A decisão da semana  passada da Autoridade Reguladora para as Comunicações (ANAC) em  suspender o produto “D´Kel Bom” da CVMóvel suscitou reacções negativas a  começar pela própria operadora de telecomunicações que estranhou em  comunicado as acusações que estaria a praticar preços abaixo do preço  mínimo. Da generalidade dos clientes que já se viam com um pacote  apetecível incluindo voz e dados na internet, a reacção veio com  particular azedume quando se viram impedidos de aceder ao novo serviço. A  ANAC justificou-se realçando o seu papel na defesa do princípio da  concorrência e nesse quadro com a preocupação em proteger o equilíbrio  económico-financeiro dos prestadores de serviços regulados. Ao que os  outros contrapõem onde é que ficam salvaguardados o direito dos  consumidores a terem produtos com melhor preço e qualidade e a motivação  para a inovação, factor essencial para se continuar a manter uma  economia dinâmica, moderna e produtiva. 
Interrogações sobre o papel das  reguladoras normalmente surgem sempre que os consumidores parecem ficar a  perder e um ou mais operadores aparentam ficar em vantagem. O argumento  de que se está a proteger o ambiente de concorrência não colhe  completamente quando paira a dúvida se, com a medida específica tomada,  não se está a prejudicar os consumidores e a pôr em causa a inovação.  Garantir a concorrência justifica-se enquanto mecanismo essencial para  se ter produtos conseguidos de forma eficiente, para dinamizar a  economia e para propiciar ao consumidor o direito de escolha. Não é um  fim em si mesmo. É mais um instrumento do progresso e de dinâmica dos  mercados assim como analogamente a selecção natural é o mecanismo que  possibilita a sobrevivência e a evolução da espécie. E é vendo pelos  resultados que se pode avaliar se está ou não a resultar. 
É verdade que num mercado com as  características de Cabo Verde foi um grande feito ter conseguido romper  com o monopólio anterior da CVTelecom e abrir o espaço para a  concorrência entre pelo menos dois grande operadores a Unitel T+ e a  CVMóvel.  Os consumidores, a economia e o país globalmente ganharam com  isso. A acção da agência reguladora ANAC foi fulcral no processo. Hoje,  como bem reconhece a CVMóvel no seu comunicado, há equilíbrio de mercado  com a CVMóvel detendo uma quota à volta dos 56% e a Unitel T+ à volta  dos 43. Para chegar a esse ponto houve a preocupação em manter a todo o  momento o equilíbrio económico- financeiro das empresas. O  estabelecimento de preços mínimos serviu para isso. Com a concorrência  assegurada, o problema que se coloca actualmente é como manter o sector  das telecomunicações vitalizado e a contribuir para mais crescimento e  maior produtividade e competitividade da economia nacional. 
Os dados do INE dos últimos dois anos  têm mostrado uma queda tendencial na contribuição das telecomunicações  na formação do PIB nacional. Os resultados anuais das duas operadoras  têm revelado quebras significativas. Tudo aponta que as perdas no volume  de negócios deriva de, entre outros factores, do facto de o negócio da  voz ter diminuído consideravelmente à medida que as pessoas usam os  serviços over the top (OTT) como Viber, Messenger e Whatsapp  para chamadas e envio de mensagens. Nos dados estatísticos da ANAC vê-se  claramente essa tendência na diminuição do serviço de voz e não se nota  que tenha sido compensada com outros negócios designadamente de  televisão por assinatura ou de disponibilização de conteúdos via streaming.  Pelo contrário, constata-se a quase estagnação de um negócio que  noutras paragens tem ganho um dinamismo extraordinário propiciando às  telecoms uma outra via para rentabilizar os investimentos indispensáveis  para estarem à altura de satisfazer os desejos cada vez mais exigentes e  mais sofisticados dos seus clientes. Com a falta de regulação e a  insensibilidade das autoridades, a pirataria digital, as transmissões  ilegais e outros negócios ilícitos têm impedido que serviços legítimos  de fornecimento de conteúdo consigam singrar. Todos perdem como isso, a  começar pelos consumidores que ficam limitados por serviços medíocres e  sem garantia, mas também empresas do sector que nunca conseguem angariar  procura suficiente e o país que fica para atrás, porque sem  possibilidade de retorno não há investimentos para continuar a  modernizar-se. 
Há mais de uma década que se fala de  economia digital, das tecnologias de informação e comunicação (TIC) e de  fazer de Cabo Verde uma Cyber Island como as Maurícias. Como muitas    promessas de clusters, hubs, praças financeiras e centros de transbordo,  tudo ficou no mundo da fantasia dos governantes. O sector das  telecomunicações em declínio é um sinal forte de como mais uma vez uma  oportunidade - a possibilidade de desenvolver uma economia digital capaz  de exportar serviços através designadamente de call centers e outros BPOs, business processing operations - foi  desperdiçada. E aconteceu porque ou se ficou pelos discursos, ou se  definiu mal as prioridades ou não se investiu estrategicamente para  educar as novas gerações e criar o ambiente necessário para desenvolver o  tipo de economia que se tem revelado mais promissor em fornecer  empregos de qualidade. 
Sem uma economia vibrante a fazer uso  das estruturas das telecomunicações não é de estranhar as dificuldades  já visíveis nas empresas do sector. E certamente que não será a agência  reguladora que as vai proteger disso em nome da concorrência mas com  prejuízo para os consumidores e para as inovações necessárias à  modernização do país. Nas deliberações regulatórias há que haver uma  ponderação adequada dos vários factores em jogo para que todos saiam a  ganhar. Também impõe-se uma política mais clarividente das autoridades  para que Cabo Verde não fique pelas ofertas da ZAP enquanto o mundo é  conquistado pelo modelo de negócios da Netflix ou que se continue com o  3G enquanto ou outros preparam-se para o 5G em 2020 e que por causa de  obstáculos diversos só recentemente se enveredou por fazer chegar a  internet de grande velocidade às casas via fibra óptica.  
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 824 de 13 de Setembro de 2017.
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