Do Banco Mundial veio a notícia do projecto de 15
milhões de dólares dirigido para as médias, pequenas e micro empresas envolvendo
a criação de um fundo de garantia e outros mecanismos para ajudá-las a
ultrapassar as dificuldades no acesso ao crédito junto das instituições
financeiras. O primeiro-ministro em visita oficial à Hungria anunciou uma outra
linha de crédito de 30 milhões de dólares que podia ser disponibilizada para
empresas ligadas à agricultura. Estas e outras notícias do mesmo teor indiciam
um ambiente renovado de oportunidades a que certamente não estará ausente a
postura do governo abertamente favorável ao maior protagonismo do sector
privado e mais disposto a alterações significativas no tecido económico do país
como deixa entrever a pretensão oficial de privatizar mais de uma dezena de
empresas públicas.
Cabo Verde cresceu 3,8% do PIB, em 2016, a partir de uma retoma que teria iniciado no último trimestre de 2015 e tudo aponta que o crescimento de 2017 ficará acima dos 4% do PIB. O FMI, no World Outlook, publicado em Outubro último, punha o crescimento de 2017 em 4% e prevê 4,3% para 2018. Para esses resultados terá contribuído fundamentalmente o sector externo da economia e, em particular, o turismo. Com a conjuntura internacional caracterizada por um renovado dinamismo em todas as grandes economias, em especial nos Estados Unidos, na União Europeia, na China e no Japão e também nos países emergentes como o Brasil e a Índia, as condições tendem a manter-se favoráveis a um incremento ainda maior do turismo e de fluxos externos em forma de investimentos estrangeiro e de remessas de emigrantes. O desafio maior será encontrar formas criativas e inovadoras de fazer articular a dinâmica induzida do exterior com capacidade nacional de produção de bens e serviços.
Conseguir financiamento para as empresas e para dar asas ao espírito empreendedor nacional tem sido apresentado como o principal constrangimento a ultrapassar. É essencial, mas não é suficiente. Primeiro, não deve ser confundido com a disponibilização de linhas de crédito. Vários momentos no passado recente mostram como é relativamente fácil para os governos conseguir dos bancos a promessa de criação de linhas de crédito. Mais difícil é ir da promessa à realidade do acesso ao crédito quando se tem em conta os requisitos exigidos. O projecto do Banco Mundial referido atrás visa contornar esses obstáculos, em particular, no que respeita à apresentação de garantias. Mas há outros impedimentos talvez mais importantes e que têm a ver com o ambiente de negócios. Ou seja, a dimensão do mercado, a rigidez laboral, os custos de factores como energia e água, os transportes inter-ilhas e a burocracia da administração pública.
As vulnerabilidades do país tornadas mais evidentes com a seca de 2017 mas que já se vinham revelando nos anos de crescimento raso e de aumento desabrido da dívida pública obrigam a que com urgência se trace um caminho que conduza a uma dinâmica económica muito superior ao que se tem agora. O governo prometeu 7% por cento e é o mínimo que o país precisa. Para isso, porém, mudanças muito profundas já teriam de estar a acontecer. A fundamental deveria ser na atitude. Em vez de as pessoas agirem da forma já esperada em ambiente de escassez de recursos, em que a tentação é cada um lutar pelo seu quinhão, num jogo de soma zero, tomando os outros como rivais ou mesmo inimigos, devia-se promover o espírito de cooperação e mostrar as vantagens de ordem e previsibilidade nas esferas económica, social e política. Teria que haver confiança na possibilidade de todos ganharem com a formalização da economia, com a criação de um ambiente salutar de concorrência e com a paz social que adviria da aceitação que níveis salariais devem acompanhar a produtividade da economia.
Infelizmente, não é o que acontece. Pelo contrário, greves ameaçam proliferar particularmente no sector público, tentativas de introduzir ordem e formalidade na economia e na sociedade são contrariadas pelo populismo e interesses corporativos em pontos-chave do país impedem eficiência e eficácia na prestação de serviços. No topo disto confundem-se as prioridades do país e esquece-se, na apresentação das propostas de regionalização, que a realidade da cultura centralista e administrativa burocrática existe tanto ao nível central como ao nível local. Não se pondera devidamente que pior do que ter um país voltado para o seu umbigo seria ter dez entidades a disputar recursos com a postura de quem pratica um jogo de soma zero.
Há uma conjuntura externa favorável que pode ajudar a potenciar os diferentes fluxos tanto de pessoas como de capitais, em forma de investimento directo e de financiamento da economia, que se dirigem para Cabo Verde. É uma janela que não permanecerá aberta sempre. Há pois que definir, articular e implementar políticas que permitam fazer o melhor uso das boas condições externas para organizar a economia nacional noutros moldes que reforcem a concorrência, contribuam para a competitividade externa do país e aumentem a produtividade. E isso deve ser feito com carácter de urgência e com um rigor pragmático de quem já devia saber que o país já perdeu muito tempo e que o caminho do desenvolvimento é estreito e que com os parcos recursos disponíveis não há muita margem de erros.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 847 de 21 de Fevereiro de 2018.
Cabo Verde cresceu 3,8% do PIB, em 2016, a partir de uma retoma que teria iniciado no último trimestre de 2015 e tudo aponta que o crescimento de 2017 ficará acima dos 4% do PIB. O FMI, no World Outlook, publicado em Outubro último, punha o crescimento de 2017 em 4% e prevê 4,3% para 2018. Para esses resultados terá contribuído fundamentalmente o sector externo da economia e, em particular, o turismo. Com a conjuntura internacional caracterizada por um renovado dinamismo em todas as grandes economias, em especial nos Estados Unidos, na União Europeia, na China e no Japão e também nos países emergentes como o Brasil e a Índia, as condições tendem a manter-se favoráveis a um incremento ainda maior do turismo e de fluxos externos em forma de investimentos estrangeiro e de remessas de emigrantes. O desafio maior será encontrar formas criativas e inovadoras de fazer articular a dinâmica induzida do exterior com capacidade nacional de produção de bens e serviços.
Conseguir financiamento para as empresas e para dar asas ao espírito empreendedor nacional tem sido apresentado como o principal constrangimento a ultrapassar. É essencial, mas não é suficiente. Primeiro, não deve ser confundido com a disponibilização de linhas de crédito. Vários momentos no passado recente mostram como é relativamente fácil para os governos conseguir dos bancos a promessa de criação de linhas de crédito. Mais difícil é ir da promessa à realidade do acesso ao crédito quando se tem em conta os requisitos exigidos. O projecto do Banco Mundial referido atrás visa contornar esses obstáculos, em particular, no que respeita à apresentação de garantias. Mas há outros impedimentos talvez mais importantes e que têm a ver com o ambiente de negócios. Ou seja, a dimensão do mercado, a rigidez laboral, os custos de factores como energia e água, os transportes inter-ilhas e a burocracia da administração pública.
As vulnerabilidades do país tornadas mais evidentes com a seca de 2017 mas que já se vinham revelando nos anos de crescimento raso e de aumento desabrido da dívida pública obrigam a que com urgência se trace um caminho que conduza a uma dinâmica económica muito superior ao que se tem agora. O governo prometeu 7% por cento e é o mínimo que o país precisa. Para isso, porém, mudanças muito profundas já teriam de estar a acontecer. A fundamental deveria ser na atitude. Em vez de as pessoas agirem da forma já esperada em ambiente de escassez de recursos, em que a tentação é cada um lutar pelo seu quinhão, num jogo de soma zero, tomando os outros como rivais ou mesmo inimigos, devia-se promover o espírito de cooperação e mostrar as vantagens de ordem e previsibilidade nas esferas económica, social e política. Teria que haver confiança na possibilidade de todos ganharem com a formalização da economia, com a criação de um ambiente salutar de concorrência e com a paz social que adviria da aceitação que níveis salariais devem acompanhar a produtividade da economia.
Infelizmente, não é o que acontece. Pelo contrário, greves ameaçam proliferar particularmente no sector público, tentativas de introduzir ordem e formalidade na economia e na sociedade são contrariadas pelo populismo e interesses corporativos em pontos-chave do país impedem eficiência e eficácia na prestação de serviços. No topo disto confundem-se as prioridades do país e esquece-se, na apresentação das propostas de regionalização, que a realidade da cultura centralista e administrativa burocrática existe tanto ao nível central como ao nível local. Não se pondera devidamente que pior do que ter um país voltado para o seu umbigo seria ter dez entidades a disputar recursos com a postura de quem pratica um jogo de soma zero.
Há uma conjuntura externa favorável que pode ajudar a potenciar os diferentes fluxos tanto de pessoas como de capitais, em forma de investimento directo e de financiamento da economia, que se dirigem para Cabo Verde. É uma janela que não permanecerá aberta sempre. Há pois que definir, articular e implementar políticas que permitam fazer o melhor uso das boas condições externas para organizar a economia nacional noutros moldes que reforcem a concorrência, contribuam para a competitividade externa do país e aumentem a produtividade. E isso deve ser feito com carácter de urgência e com um rigor pragmático de quem já devia saber que o país já perdeu muito tempo e que o caminho do desenvolvimento é estreito e que com os parcos recursos disponíveis não há muita margem de erros.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 847 de 21 de Fevereiro de 2018.