Chamou a atenção do mundo a decisão da França em intervir no
Mali, primeiro com bombardeamentos aéreos e posteriormente com soldados e
carros de combate, para conter o avanço de combatentes islamitas nessa região
do deserto do Sahara. Vários países do norte da África como a Líbia, Argélia e
países subsaarianos designadamente o Mali, e o Níger encontram-se no epicentro
da movimentação jihadista. Uma vitória dos islamitas no Mali poderia
transformar-se num pesadelo regional. A natureza transnacional e messiânica do
movimento não deixaria de afectar outros países da costa ocidental africana com
significativa população muçulmana.
A presença já
constatada de grupos islâmicos ligados à Al-Qaeda em países como a Mauritânia e
a Argélia e com ramificações noutros países vizinhos augura problemas graves no
futuro imediato. Nessa perspectiva a disponibilidade da França e também do
Reino Unido e dos Estados Unidos em apoiar forças africanas da CEDEAO revela-se
da maior importância. No passado recente na Costa do Marfim e intermitentemente
em países com a Nigéria e o Níger confrontos violentos verificam-se entre a
comunidade muçulmana e a comunidade cristã. A introdução do radicalismo islâmico
pode inflamar ainda mais os ânimos e lançar a África Ocidental num espiral descendente
com o aumento do tráfico de drogas, de armas e de pessoas e o desenvolvimento
do terrorismo. Se isso ainda for acompanhado da prática de tomada de reféns
estrangeiros, como aconteceu na semana passada na Argélia, dificilmente o
futuro se mostrará risonho. Poucos quererão investir ou visitar países
inseguros e ameaçados por fanáticos dispostos a aplicar a sharia, a lei
islâmica.
Cabo Verde encontra-se
a mais de 400Km da costa africana e a sua população autóctone é essencialmente
cristã. O facto porém não o faz imune à desestabilização que vem do continente.
O aumento do tráfico, da criminalidade e do terrorismo na região não deixará de
afectar as ilhas num sentido ou noutro. A permeabilidade das fronteiras criada
pelos acordos de livre circulação da CEDEAO garante que, a exemplo do que
aconteceu antes, fluxos de refugiados poderão dirigir-se para ilhas se a
situação nos países vizinhos se agravar. E com eles virão problemas que
constituem desafios acrescidos às autoridades em diversos domínios
designadamente, no cultural, saúde pública, habitacional e segurança. Sem falar
que a pequena população de Cabo Verde na globalidade e o número escasso de habitantes
em certas ilhas fazem com que movimentos migratórios em direcção ao arquipélago
coloquem questões de segurança nacional que provavelmente não teriam cabimento
em territórios maiores e com uma população de milhões.
O Turismo já se revelou
como actividade económica com maior dinamismo e maior potencial futuro. São
países europeus os produtores dos fluxos turísticos em direcção a Cabo Verde.
O aumento crescente do número de turistas deixa entrever que Cabo Verde tem
alguma vantagem comparativa no sector. Deixando de lado a beleza das ilhas,
factores como o clima ameno, a ausência de choque cultural e a proximidade da
Europa certamente que concorrem para isso. A estratégia certa numa perspectiva
de desenvolvimento turístico deve ser de conservação e aprofundamento das
vantagens existentes e de investir para melhor competir com destinos com
vantagens similares.
É evidente que uma
eventual desestabilização da região constituiria um perigo grave para o
desenvolvimento turístico futuro do país. Se com a pressão imigratória se
agravarem problemas de segurança, emergirem choques culturais e o país ficar
mais exposto a doenças endémicas e outros problemas próprios do continente, as
vantagens de ser ilhas vão diluir-se por completo. Ainda bem que a experiência
amarga do dengue despertou as autoridades para a necessidade de medidas
enérgicas de protecção das ilhas do contágio exterior e também de combate aos
vectores de transmissão das doenças. A insularidade tem custos óbvios mas
também tem benefícios que podem traduzir-se em vantagens. O Governo parece
estar a perceber que assim é e já se mostra mais receptivo a medidas eficazes
de controlo de fluxos imigratórios.
Por tudo isso é
fundamental que os acontecimentos no Mali e em toda a região sejam seguidos com
maior atenção e que medidas claras e efectivas sejam tomadas para proteger
Cabo Verde de eventuais evoluções negativas na costa ocidental africana.
Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 de Janeiro de 2013
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