O Governo resolveu mexer com os estatutos da Universidade pública de Cabo Verde. No preâmbulo do decreto lei 23/2011 justifica a intervenção com a realização das eleições legislativas e com os compromissos assumidos com os caboverdianos no âmbito dessas eleições. As alterações nos estatutos publicadas no BO de 24 de Maio fazem equivaler a Uni-CV a uma Entidade Para Empresarial (EPE), enquadram o Reitor como gestor público e prevêem assinatura de contratos programas. Nesses contratos ficarão inscritas a política do governo e as regras de gestão e prestação de contas.
A mudança dos estatutos aconteceu num momento muito peculiar. O período transitório na Uni-CV, originalmente previsto de dois anos e renovável uma só vez, estava a terminar. Devia seguir-se a eleição do reitor e de outros órgãos da universidade. E uma nova era de mais autonomia, de mais auto governo e mais liberdade para a comunidade académica nos domínios da criação intelectual e do ensino despontaria.
As cartas baralharam-se porém na sequência de eventos em que a UNIV-CV viu o seu reitor integrado nas listas partidárias para as legislativas e, depois das eleições, convidado para ministro do ensino superior. Em vez de garantir maior autonomia, o governo optou por reforçar a superintendência através dos decreto-leis 23 e 24/2011 de 24 de Maio. Uma nova alínea f no artigo 9º concede ao ministro poderes para aprovar alterações aos estatutos por diploma próprio. Expectativas de autonomia estatutária caíram por terra e a eleição do reitor ficou outra vez adiada.
A tentação de controlar politicamente a Uni-cv não tem servido os propósitos da universidade pública nem do ensino superior em Cabo Verde. As controvérsias que desde do início rodearam a nomeação dos órgãos da universidade têm sido de pouca ajuda na construção de um edifício institucional com credenciais académicos sólidas. O espírito centralizador prevalecente descarrilou percursos institucionais autónomos como os do instituto superior de educação (ISE) e do ISECMAR sem que sejam perceptíveis os ganhos. Bem pelo contrário.
A inversão de marcha que a publicação dos decreto-leis de 24 de Maio configura não contribui para a afirmação da universidade pública e não a coloca em posição de dar o impulso esperado para o desenvolvimento do país. Dias atrás Francis Fukuyama, em conversa com o Martin Wolf do jornal Financial Times, disse de forma peremptória que foi com a invenção do método científico e a sua institucionalização nas universidades que Europa conseguiu sobrepor-se ao resto do mundo a partir do século 17 e 18. Segundo ele a intersecção das ideias e das instituições sociais verificada foi essencial. O ambiente de tolerância, de troca de ideias e de não subordinação a autoridade absoluta do Estado ou da religião concorreu para isso e aprofundou-se por sua vez com a dinâmica gerada.
De facto o crescimento rápido que todos pretendem está intimamente ligado com a capacidade de inovar em produtos e processos. Mas isso só acontece com liberdade de criação, com autonomia das universidades em relação ao poder político e com uma sociedade civil vibrante que não se deixa limitar nas suas opções pela estreiteza e conveniência de quem no momento manda.
Editorial do jornal “Expresso das Ilhas” de 1 de Junho de 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário