quarta-feira, agosto 21, 2013

É preciso cumprir


A nova liderança do Movimento para a Democracia (MpD) presidida por Ulisses Correia e Silva renovou na semana passada a vontade do maior partido da oposição em ver completo e a funcionar o edifício institucional da república. Até agora não houve qualquer resposta do partido que sustenta o governo. Entretanto vários órgãos previstos na Constituição e na Lei continuam inexplicavelmente a não existir ou a funcionar deficientemente.

O sistema democrático sofre com as brechas ainda existentes, designadamente as provocadas pela não instalação do Tribunal Constitucional, pela falta de um Provedor de Justiça, pela ausência de uma autoridade independente na regulação da comunicação social e pelas insuficientes garantias dadas por uma Comissão Nacional de Eleições privado do seu presidente. A democracia depende do funcionamento dessas instituições, que na prática asseguram a efectividade dos seus “checks and balances”, os pesos e contrapesos do sistema, para evitar derivas perigosas no exercício do poder por quem no momento comanda e dirige o aparelho do Estado.

Há um consenso geral em que, com o funcionamento do tribunal constitucional, como está previsto desde a revisão da Constituição em 1999, uma parte significativa da crispação política existente desapareceria. A clarificação tempestiva e fundamentada das regras e a pronta resolução de conflitos nas interpretações da lei tornaria o processo político mais fluídico e efectivo. Da mesma forma a intervenção de um provedor de justiça daria vazão a queixas de cidadãos que de uma forma ou outra se sentiram injustiçados por actos da administração do Estado. Também com uma autoridade independente para regular a comunicação social podia-se garantir o pluralismo de ideias e de informação e controlar a tentação dos governantes de instrumentalizar a seu favor a rádio e televisão públicas. E é inegável que se precisa de uma comissão eleitoral com todas as competências e em quem todos confiam para que todo o processo de legitimação do poder político seja visto como livre e justo.

A questão que se coloca é porque tarda tanto em pôr de pé instituições tão importantes para os cidadãos e para o funcionamento normal da democracia. Fala-se de bloqueios no Parlamento e de impossibilidades de se chegar a acordo quanto àspersonalidades a serem designadas. Há quem atribua responsabilidade igual por isso a todos os partidos aí representados.

O partido no governo esforça-se por apresentar a oposição como força bloqueadora. Fica difícil acreditar. O funcionamento pleno dessas instituições de facto limita quem está no poder.À oposição só pode interessar que os pesos e contrapesos do sistema estejam a funcionar. A experiência democrática de outros países demonstra que é com a crença firme por todas as partes no princípio da alternância do poder como princípio cardinal da democracia que se pode chegar a acordos e construir consensos. Os que hoje governam não podem ter dúvidas quanto à possibilidade de estarem amanhã na oposição e que, por isso, importa que o sistema democrático no seu todo funcione e proteja os direitos fundamentais, garanta o pluralismo e afirme o primado da lei.

Menos de três anos faltam para o fim do terceiro mandato do Paicv a governar. Tempo demasiado já passou sem que se tenha instalado o Tribunal Constitucional e sem que se tenha eleito o Provedor de Justiça. Três anos depois de aprovada a lei não há ainda a autoridade reguladora da comunicação social. Já vão dois anos que a Comissão Nacional de Eleições não tem um presidente. Em Julho deste ano aprovou-se a lei da criação de uma comissão de fiscalização de dados. Será que vai ser letra morta?

Governar significa também mobilizar meios e criar vontades para que o sistema democrático funcione no seu pleno. Todos os partidos devem cumprir com a sua parte para garantir o normal funcionamento das instituições, mas é evidente que cabe a quem governa a maior responsabilidade. Há que a assumir.

Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 21 de Agosto de 2013

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