Faz impressão observar semana após semana a movimentação pelas ilhas do primeiro-ministro José Maria Neves, acompanhado de dois, três ou mais ministros a mostrar obras, a inaugurar obras e a prometer obras. Santo Antão foi a escolhida na semana passada. Coincidência conveniente, a ilha foi também palco de uma sessão da abertura do novo ano político do partido no governo. Considerando a intensidade dos eventos programados, imagine-se os gastos em tempo, meios e recursos do Estado para criar o ambiente de euforia e de festa. Pena que depois dessas passagens fulgurantes ficam as simples constatações dos agricultores quando lamentam:“Com toda a água que está a ser mobilizada em Santo Antão, com toda esta produção agrícola, o que é que vamos fazer com os produtos, se não temos mercado”. É que a ilha, depois de milhões de contos gastos, continua a perder população, a aumentar os níveis de pobreza e a ser incapaz de criar uma base sólida de crescimento.
Governos enamoram-se das obras mesmo quando não dão os resultados pretendidos ou não produzem o prometido efeito de arrastamento na economia. É difícil resistir aos seus encantos. A obra parece sonho realizado, é sólida e não poucas vezes grandiosa. Só que frequentemente fica aquém do que com entusiamo se disse do seu potencial no dia da inauguração. Despois de seiscentos milhões de contos de investimento em obras e infraestruturas nos últimos quinze anos, Cabo Verde não tem muito a mostrar quanto ao crescimento económico, diversificação da economia e criação de emprego. Nos últimos anos a economia nacional tem ficado por níveis de crescimento médios abaixo dos 2 % e não há muitas razões para acreditar que será muito melhor no futuro, tendo em conta o seu nível de endividamento público e a falta de competitividade externa da sua economia. Para conter o défice orçamental e travar o crescimento da dívida pública vem-se reduzindo drasticamente os investimentos públicos.
Com o investimento público a cair e o investimento privado inibido, entre outras razões, pela percepção de riscos macrofinanceiros, dificilmente a economia poderá trilhar o caminho rumo à prosperidade que o PM insiste em prometer para 2030. O problema é que, mesmo com os resultados tão longe das expectativas criadas, o discurso político não muda, a actuação do governo continua a seguir o seu caminho imperturbável e as promessas para o futuro assemelham-se demasiado com as que já tinham sido feitas no passado. É como se ninguém tivesse aprendido nada com as experiências anteriores ou retirado qualquer ilação da metodologia seguida em fazer as opções, na definição de prioridades e no encadeamento de medidas e políticas que aumentariam a probabilidade de sucesso e de satisfação das expectativas criadas.
A história comparada de várias economias mostra que não há uma fórmula certa e única para se criar a riqueza das nações. De entre os vários factores que concorrem para o sucesso na consecução desse objectivo destacam-se a qualidade das instituições e das infraestruturas. Mas enquanto governar para criar o ambiente institucional adequado não é tarefa muito glamorosa e está sempre sujeita à resistência de interesses escondidos, já governar com olhos postos em obras pode constituir uma tentação fatal. A diferença de percursos, por exemplo, de Portugal e Irlanda antes e depois da crise é revelador das consequências da governação num e noutro sentido. Menos dotada de infraestruturas mas com instituições de maior nível, a Irlanda soube crescer depressa antes da crise e rapidamente reiniciou a retoma depois dela. Portugal com infraestruturas de última geração não viveu a dinâmica que se aproximasse da do Tigre Celta mesmo no tempo das vacas gordas e ainda está por recuperar da crise. Em Cabo Verde a aposta no betão, além de não ter produzido um efeito de arrastamento na economia que se traduzisse em crescimento económico, deixou de rastos o sector privado nacional, em particular o sector da construção civil. A atenção nas obras não deixou que se tomassem as medidas certas e tempestivas para melhorar o ambiente de negócios e a competitividade de Cabo Verde.
Continuar a prometer obras e infraestruturas da mesma forma como se fez no passado recente tem agora um problema adicional. Cabo Verde provavelmente já ultrapassou o limite da dívida e não pode endividar-se mais. As promessas de mais obras dispendiosas nestas condições não são totalmente honestas. Insistir nessa forma de fazer política além de criar mais frustração leva as pessoas a se conformarem com o que tomam como declínio inevitável da sua cidade ou da sua ilha. Já se sente isto em vários pontos do país. É uma realidade que gera muito ressentimento, abre caminho para políticas de vitimização e não deixa que as pessoas vejam a causa real dos seus problemas e se prontifiquem para agir em consequência.
A próxima campanha eleitoral que vai ter como pano de fundo um contexto nacional e internacional difícil devia ser aproveitada para se resgatar a prática da governação honesta. Propaganda e actos de ilusionismo não devem ser a principal interface da relação dos governantes com os cidadãos e com a sociedade em geral.
Editorial do Jornal Expresso das Ilhas de 21 de Outubro de 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário