Tudo leva a crer que as comemorações dos 40 anos de independência de Cabo Verde vão continuar por mais alguns meses. Por resolução do governo publicado no BO de 19 de Agosto decidiu-se cativar mais 10 mil contos das verbas dos ministérios e outros serviços para cobrir despesas das comemorações no país e na diáspora. No texto desta resolução prevê-se ainda a possibilidade de mobilizar fundos nas empresas públicas e na cooperação internacional para os mesmos fins.
As razões para se dar continuidade meses a fio às comemorações do dia da independência que é o 5 de Julho não são claras. À partida pode-se ver que dificilmente servem para renovar a unidade da nação como deve ser o seu propósito fundamental. O governo tem protagonismo excessivo na organização e financiamento das festividades e nas acções desenvolvidas tende-se a realçar o papel histórico do Paicv que é também o partido no governo. O facto de o país se encontrar em período pré-eleitoral não ajuda em nada. Pelo contrário, a percepção de que actos públicos do Estado podem ser aproveitados para se conseguir vantagem político-partidária deixa as suas marcas. A desconfiança dos cidadãos nestas matérias vê-se confirmada quando, por exemplo, órgãos de comunicação social dão conta de que a ministra da Juventude e Emprego e também presidente do Paicv em visita ministerial a São Tomé e Príncipe aproveitou a oportunidade para pedir votos à comunidade cabo-verdiana para o seu partido nas próximas eleições; e ainda não começou a campanha.
Complicado nessas comemorações quase intermináveis é o facto de se ficar essencialmente pela exaltação de uma independência desconectada da liberdade individual e do pluralismo em flagrante contradição com os princípios e valores da Constituição de Cabo Verde e fora da tradição civilizacional inaugurada com a declaração de independência dos Estados Unidos trezentos anos atrás. Uma consequência directa disso é deixar fora de qualquer reconhecimento as vítimas da independência sem liberdade e os que ousaram resistir ao poder tirânico que se instalou nas ilhas durante os primeiros quinze anos. A reportagem desta semana sobre o 31 de Agosto de 1981 (pags.14-17) procura neste ano do quadragésimo aniversário da independência preencher essa lacuna e relembrar o quanto custou a falta de liberdade.
A fixação em proclamados actos heróicos de alguns convenientemente seleccionados não permite que o país contemple o seu passado com o devido distanciamento e com a melhor compreensão dos factos. Muito menos o prepara para enfrentar os desafios do presente e do futuro próximo. Partidariza-se tudo e todas as razões são boas para se polarizar de forma antagónica a sociedade. Nos últimos dias até a chuva tem servido de arma de arremesso. Aparentemente uns seriam a favor da sua chegada e outros estariam a rezar e a usar provavelmente artimanhas pouco católicas para que ela não bafejasse as ilhas. O ridículo parece não ter limites. Com tais narrativas a circular, dificilmente se vai conseguir produzir o debate que o país precisa fazer para encontrar vias para sair da situação em que se encontra de crescimento raso e desemprego nos dois dígitos.
A decisão do governo em fazer do dia 12 de Setembro o dia do associativismo juvenil (BO 14 de Agosto) revela bem o apego oficial a uma historiografia própria do regime de partido único. Dá-se ao associativismo juvenil a mesma data de referência da Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC), a organização de massa dos jovens durante o regime de partido único. Sente-se nesta decisão do governo que não há uma preocupação em estabelecer uma relação do Estado com os jovens que seja completamente distinta, tanto em substância como na aparência, da relação que outrora existiu entre o partido, as organizações de massa e o Estado. Denúncias repetidas de manipulação política dos jovens feitas por estudiosos de movimentos juvenis particularmente em períodos eleitorais são reveladoras a esse respeito. Nisso mais uma vez Cabo Verde diferencia-se de experiências de países como Portugal, Itália e Alemanha que conheceram a indoutrinação política dos jovens num momento da sua história e que posteriormente desenvolveram sensibilidade especial perante qualquer tentativa de se voltar ao mesmo. Aqui a rejeição da politização dos jovens não existe apesar de vários artigos da Constituição se mostrarem contra a intromissão isolada e excessiva do Estado nos assuntos da juventude.
Num outro registo, os últimos acontecimentos na Guiné-Bissau ilustram bem como supostas aderências à história levam à instabilidade e são obstáculo ao desenvolvimento. A demissão do governo com maioria parlamentar pelo presidente da república faz lembrar o quão ajustado foi a decisão em 1992 de dotar Cabo Verde de uma nova Constituição em vez de aceitar a proposta do PAICV em manter a Constituição de 1980 salpicada de algumas normas permitindo eleições pluripartidárias. O semipresidencialismo no texto constitucional de 1980 e revista em 1990 não vingou e Cabo Verde ganhou um regime parlamentar que possibilitou governos que duram uma legislatura enquanto a Guiné fazia o caminho inverso.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 26 de Agosto de 2015