Cabo Verde está a chegar ao fim do 3º mandato do governo de José Maria Neves com níveis de crescimento da economia dos mais baixos de sempre. Uma média de 1,4% nos últimos cinco anos. Os níveis de desemprego também são dos mais altos. Oficialmente acima dos 15,8% mas com cada mais gente a abandonar qualquer esperança de conseguir trabalho. As perspectivas futuras não são animadoras.
Curiosamente há 25 anos atrás encontrávamos numa situação parecida. Depois de quinze anos do governo do PAICV a economia estagnava. O crescimento em 1990 foi de 0%. Também então os dirigentes não sabiam explicar. Não tinham a bengala da crise na Europa. José Brito, o então ministro da Cooperação, quando questionado na Assembleia Nacional Popular por que é que S.Vicente estava parado respondeu: “Já esgotámos grande parte das grandes infraestruturas que temos de criar. O problema de S.Vicente agora é de valorizar o que já investimos, o problema é de capacidade de fazer funcionar”. Esta parece ser a sina dos governos do Paicv. Até podem fazer obras. Com financiamentos de doadores, fazem obras. Quando os donativos diminuem, endividam o país e fazem obras. Os resultados prometidos, porém ninguém os vê. Os clusters não se materializam, os hubs não se constituem e os centro de negócios internacionais parecem miragens no deserto. Apesar dos investimentos, a sensação é que o país está parado. Parafraseando o engenheiro José Brito, não conseguem fazer funcionar essas infraestruturas. Por isso não são factor de maior produção de riqueza, de aumento de rendimentos para as pessoas e de expansão do tecido empresarial no país.
Porque essa inabilidade dos governos do Paicv? Inabilidade constatada há 25 anos atrás e demonstrada outra vez hoje nestes anos de crescimento anémico da economia nacional apesar dos investimentos em mais de 600 milhões de contos. A resposta só pode estar no ADN do PAICV. O PAICV é, como qualquer partido político, uma organização de poder. Mas é diferente dos outros por duas razões principais: acha-se dono do país e coloca-se na posição de credor eterno da gratidão do povo. Quer o povo na posição de devedor da gratidão e, por isso, quando governa, procura reproduzir o espírito de dependência e enredar as pessoas nas malhas do assistencialismo.
Para o Paicv exercer poder significa fundamentalmente controlar tudo. Particularmente quem pode dar e quem pode receber. A partidarização na administração pública, na relação com todas as organizações da sociedade, e na comunicação com o país não é obra do acaso. Espelha perfeitamente essa vontade de controlo. Vontade tão forte que sempre que forçado a escolher entre desenvolvimento ou controlo, escolhe controlo.
Um exemplo paradigmático aconteceu em 2007. Em Maio desse ano, na sequência de uma reunião do Conselho de Ministros especializado de economia em São Vicente, o então ministro José Brito anunciou investimentos de mais de um bilhão de dólares para a ilha. Pouco tempo depois ficou claro que tudo ia ficar em águas de bacalhau. A possibilidade de as câmaras do Sal, de S. Vicente e do Porto Novo virem a ter receitas extraordinárias pela venda de terrenos para os resort e hotéis antes das eleições autárquicas de 2008 foi motivo suficiente para que o governo com uma directiva suspendesse nas conservatórias o registo das propriedades. Até quem já tinha registado os terrenos como foi o caso da empresa Salamansa Sands viu o seu projecto bloqueado. A insegurança jurídica que se seguiu paralisou muitos outros projectos. Depois veio a crise e o momento foi-se. Muito do que podia ter sido feito não foi, com prejuízo directo para as populações das ilhas de Santo Antão, São Vicente e Sal e também para todo o país. Prevaleceu o desejo de controlo.
Com esta atitude de sacrificar o país no altar do poder, o PAICV faz de Cabo Verde o campeão na perda de oportunidades. Quando uma aparece, a postura é a clássica do rentista. Procura-se tirar à cabeça todos os benefícios, particularmente os políticos. Depois do show off mediático, os investidores têm que lidar com a administração pública que o Sr. Primeiro-ministro já caracterizou de pouco sensível para com o sector privado e um dos principais factores do mau ambiente de negócios. O mais provável é que a administração pública simplesmente esteja a reflectir os valores de quem o dirige há quinze anos. De qualquer forma, se o investidor sobreviver aos atrasos, bloqueios e outras manigâncias da administração e começar a operar, vai-se deparar logo com outras faces do estado rentista. Caso recente é o turismo cabo-verdiano antes de se afirmar e atingir um fluxo de turistas respeitável começou a inflectir no seu crescimento devido ao peso de impostos e taxas. Pode-se estar a matar a galinha dos ovos de ouro, mas ninguém liga. A nação tem problemas sérios e o futuro não é claro.
Quinze anos depois as fragilidades do país mostram-se como bem revela o Banco de Cabo Verde no seu relatório anual: “elevados custos de contexto e de nível de risco nos projectos empresariais; défice de skills de gestão e de orientação para o negócio de grande parte dos empreendedores nacionais; desfasamento técnico-profissional entre a procura e a oferta de emprego; défice de infraestrutura e de produtos financeiros para micro e pequenos negócios; défice de infraestrutura apropriada (principalmente de transportes) que possibilite o aumento da economia de escala dos investimentos empresariais pela via da exportação”. Fragilidades que segundo o mesmo relatório condicionam a capacidade do país de beneficiar de uma eventual recuperação económica da Europa.
Para agravar mais a situação, o governo distraiu-se e distraiu o país com outras coisas. Enquanto a ministra das Finanças fazia a sua corrida para o BAD e o Primeiro-ministro entrava em campanha antecipada para as legislativas com a sua presença em quase todos os actos, grandes ou pequenos deste país, o Estado dava sinais graves de incompetência em várias situações: na gestão do pós-erupção na ilha do Fogo, no naufrágio do navio Vicente, na gestão do programa de Casa para Todos, no conflito laboral na Polícia Judiciária e na procura de um rumo certo para a TACV. Muitos outros problemas provavelmente estarão escondidos debaixo do tapete. A atitude do governo de se desresponsabilizar e de desvalorizar ou esconder os problemas sempre que confrontado com as consequências dos mesmos é extremamente nociva e perigosa. Não ajuda a sociedade cabo-verdiana a tomar consciência dos seus verdadeiros problemas e a desenvolver o diálogo livre e plural necessário para encontrar soluções.
Assim como no fim dos primeiros quinze anos do governo, o Paicv demonstrou que não sabia como fazer para que o país deixasse de gatinhar e aprender a correr em direcção ao desenvolvimento – algo que só viria a acontecer com a liberdade, democracia e o estado de direito. De novo, já num contexto diferente, está a deixar o país de gatas. Mal consegue andar ao ritmo de 1,4 por cento em média e está sobrecarregado com uma dívida pública que duplicou nos últimos cinco anos e já atinge o sétimo lugar das maiores dívidas públicas do mundo. É evidente que algo de profundamente errado está na forma de governar do Paicv. O partido tem consciência disso mas quer ganhar as próximas eleições. Na escolha do seu presidente em Dezembro de 2014 fez uma opção clara: entre escolher o Dr. Felisberto Vieiro que fazia campanha com referência aos valores de Cabral, o partido maioritariamente preferiu quem tinha demonstrado especial competência em, citando o Dr. Felisberto Vieira, usar verguinhas, bolsas de estudo e kits escolares para comprar votos. A mensagem do Paicv ao eleger a Dra. Janira Almada como presidente é inequívoca: sabemos que não vamos ganhar fazendo o país crescer a dois dígitos e baixando o desemprego para um dígito como outrora prometemos. Mas podemos ganhar usando os recursos do Estado para enredar o máximo possível de pessoas, particularmente jovens e vulneráveis numa malha em que por lealdade, gratidão ou mesmo coacção vão dar-nos o seu voto. Se alguém duvida de que esta estratégia está a ser seguida é só ver a televisão e seguir a Dra. Janira Almada a implementá-la todos dias.
É evidente que Cabo Verde não vai ganhar nada com isso. É mau uso dos recursos do Estado. É destruir o caracter de um povo, submetê-lo ao assistencialismo e a outros esquemas degradantes de dependência.
A nação hoje mais do que nunca precisa de um governo que realmente acredita num Cabo Verde viável. Um governo que acredita que o cabo-verdiano exercendo sem peias a sua liberdade, afirmando a sua autonomia como pessoa e como cidadão, fazendo uso da sua criatividade e da sua energia e com os olhos postos na procura da sua felicidade, vai poder construir o desenvolvimento sustentado em Cabo Verde. Um governo que se preste a servir o país e se prontifique a criar as condições para que todos e cada um dêem um máximo de si para que Cabo Verde seja livre e próspero. Se outros o conseguiram, também nós o faremos.
*Intervenção na Assembleia Nacional, esta sexta-feira, 31, no último debate sobre o estado da Nação desta legislatura.
* Deputado da Nação
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