não se preocupando com consequências. Um Governo que não aposta na qualidade do ensino e deixa os jovens com diplomas, mas sem emprego. Um Governo que desequilibra o desenvolvimento do país em direcção à cidade da Praia, desperdiçando oportunidades de crescimento e criação de emprego nas ilhas e relegando ilhas e regiões do país à estagnação económica.
Vinte anos depois, é o momento certo para que S.Vicente renove a sua relação com o MpD. Porque o MpD é o partido que no seu projecto político incorpora os ensinamentos da história da ascensão e prosperidade desta ilha. É o partido que acredita ser possível desenvolver, na liberdade, sem criar dependências nas pessoas. É o partido que não se intimida com o espectro do chamado desemprego estrutural porque acredita que é possível vencer o desemprego. É o partido que assume sempre as suas responsabilidades porque nasceu para servir o povo caboverdiano, e por isso esforça-se por governar com humildade, honestidade e verdade, sem cair no cinismo e na hipocrisia.
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