segunda-feira, fevereiro 11, 2019

Trocar o “fácil” pelo estratégico

Várias acções do Governo nos últimos tempos, designadamente a publicação da carta de política de Mobilidade Eléctrica no BO, os benefícios inscritos no Orçamento de 2019 para facilitar financiamentos no sector das renováveis, a introdução de lâmpadas LED na iluminação pública e a utilização do Fuel 380 na produção de energia na Praia têm demonstrado uma atenção crescente sobre a questão energética no país.
Não é simples coincidência que também em todo o mundo se fala com preocupação das alterações climáticas, da descarbonização da economia, de se apostar nas energias renováveis e da necessidade de mais eficiência energética. Está-se a ir com o que o resto do globo, em particular depois dos Acordos de Paris, de 2015, onde houve um comprometimento quase unânime de se tomar medidas de contenção das alterações climáticas. A questão que se coloca é como o país está a encarar a sua posição nesta matéria: se é para fazer como no passado e simplesmente aproveitar-se dos projectos e dos recursos disponibilizados sem preocupação real com os resultados e com a sustentabilidade dos mesmos. Ou se vê o momento como oportunidade para uma viragem séria numa questão fundamental como é a energia, a sua disponibilidade e qualidade, o seu custo para as famílias e para as empresas e o impacto que a reestruturação do sector poderá ter directa e indirectamente na criação de novos empregos.
De facto, não é novidade ver o governo abraçar projectos dirigidos para o aproveitamento de energias renováveis, para poupança de energia ou para formação de pessoas no sector. O problema é se os objectivos proclamados são atingidos e se o potencial que o investimento supostamente cria é desenvolvido e consegue produzir frutos permanentes. É sabido de há muito que, neste como em outros sectores, Cabo Verde é em boa medida um cemitério de projectos. Percorrendo as ilhas encontra-se por todo o lado maquinarias, oficinas, laboratórios, instalações vazias e equipamentos diversos adquiridos no âmbito de projectos, mas que findo os mesmos ficaram subaproveitados ou simplesmente passaram a acumular poeira. O desperdício não fica por aí. Também se verifica nas formações feitas com a agravante de se tratar de pessoas que já tinham legitimamente criado expectativas.
Compreende-se que tenha sido assim ao longo dos tempos. A lógica de reciclagem de ajuda externa leva a estas situações. Quem a gere fixa-se nos meios e tende a dar como cumpridos os objectivos se os meios forem propiciados. É evidente que daí resultam frustrações sucessivas das pessoas beneficiárias e baixo retorno dos investimentos realizados. O problema são os países que se deixam apanhar nessa lógica e em geral dão a aparência de conviver muito bem com esse modelo. Também há quem beneficie e muito com isso. Invariavelmente cria-se uma elite abastada à volta do Estado enquanto um desemprego “estrutural” teimosamente perdura, mantendo vulneráveis segmentos da população, curiosamente a população alvo dos projectos.
Uma outra consequência indesejável de se deixar projectos de doadores ou de parceiros passar por políticas públicas são os custos elevados que todos acabam por arcar directamente nos preços de bens e serviços fornecidos ou indirectamente através de impostos que depois os vão subsidiar. A energia e a água, por exemplo, são demasiado caras em Cabo Verde. O custo destes factores além de constituírem um peso nos rendimentos das pessoas são um ainda maior obstáculo ao desenvolvimento de negócios e contribuem para manter baixa a competitividade dos bens e serviços cabo-verdianos. Opções em grande parte motivadas por questões ideológicas impediram que uma gestão racional do sector fosse feita e investimentos essenciais tivessem acontecido nos momentos certos. O improviso, a incerteza e a imposição de soluções desadequadas contribuíram para que o país hoje tenha dos custos mais elevados de energia e água. Entrementes, esses dois bens essenciais por pressão de doadores passaram a ser fornecidos por empresas separadas mas não é líquido que globalmente se vá beneficiar com isso. Conseguem-se financiamentos para as renováveis, mas ainda não se sentem os efeitos no custo da energia. Por outro lado, as mesmas renováveis abrem a possibilidade de descentralização da produção de energia e mesmo de água, mas aparentemente ignora-se isso. Não se concilia o facto com a opção pelas “centrais únicas” que realmente têm ganhos de escala na produção, mas apresentam custos quase proibitivos no transporte e na distribuição num território com a orografia e a dispersão da população existente nas ilhas.
Agora envereda-se pelos carros eléctricos. Até já se definiram benefícios fiscais para quem os compra e já há postos de recarga disponíveis. Mas para além do óbvio que é o acesso imediato aos muitos fundos de apoio internacional que vão surgindo em nome das alterações climáticas não é claro o que realmente se pretende e porque é prioritário. Compreende-se que países com indústria automóvel e capacidade de inovação na produção de baterias, aerogeradores, painéis solares e inteligência artificial se tenham apressado a definir etapas para melhor se posicionarem no desenvolvimento de tecnologias do futuro e dominarem os mercados nacionais e globais. Não é porém o caso de Cabo Verde onde nem a poluição é pretexto para se apressar uma transição para veículos limpos ou onde a perspectiva de vender “créditos de carbono” pode revelar-se interessante. Até acção em contrário os carros deverão ser movidos pela electricidade produzida por combustíveis fósseis. Para que não se continue a agir simplesmente por impulsos de doadores impõe-se que o país tenha a sua política própria e saiba negociar com os parceiros e conciliar interesses nacionais com eventuais interesses que manifestem.
É evidente que Cabo Verde tem as melhores condições para exploração de energias renováveis como a solar e a eólica. Seria de maior importância que o país definisse políticas claras de expansão do aproveitamento dessas fontes de energia pelas famílias, empresas e instituições no quadro de um esforço global de abaixamento dos custos de energia e água. A pequenez do país, a fragmentação em ilhas e a dispersão da população deviam ser incentivos poderosos para se encontrar formas inovadoras de fazer chegar a todos energia barata. Também a busca incessante para encontrar empregos de qualidade e sustentáveis para os jovens e para a população em geral devia ser o maior incentivo para se fazer promover a expansão das renováveis. Neste domínio, paradigmático é o exemplo da Califórnia e também de outros países que pela via legislativa e regulamentar criaram mercados para as renováveis que depois se traduziram em empregos designadamente na instalação e manutenção de equipamentos, em assessoria em matéria de eficiência energética e em poupanças significativas para todos. No caso de Cabo Verde elas poderiam incluir os consumidores com contas menos pesadas, a Electra com menos pressa em fazer novos investimentos e o país com menos importação de combustíveis fósseis. Desenvolver políticas estratégicas é essencial para, a prazo, se baixar os custos, conseguir retorno adequado dos investimentos, criar empregos e almejar melhor qualidade de vida.


Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 897 de 6 de Fevereiro de 2019.

Sem comentários: