Na semana passada Cabo Verde foi classificado pela
Internacional SOS como um dos países mais seguros para turistas. É uma
boa notícia, considerando que o turismo tem sido, e tudo leva a crer que
vai continuar a ser por algum tempo, o principal motor da economia
nacional. A questão que se coloca é se o país continuará a ser seguro no
futuro próximo ou mesmo se a sua segurança irá melhorar como seria
desejável.
Os surtos de criminalidade na
ilha de Santiago e na Cidade da Praia, mas também nas outras ilhas,
constituem um mau presságio e já preocupam a todos. São a razão por que
ainda se mantém o sentimento de insegurança não obstante todos os
investimentos públicos em recursos humanos e materiais no sistema de
segurança. Ainda bem que até agora os seus efeitos não se fazem sentir
nos turistas como parece confirmar a Internacional SOS. Pergunta-se é
até quando, se entretanto não se encontrar formas mais eficazes de lidar
com a criminalidade, de a combater nas suas origens e de conter o seu
impacto nas comunidades e na vida das pessoas em todos os pontos do
país.
As autoridades vêm anunciando baixas na criminalidade como, aliás, quase sempre fizeram. O problema é que praticamente não convencem ninguém. O sentimento de insegurança não desvanece. As pessoas não se sentem seguras a andar nas ruas das cidades e vilas do país a qualquer hora do dia como outrora acontecia. Cabo Verde não está a ser a terra de paz e morabeza que os poetas cantaram e com que todos sonham. Há que dizer um basta a isto. Uma terra de paz não pode ter armas circulando e pessoas armadas a assaltar e atirar contra as outras em ajustes de contas e crimes passionais ou por acidente. Para isso é evidente que não chega mexer mais uma vez na lei das armas. É preciso ir mais longe e desarmar a população como já foi sugerido em editorial deste jornal (12/10/2016) e como já o fizeram vários outros países que se viram perante verdadeiras epidemias de crime.
Também para ser terra de morabeza há que apostar forte na civilidade na relação entre as pessoas e numa cultura cívica que ligue os indivíduos à sua comunidade, crie um ambiente de confiança e constitua a base de crescimento do capital social essencial para que haja cooperação entre as pessoas e a vida não seja um jogo de soma zero. Há que ir mais longe na compreensão das razões de tanta violência nas relações entre as pessoas e o que leva conflitos por motivos aparentemente menores a ganharem dimensão desproporcional e a tornarem-se mortíferas. Nesse sentido, há que identificar condicionantes do comportamento, designadamente códigos de honra, rituais de iniciação e demonstrações de masculinidade que estão por detrás de manifestações excessivas de agressividade. Por outro lado há que reconhecer como muitas vezes o crime e a violência são induzidos e alimentados por uma economia subterrânea que tende dilacerar o tecido social e a esvaziar todas as iniciativas dirigidas para tirar as pessoas e as comunidades do círculo vicioso da pobreza, da insegurança e do desespero em relação ao futuro. Sucesso na diminuição do sentimento de segurança terá que passar não só pelo combate eficaz ao crime como também na transformação do ambiente sócio-económico e cultural que o alimenta e sustenta.
E é isso que aconteceu nas cidades e países onde efectivamente se conseguiu diminuir a criminalidade e restaurar a ordem e a tranquilidade pública. Necessário foi porém que primeiro se construísse um consenso geral a todos os níveis que se devia agir decisivamente para pôr cobro à situação, mas sem pôr em causa os princípios e valores que constituem a base de uma comunidade de paz e justiça. Afinal os que cometem crimes não passam de uma pequena minoria e conhece-se da história os graves atropelos sobre a maioria inocente que podem vir de um Estado dotado de poder quase absoluto em nome da luta contra o crime. O caminho para a construção dos compromissos múltiplos entre as forças políticas e entre o governo e a sociedade, indispensáveis para uma acção compreensiva das autoridades nesse combate, não pode passar pela polarização do discurso político que, quando levado ao extremo, deixa de um lado uns que são tidos a favor dos polícias e, do outro, os que “representam” os criminosos. É o tipo de discurso que se ouviu na última reunião plenária da Assembleia Nacional, mas já que se tinha assistido em outras sessões e com o resultado negativo que se conhece. E a verdade é que não sendo simétricos os papéis do governo e da oposição no sistema político quem politicamente paga mais pelo impasse que se cria com esse tipo de situações é o governo. É ele que tem o mandato, os recursos e o poder sobre as instituições para implementar políticas e atingir objectivos de interesse geral como são a segurança e a ordem pública.
Tanto assim é que da análise das eleições nas democracias nota-se que nas eleições o eleitorado – mais do que escolher entre as propostas programáticas das forças políticas em presença – com o seu voto, geralmente, decide se o incumbente merece ter mais um mandato ou se dá ao lugar ao partido alternativo no sistema. Ou seja, quem governa tem que apresentar resultados que vão ao encontro das aspirações da população ao passo que a oposição praticamente tem é que dar prova de vida confirmando que há possibilidade de alternância. Qualquer governo que queira continuar no poder tem que saber constituir a vontade necessária geral na sociedade e nas instituições para que as medidas de política resultem e os objectivos sejam atingidos. Não pode o governo justificar-se com acusações de obstaculização por parte da oposição e muito menos com lamentos patéticos de que o país não merece a actual oposição, detendo ele o poder e o controlo dos recursos do Estado.
Governar com verdade e sentido de responsabilidade é essencial para se construir essa vontade política, mobilizar energias e assegurar que as instituições cumpram as usas funções. De outra forma interesses corporativos emergem e encontram campo para se entrincheirarem ao se aperceberem que as forças políticas dividem-se na tentativa de os apaziguar e agradar. Sacrifica-se no processo a eficiência na utilização dos recursos públicos e eficácia na dispensa de serviços aos cidadãos. É de se evitar, por exemplo, a situação que se viveu durante quase um mês em que todo o país se sentiu consternado e menos seguro com a informação de que um agente da polícia tinha sido morto por delinquentes e que depois veio revelar-se falsa. Segundo o Director da Polícia Nacional terá sido um acidente. A questão que todos colocam é quando é que se soube a verdade do acontecido e porque se optou por não a revelar sabendo o impacto que estava a ter no público e na imagem do país. Desertar as pessoas e a sociedade em situação crítica como essa não contribui para a construção da confiança que se mostra essencial para fazer de Cabo Verde um país seguro. E a verdade é que o futuro depende precisamente da capacidade de realização do sonho de fazer de Cabo Verde uma terra de paz e morabeza.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 940 de 04 de Dezembro de 2019.
As autoridades vêm anunciando baixas na criminalidade como, aliás, quase sempre fizeram. O problema é que praticamente não convencem ninguém. O sentimento de insegurança não desvanece. As pessoas não se sentem seguras a andar nas ruas das cidades e vilas do país a qualquer hora do dia como outrora acontecia. Cabo Verde não está a ser a terra de paz e morabeza que os poetas cantaram e com que todos sonham. Há que dizer um basta a isto. Uma terra de paz não pode ter armas circulando e pessoas armadas a assaltar e atirar contra as outras em ajustes de contas e crimes passionais ou por acidente. Para isso é evidente que não chega mexer mais uma vez na lei das armas. É preciso ir mais longe e desarmar a população como já foi sugerido em editorial deste jornal (12/10/2016) e como já o fizeram vários outros países que se viram perante verdadeiras epidemias de crime.
Também para ser terra de morabeza há que apostar forte na civilidade na relação entre as pessoas e numa cultura cívica que ligue os indivíduos à sua comunidade, crie um ambiente de confiança e constitua a base de crescimento do capital social essencial para que haja cooperação entre as pessoas e a vida não seja um jogo de soma zero. Há que ir mais longe na compreensão das razões de tanta violência nas relações entre as pessoas e o que leva conflitos por motivos aparentemente menores a ganharem dimensão desproporcional e a tornarem-se mortíferas. Nesse sentido, há que identificar condicionantes do comportamento, designadamente códigos de honra, rituais de iniciação e demonstrações de masculinidade que estão por detrás de manifestações excessivas de agressividade. Por outro lado há que reconhecer como muitas vezes o crime e a violência são induzidos e alimentados por uma economia subterrânea que tende dilacerar o tecido social e a esvaziar todas as iniciativas dirigidas para tirar as pessoas e as comunidades do círculo vicioso da pobreza, da insegurança e do desespero em relação ao futuro. Sucesso na diminuição do sentimento de segurança terá que passar não só pelo combate eficaz ao crime como também na transformação do ambiente sócio-económico e cultural que o alimenta e sustenta.
E é isso que aconteceu nas cidades e países onde efectivamente se conseguiu diminuir a criminalidade e restaurar a ordem e a tranquilidade pública. Necessário foi porém que primeiro se construísse um consenso geral a todos os níveis que se devia agir decisivamente para pôr cobro à situação, mas sem pôr em causa os princípios e valores que constituem a base de uma comunidade de paz e justiça. Afinal os que cometem crimes não passam de uma pequena minoria e conhece-se da história os graves atropelos sobre a maioria inocente que podem vir de um Estado dotado de poder quase absoluto em nome da luta contra o crime. O caminho para a construção dos compromissos múltiplos entre as forças políticas e entre o governo e a sociedade, indispensáveis para uma acção compreensiva das autoridades nesse combate, não pode passar pela polarização do discurso político que, quando levado ao extremo, deixa de um lado uns que são tidos a favor dos polícias e, do outro, os que “representam” os criminosos. É o tipo de discurso que se ouviu na última reunião plenária da Assembleia Nacional, mas já que se tinha assistido em outras sessões e com o resultado negativo que se conhece. E a verdade é que não sendo simétricos os papéis do governo e da oposição no sistema político quem politicamente paga mais pelo impasse que se cria com esse tipo de situações é o governo. É ele que tem o mandato, os recursos e o poder sobre as instituições para implementar políticas e atingir objectivos de interesse geral como são a segurança e a ordem pública.
Tanto assim é que da análise das eleições nas democracias nota-se que nas eleições o eleitorado – mais do que escolher entre as propostas programáticas das forças políticas em presença – com o seu voto, geralmente, decide se o incumbente merece ter mais um mandato ou se dá ao lugar ao partido alternativo no sistema. Ou seja, quem governa tem que apresentar resultados que vão ao encontro das aspirações da população ao passo que a oposição praticamente tem é que dar prova de vida confirmando que há possibilidade de alternância. Qualquer governo que queira continuar no poder tem que saber constituir a vontade necessária geral na sociedade e nas instituições para que as medidas de política resultem e os objectivos sejam atingidos. Não pode o governo justificar-se com acusações de obstaculização por parte da oposição e muito menos com lamentos patéticos de que o país não merece a actual oposição, detendo ele o poder e o controlo dos recursos do Estado.
Governar com verdade e sentido de responsabilidade é essencial para se construir essa vontade política, mobilizar energias e assegurar que as instituições cumpram as usas funções. De outra forma interesses corporativos emergem e encontram campo para se entrincheirarem ao se aperceberem que as forças políticas dividem-se na tentativa de os apaziguar e agradar. Sacrifica-se no processo a eficiência na utilização dos recursos públicos e eficácia na dispensa de serviços aos cidadãos. É de se evitar, por exemplo, a situação que se viveu durante quase um mês em que todo o país se sentiu consternado e menos seguro com a informação de que um agente da polícia tinha sido morto por delinquentes e que depois veio revelar-se falsa. Segundo o Director da Polícia Nacional terá sido um acidente. A questão que todos colocam é quando é que se soube a verdade do acontecido e porque se optou por não a revelar sabendo o impacto que estava a ter no público e na imagem do país. Desertar as pessoas e a sociedade em situação crítica como essa não contribui para a construção da confiança que se mostra essencial para fazer de Cabo Verde um país seguro. E a verdade é que o futuro depende precisamente da capacidade de realização do sonho de fazer de Cabo Verde uma terra de paz e morabeza.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 940 de 04 de Dezembro de 2019.
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