As autoridades mostraram-se sem qualquer pista do que terá acontecido com as crianças desaparecidas e não revelaram se para os três casos mais recentes de alegados sequestros fizeram qualquer avanço nas investigações. Perante as incertezas e a ausência de direcção clara da situação o pânico ameaçou generalizar-se abrindo caminho para teorias de conspiração e até para ataques de xenofobias. No ambiente de desconfiança criado de tudo se tem falado sobre as razões para o sequestro de pessoas designadamente tráfico de pessoas, tráfico de órgãos e cultos satânicos. O ataque a cidadãos chineses num bairro da capital ilustrou bem os extremos a que as pessoas podem chegar quando na falta de acção convincente saem à procura de bodes expiatórios e rapidamente os “descobrem” nos estrangeiros residentes no país. Dominados pela sensação de impotência alternam-se entre a ânsia de encontrar rapidamente um culpado e o desespero expresso nos pedidos de ajuda internacional sem primeiro se ter presente que tipo de colaboração é necessária nos casos em mãos.
O desaparecimento sem rastro de crianças parece mais um dos episódios trágicos que de tempos em tempos acontecem em Cabo Verde e que deixa o país e a sociedade em estado de choque sem capacidade de resposta e, pior ainda, sem a compreensão do que realmente se passou. Nos últimos tempos houve a tragédia com perdas de vida no naufrágio do navio Vicente, a evacuação de Chã das Caldeiras na sequência da erupção do Vulcão do Fogo e o massacre de militares e civis no Monte Tchota. Em todos eles foram evidentes falhas de organização e de liderança, falta de meios e a quase ausência de articulação e comunicação entre os serviços, as forças e os meios logísticos para se garantir um efectivo comando e controlo das situações criadas. Também viu-se que passado o choque inicial e as proclamações oficiais a prometer mudanças, a tendência é tudo ficar igual ao que estava e os problemas serem praticamente “varridos para debaixo do tapete”. Quando ressurgem é normalmente no âmbito das lutas políticas e eleitorais em que servem de arma de arremesso para, na prática, depois de ultrapassado o embate, serem relegados para o segundo ou terceiro plano.
Não espanta, pois, que mudando os tempos não se notam transformações significativas em certos sectores-chave como os de segurança. Pelo contrário, mantém-se a forte impressão que se continua com o mesmo sistema de forças, a mesma falta de coordenação, as mesmas deficiências em responder a situações de busca e salvamento e outras emergências próprias de um país arquipelágico. Por outro lado, a falta de alteração significativa na eficácia do sistema de segurança não obstante os muitos e valiosos meios que são injectados contrasta com o “vigor” reivindicativo que seus elementos recentemente demostraram na greve inédita da polícia. Tudo isso conjuga para passar à sociedade que não se estão a verificar os avanços esperados de liderança, de sofisticação dos métodos e de colaboração entre as forças, factos que não contribuem para a diminuição efectiva do sentimento de insegurança. Surgindo um problema como o de sequestro das crianças, não estranha que o pânico rapidamente se espalhe.
Sequestros indiciam um outro nível de criminalidade a despontar no país, especialmente em Santiago, Sal e Boa Vista e em casos que não poucas vezes ficam largos anos por resolver ou nunca chegam ao fim. Não havendo uma resposta firme que reponha a confiança nas instituições e na liderança, as pessoas acabam por se sentir impotentes e desemparadas perante crimes que as limitam nos seus movimentos, que as obriga a fortificar as suas casas e as constrange nas suas relações sociais. E nesse estado podem ficar propensas a actos de justiça privada, a sentimentos de xenofobia e a paranóias colectivas dirigidas contra indivíduos e grupos.
Já se vêem sinais do que pode vir mais à frente. Por isso é que urge que as autoridades ajam de forma a recuperar a confiança nas instituições e a restaurar o sentimento de comunidade para que o pior não aconteça. Nesse sentido também é fundamental que haja uma liderança forte, sustentada por uma visão e objectivos honestos, coerentes e realistas, que encaminhe a todos na consecução de um destino comum que todos querem seja próspero mas com liberdade e justiça.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 846 de 13 de Fevereiro de 2018.
O desaparecimento sem rastro de crianças parece mais um dos episódios trágicos que de tempos em tempos acontecem em Cabo Verde e que deixa o país e a sociedade em estado de choque sem capacidade de resposta e, pior ainda, sem a compreensão do que realmente se passou. Nos últimos tempos houve a tragédia com perdas de vida no naufrágio do navio Vicente, a evacuação de Chã das Caldeiras na sequência da erupção do Vulcão do Fogo e o massacre de militares e civis no Monte Tchota. Em todos eles foram evidentes falhas de organização e de liderança, falta de meios e a quase ausência de articulação e comunicação entre os serviços, as forças e os meios logísticos para se garantir um efectivo comando e controlo das situações criadas. Também viu-se que passado o choque inicial e as proclamações oficiais a prometer mudanças, a tendência é tudo ficar igual ao que estava e os problemas serem praticamente “varridos para debaixo do tapete”. Quando ressurgem é normalmente no âmbito das lutas políticas e eleitorais em que servem de arma de arremesso para, na prática, depois de ultrapassado o embate, serem relegados para o segundo ou terceiro plano.
Não espanta, pois, que mudando os tempos não se notam transformações significativas em certos sectores-chave como os de segurança. Pelo contrário, mantém-se a forte impressão que se continua com o mesmo sistema de forças, a mesma falta de coordenação, as mesmas deficiências em responder a situações de busca e salvamento e outras emergências próprias de um país arquipelágico. Por outro lado, a falta de alteração significativa na eficácia do sistema de segurança não obstante os muitos e valiosos meios que são injectados contrasta com o “vigor” reivindicativo que seus elementos recentemente demostraram na greve inédita da polícia. Tudo isso conjuga para passar à sociedade que não se estão a verificar os avanços esperados de liderança, de sofisticação dos métodos e de colaboração entre as forças, factos que não contribuem para a diminuição efectiva do sentimento de insegurança. Surgindo um problema como o de sequestro das crianças, não estranha que o pânico rapidamente se espalhe.
Sequestros indiciam um outro nível de criminalidade a despontar no país, especialmente em Santiago, Sal e Boa Vista e em casos que não poucas vezes ficam largos anos por resolver ou nunca chegam ao fim. Não havendo uma resposta firme que reponha a confiança nas instituições e na liderança, as pessoas acabam por se sentir impotentes e desemparadas perante crimes que as limitam nos seus movimentos, que as obriga a fortificar as suas casas e as constrange nas suas relações sociais. E nesse estado podem ficar propensas a actos de justiça privada, a sentimentos de xenofobia e a paranóias colectivas dirigidas contra indivíduos e grupos.
Já se vêem sinais do que pode vir mais à frente. Por isso é que urge que as autoridades ajam de forma a recuperar a confiança nas instituições e a restaurar o sentimento de comunidade para que o pior não aconteça. Nesse sentido também é fundamental que haja uma liderança forte, sustentada por uma visão e objectivos honestos, coerentes e realistas, que encaminhe a todos na consecução de um destino comum que todos querem seja próspero mas com liberdade e justiça.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 846 de 13 de Fevereiro de 2018.
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