Saiu mais um relatório de competitividade publicado pelo Fórum Económico Mundial e Cabo Verde continua entre o grupo dos países menos competitivos do mundo. No ano passado a posição era de 110/137 países e este ano continua no número 110 entre 138 países sendo ultrapassado por países da África subsaariana como o Senegal, o Quénia, as Maurícias e Ruanda. O índice de competitividade de 3.8 registado em 2016 manteve-se em 2017 sugerindo que não houve alterações de fundo nos factores que podiam ter tornado a economia mais competitiva. O maior constrangimento aos negócios continua a ser o acesso ao crédito, mas de 2016 para 2017 a ineficiência da burocracia do Estado passou para o segundo lugar e a inadequação da educação e formação da mão-de-obra começou a pesar mais, enquanto factores como taxas e regulamentos de imposto tornavam-se menos impeditivos à actividade empresarial. A caminhada prometida pelo Governo para colocar Cabo Verde entre os primeiros cinquenta países mais competitivos do mundo não parece que tenha começado com a dinâmica que seria de esperar.
Os relatórios do Fórum Económico Mundial colocam Cabo verde entre os países intermédios em matéria de desenvolvimento cujo crescimento depende cada vez mais da eficiência com que se souber gerir os recursos naturais e humanos, as suas infraestruturas, os investimentos e as oportunidades. Segundo a sua avaliação, a dinâmica económica já não provém simplesmente da injecção de recursos como acontece nos países menos desenvolvidos nem ainda está em posição de fazer da inovação o grande motor do crescimento como fazem os países mais desenvolvidos. A fase actual é de luta pela eficiência a todos os níveis, num combate permanente contra o desperdício de recursos e má utilização de meios disponíveis e a favor de uma maior produtividade e eficácia em tudo. É evidente que isso, para ser possível, exige uma outra postura do Estado, da administração pública, das câmaras municipais e de outras entidades públicas orientadas para os resultados, avessa à apropriação indevida de bens públ icos, facilitadora de iniciativas geradoras de riqueza e contrária ao tráfico de influência e a práticas assistencialistas e indutoras de dependência.
Para se avançar nesse caminho há que primeiro confrontar a realidade do país tal qual ela é. Há que ir para além dos ilusionismos que práticas políticas estabelecidas insistem em reproduzir. Há que ir além da forma de governar que, dependente da ajuda externa, fica sem margem de manobra e adopta as soluções dos financiadores em detrimento de uma estratégia própria. Há que ir além da prática já enraizada nas instituições do país de se auto-servirem em nome de políticas de redistribuição em vez de servir o processo que leva à criação de riqueza e à prosperidade. Há que ir além da prática de varrer os problemas para debaixo do tapete esperando que se resolvam por si só ou que miraculosamente desapareçam. Há que confrontar interesses corporativos e outros instalados em vários sectores que beneficiam do status quo e resistem às mudanças em detrimento dos muitos que continuam excluídos de uma economia que não consegue criar postos de trabalho suficiente e de qualidade. Há ainda que romper com o eleitoralismo que ameaça condicionar todos os actos das autoridades do país e que não deixa planear para o médio e longo prazo como se os governantes não tivessem recebido mandatos de quatro e cinco anos ao fim dos quais seriam avaliados pelo povo.
Um país frágil e dependente como Cabo Verde devia exigir posturas realistas e pragmáticas dos seus governantes. Infelizmente, diferentemente do que se passou noutros espaços com constrangimentos similares aos de Cabo Verde como as Seicheles, Singapura e Maurícias, os governantes cabo-verdianos insistiram em ser avaliados pela sua capacidade de trazer recursos via ajuda externa ao país e não pela direcção do país num caminho que o faria menos dependente, mais próspero e com desenvolvimento sustentável. O exercício do poder nestas circunstâncias e a sua sustentabilidade dependem da reprodução do modelo de dependência. Para disfarçar que realmente querem isso, alimentam a sociedade com visões de desenvolvimento em que aparecem clusters, hubs, praças financeiras, plataformas digitais e em que se repete mais uma vez a importância geoeconómia e geoestratégica do país como o grande recurso que pode pôr tudo em marcha. Anos passam, as mesmas balelas voltam com outras roupagens, sem que se veja medidas essenciais para se caminhar na concretização serem tomadas de forma compreensiva. Entretanto, o que se esperaria que fosse essencial, é descurado como acontece em particular com a segurança, com as ligações entre as ilhas e com a educação que devia a ser a grande aposta do país.
O que aparentemente se passou os novos manuais escolares é típico do que demasiadas vezes acontece. Há um financiamento estrangeiro, muitas vezes com condicionalismos na sua aplicação, e no afã de o aproveitar não se dá a devida atenção aos custos escondidos que depois paga-se caro. Já aconteceu várias vezes nos últimos tempos com o programa “Casa para Todos” e com as muitas obras públicas feitas com crédito português supostamente concessional. Conhecem-se alguns custos dessa aventura: a dívida pública muito acima dos 100% do PIB, o sector empresarial nacional destroçado e os custos de manter estruturas de viabilidade bastante duvidosa, sem falar nas expectativas frustradas. Como agora a reacção perante a evidência é de se desvalorizar as críticas, seguido de contrapô-las aos erros similares cometidos no passado para as neutralizar e ainda de questionar os motivos de quem as faz. Como se pode imaginar, persistindo num caminho semelhante, não há como obter num diálogo aberto e sem tabus uma perspectiva real do país dos extraordinários constrangimentos que dificultam as reformas nem mobilizar e traçar um rumo que poderá tornar o país mais eficiente, mais competitivo e mais produtivo. Sem isso, porém, ficaremos a vegetar entre os países menos competitivos do mundo com dificuldades imensas em atrair o investimento externo indispensável e em prestar os serviços com qualidade que a economia particularmente ligada ao turismo tanto necessita. Sair do círculo vicioso das culpas que paralisam o país e libertar-se das que encobrem a realidade é fundamental para se dar às pessoas o que mais querem: liberdade, segurança e educação.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 827 de 04 de Outubro de 2017.
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