A campanha eleitoral para o sétimo ciclo de eleições autárquicas já está em andamento. Por todas as ilhas os candidatos na maior parte dos casos apresentados pelos principais partidos políticos – só quatro candidaturas foram formalmente apresentadas por grupos de cidadãos – desdobram-se por todos os pontos dos municípios a mobilizar para o voto no dia 4 de Setembro próximo. Comícios, arruadas e acções porta-a-porta são as formas preferidas de aproximação dos eleitores. O discurso político toca em várias teclas com particular enfase na futura relação com o governo. Consoante quem o produz vê-se vantagens ou desvantagens em ter o mesmo partido no governo e no município. A forte dependência do município das transferências do Estado para o desenvolvimento, por todos vigorosamente evidenciada, revela o quão distante se está de uma verdadeira autonomia municipal e quão frágil é a base para a progressiva descentralização que o país tanto reclama.
As eleições autárquicas não são a repetição das eleições legislativas ou a confirmação dos seus resultados como alguns pretendem que sejam. Por isso, discursos como “evitar pôr todos os ovos na mesma cesta” ou” aprofundar vitória nas legislativas com vitória autárquica” não têm muita razão de ser. Pode-se até compreender que do ponto de vista de ganho político partidário se queira ir pela via fácil de explorar eventuais receios dos eleitores quanto à concentração do poder para melhorar na nova votação e dar aparência de recuperar terreno perdido. Ou, em sentido contrário, de aproveitar o entusiamo deles para ganhar mais uma vez. O problema são os custos para o processo democrático designadamente de distorção do sistema político eleitoral, de deseducação dos cidadãos e dos equívocos criados que responsavelmente os partidos políticos não deveriam ignorar. Custos por sinal inúteis quando se sabe da experiência dos últimos 25 anos que os desejados benefícios de contágio eleitoral na maior parte dos casos não se materializam e que há limites para a influência dos líderes nacionais nos resultados autárquicas mesmo quando se encontram no auge da sua popularidade.
As populações têm demonstrado sistematicamente conhecer a diferença entre a eleição autárquica e a legislativa e nada indica que foi esquecida. No que respeita à relação entre o governo e as autarquias já deu para todos perceberem que é nas legislativas que é decidida a sua natureza e não em qualquer eleição local. De facto, há governos que procuram ampliar o processo de descentralização, dar um conteúdo mais dinâmico ao princípio de subsidiariedade, alargar as atribuições dos municípios e associar-se às câmaras para implementar certos programas e ser mais eficaz em chegar às populações. Há outros que tendem ficar pela essência do que está nos estatutos dos municípios e até se retraem nas experimentações já feitas de cooperação entre câmaras e governo central.
O país já tem 25 anos de poder autárquico e não tem como enganar-se quanto às opções dos partidos em matéria de descentralização e de reforço de autonomia municipal. Em qualquer circunstância, o tratamento que se espera do Estado é que, dentro das opções de cada governo, seja igual para todos, não privilegiando uns nem penalizando outros. O mesmo se exige que aconteça com a distribuição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios que a Constituição determina que seja justa. Também aqui vai depender de cada governo a sua compreensão do que num determinado momento é o mais justo na repartição dos recursos.
Com isto bem claro na mente dos eleitores e dos candidatos podia-se esperar que todos se focalizassem realmente na questão autárquica, no reforço da autonomia e na preparação das comunidades para melhor aproveitar oportunidades de crescimento económico e de desenvolvimento nos diferentes domínios. Mas perde-se de algum modo o foco quando se extravasa nas promessas feitas e deixa-se no ar expectativas que dificilmente as câmaras estarão em posição de concretizar.
Em alguns programas de “governação” apresentados por candidatos autárquicos nota-se a tendência em ir além do que são as atribuições e as competências dos municípios e, ao mesmo tempo, a falta de minúcia nas respostas aos problemas mais de cunho municipal. A deriva na gestão que aí é gerada, para além de outras consequências, tem o efeito de não deixar que se concentre em pressionar o governo no sentido de inverter o processo de centralização e de activamente atrair investimento nacional e estrangeiro para melhor diversificar e potenciar a economia das ilhas. Mas a viabilidade dos municípios e sua autonomia depende do sucesso conseguido nesse empreendimento. Para isso, de todos os actores devia-se esperar o maior comprometimento em ter municípios dinâmicos, com uma democracia local viva e sem dependência de transferências extraordinárias do governo central. Muito do debate nestas eleições autárquicas podia centrar-se em como fazer desses objectivos uma realidade num futuro próximo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 769 de 24 de Agosto de 2016
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