quarta-feira, março 13, 2013

“Boa governação” mira-se no espelho



Da ministra de Finanças o país já se habituou a ouvir declarações categóricas do género “a DGCI estará em condições de iniciar os pagamentos (do IUR) na se­gunda quinzena de Novembro (2012)”, que depois não têm tradução em actos reais e concretos. No passado recente fez o discurso da blindagem, na sequên­cia da crise internacional, com o mesmo fervor e certeza que posteriormente iria colocar no discurso de aumento brutal do IVA na água, energia, transportes e comunicações e na criação de novas taxas para fazer face à mesma crise. Em entrevista ao jornal “Asemana”, há quatro meses atrás, a ministra garantiu que a “estrutura (da DGCI) necessária, incluindo a aplicação, os procedimentos e o savoir-faire, está pronta”. Hoje, no relatório do FMI, sabe-se que a DGCI vive um caos administrativo. A questão que se põe é em quê acreditar.
Já havia sinais que a imagem de rigor projectada pelo ministério das Finan­ças e Planeamento não condizia com a prática. Para a imagem de competência muito contribuiu o aumento extraordinário das receitas do Estado de 2004 a 2008 e as proclamações oficiais que punham ênfase na qualidade das despesas. A realidade, porém, como comprova o relatório do FMI, é que o aumento deve mais à adopção do IVA e à dinâmica económica do “tempo das vacas gordas” do que a uma maior eficácia da administração fiscal. Aliás, foi durante esse perío­do que o grupo de quadros que fora preparado para o IVA se dispersou e as re­formas preconizadas em 2004, para consolidar a DGCI, não se concretizaram. Por outro lado, a suposta qualidade das despesas revelou ser mais gorduras do Estado e despesas rígidas dificilmente sustentáveis em tempo de vacas ma­gras e ainda por cima feitas com rigor discutível. Prova disso foram os fundos transferidos para associações e outras entidades nas vésperas das eleições pre­sidenciais. Na época constituíram objecto de denúncias públicas, em particular de círculos próximos do partido no governo, mas apoiantes do candidato não sancionado pela cúpula do partido.
Com a crise as consequências de não se ter uma máquina tributária à altura fizeram-se sentir em força. Segundo o FMI, as receitas caíram devido não só à quebra da actividade económica, mas também porque a DGCI não dispunha de meios humanos e da expertise necessária para fazer os contribuintes em geral e principalmente os mais fortes cumprir plenamente a lei. No processo, a relação com os contribuintes piorou por falta de capacidade de resposta, particular­mente no que respeita às restituições do IUR e às devoluções do IVA. Os cida­dãos e as empresas sentiram-se prejudicados no seu rendimento disponível e na sua liquidez e capacidade de investir, enquanto o Estado pelas suas próprias palavras (OE 2013) confessava estar a financiar-se gratuitamente com o IUR não restituído. A reacção nefasta do governo perante o que é de facto resul­tado de má gestão da sua administração não ficou por aí. Procurou superar as deficiências da administração fiscal alargando as fontes de receitas com novos impostos e actualizações de taxas. É evidente que a competitividade das em­presas e do país não poderia deixar de sofrer com os custos e ineficiências daí resultantes.
O relatório põe a nu várias opções do governo prenhes de consequência. Um aspecto vital citado é o dos recursos humanos. A administração fiscal exige quadros altamente qualificados e motivados. Qualificados para estarem à altu­ra da complexidade do sistema e poderem responder às necessidades dos con­tribuintes e também dissuadir os tentados a contratar consultores na perspecti­va de contornar obrigações fiscais. Motivados não só no ambiente de trabalho como também na remuneração porque considerando os valores em jogo é de se prevenir situações que podem conduzir a favorecimento e mesmo corrup­ção. Ora o que diz o FMI é que a qualificação e motivação na DGCI estão muito aquém do desejável. Não há carreira porque não se fazem concursos públicos. Pessoas com mesma formação e perfil são pagos de forma diferenciada sem que haja razões objectivas para isso. Quadros dirigentes com deficiente capacidade de gestão e planeamento tendem a funcionar como .bombeiros.procurando responder a solicitações de outros sectores do ministério e de contribuintes.
Um outro aspecto grave que o documento aponta é o do sistema informático e a relação com o NOSi. Têm sérias dúvidas quanto à adequação da aplicação utilizada e estranham que aos utilizadores não é dado formação apropriada nem mesmo um manual para se orientarem. Resultado disso é o atraso de anos na construção de cadastros dos contribuintes e as dificuldades em obter do sis­tema recursos que por um lado facilitem a vida dos cidadãos e empresas na relação com o fisco e por outro permitam à DGCI detectar incumprimentos, fraudes e tentativas de evasão fiscal.
Perante tudo isto, várias questões se colocam: será que o que se passa no mi­nistério das Finanças é espelho do que acontece noutros ministérios? A admi­nistração pública encontra-se no mesmo estado da DGCI quando à qualificação e motivação dos seus quadros e capacidade de planeamento da sua activida­des? O NOSi, no qual tanto se tem investido, presta serviço a outros sectores do Estado da mesma forma como faz à DGCI descrita no relatório do FMI? Por onde anda a boa governação? O governa que esclareça o país.

  Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de  13 de Março de 2013

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