quarta-feira, outubro 23, 2013

Justiça mais eficaz



Todos os anos o mês de Outubro é o momento especial para o país e a sociedade reflectirem sobre a justiça. O ano judicial inicia-se com pronunciamentos de várias entidades com destaque para a intervenção do Presidente da República. O Parlamento dedica a primeira reunião plenário do novo ano parlamentar ao debate sobre a situação da justiça.


A anteceder todos esses actos, relatórios oriundos das magistraturas são produzidas e entregues na Assembleia Nacional, consultas e audições são feitas a intervenientes no processo de justiça designadamente o presidente do supremo tribunal, o procurador-geral da república, o bastonário da ordem dos advogados e o ministro de justiça. Invariavelmente a conclusão a que todos chegam é a mesma: fizeram-se investimentos em edifícios, em tecnologias de informação e na qualificação das pessoas, mas a morosidade da justiça mantem-se. Continua a verificar-se a um nível tal que em muitos casos acaba por configurar denegação da justiça.


Põe-se o problema de aquem exigir responsabilidade por tal fracasso. O imperativo constitucional de se ter um poder judicial independente do poder político obriga a ter juízes escolhidos com base no mérito e através de concursos públicos e um ministério público autónomo. As nomeações para posições cimeiras do sistema STJ e CSMJ são feitas pelo presidente da república mesmo no caso do procurador-geral da república em que a proposta do titular vem do governo. Com tal desenho institucional pode-se passar a impressão que a responsabilidade pela eficácia global do sistema fica diluída e distribuída por várias entidades.


A realidade porém é que a maior responsabilidade deve ser assacada ao governo. O funcionamento do sector da Justiça é a chave para assegurar interacções sociais normais, reproduzir a paz e tranquilidade sociais e a manter acesa a esperança de, em caso de conflitos, existirem vias para os resolver com objectividade, seguindo normas por todos aceites e em tempo útil. Também é a justiça quem assegura direitos de propriedade e direitos contratuais, direitos esses considerados s fundamentais para a construção da prosperidade futura. Tudo isso significa que para o governo cumprir com o seu programa de governação tem que se assegurar que tem uma justiça funcional. Se surgem falhas no sistema é sua responsabilidade primeira corrigi-las recorrendo a meios eficazes mas que não interfiram com a independência dos tribunais.


O número de processo pendentes, cerca de 90.000 no ministério Público e 20.000 mil na magistratura judicial, dão conta da dimensão dos problemas graves no sector. O facto de ano após ano não se notarem avanços significativos em ultrapassar o problema dos recursos pendentes, demonstra que não é “atirando meios para cima dos problemas” que se vai resolver definitivamente o problema da morosidade da justiça. Há que fazer uma abordagem compreensiva que leve a que se constitua um corpo de magistrados motivados, tecnicamente bem preparados, com brio profissional e espírito apurado de servidores públicos.


Contribui para o número crescente de processos o notório crescimento da conflitualidade na sociedade cabo-verdiana. Esta é uma realidade já conhecida das autoridades e que espera pela abordagem certa. Experiências de outras sociedades revelam que sempre que há diminuição de capital social e falta de confiança na relação entre as pessoas o tecido social tende a desfazer-se e os conflitos e acertos de conta aumentam. Há alguns anos que várias sondagens têm demonstrado o mesmo fenómeno em Cabo Verde. A insistência no modelo de reciclagem de ajudas em detrimento de um modelo virado para a produção e exportação não cultiva o espírito de cooperação. Pelo contrário, ao colocar todos em posição de disputar bens, acessos e favores propiciados por outros atomiza a sociedade, mina a confiança e não deixa espaço para se desenvolver uma cultura cívica. Daí é um passo para conflito, violência e alienação com recurso ao álcool e drogas. As consequências disso estão à vista de todos.


A enorme pressão que é colocada sobre o sistema de justiça tem raízes na situação sócio-económica do país. As dificuldades ao longo dos anos em fazer o país crescer mais e em criar empregos acompanhado do aumento de negócios ilícitos só vieram agravar a situação. Para além de se procurar fazer a justiça mais eficaz e célere, há que reorientar o país de forma a que os caboverdianos possam prosperar por vias que aumentam a cooperação, a confiança e a fraternidade entre eles.


Editorial do jornal Expresso das Ilhas de 23 de Outubro de 2013

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