segunda-feira, dezembro 02, 2024

É crucial fazer o melhor uso do financiamento climático

 Terminou em Baku, no Azerbaijão, a conferência sobre mudança climática (COP25) com decisões sobre o financiamento de projectos para adaptações relacionadas com a transição energética e para mitigar os efeitos das alterações climáticas, embora sem satisfazer plenamente as expectativas. Pretendia-se chegar a um compromisso de financiamento de 1,3 milhões de milhões (trilion) de dólares até 2035, mas ficou-se apenas por 300 mil milhões (billions) de dólares, a serem disponibilizados pelos países mais desenvolvidos. Desde a conferência de Paris de 2015 e das suas grandes promessas, o mundo mudou muito e, com o regresso de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o cenário pode ainda piorar, tornando mais difícil conseguir os consensos necessários para as cumprir.

Entretanto, o facto de que os extremos do clima têm, nos últimos anos, tornado incontornável a realidade das mudanças a nível global constitui um incentivo à inovação na mobilização de financiamento. Nesse sentido, procura-se com maior afinco encontrar fontes diversificadas, tanto de natureza pública como privada, e tenta-se explorar fundos bilaterais e multilaterais, assim como recursos alternativos de capital. As necessidades são crescentes, tanto nos países pobres, que, proporcionalmente, mais sofrem com as consequências das alterações climáticas, sejam elas derivadas de furacões, secas, cheias ou aumento do nível médio das águas do mar, como nos países de crescimento médio, que têm de acelerar a transição energética.

A instituição de uma taxa de carbono é uma das vias inovadoras que tem sido explorada, ainda que paulatinamente, tendo como alvo as indústrias poluentes, a indústria do plástico e as emissões de gases provenientes de barcos e aviões alimentados por combustíveis fósseis.

A par disso, já há algum tempo, têm sido consideradas as chamadas taxas de solidariedade como uma forma de preencher o défice deixado pela diminuição de fundos públicos, em particular dos países ricos. Crises recentes nesses países, ao forçarem o redireccionamento de recursos para responder a necessidades urgentes de defesa, melhorias nos serviços de saúde e investimento em infra-estruturas, limitaram a disponibilidade para outras causas. Em compensação, progressivamente, tem-se introduzido taxas de carbono para passageiros transportados por via aérea e marítima, explorando-se também a possibilidade de taxar fluxos financeiros, criptomoedas e grandes fortunas. A ideia, ao que parece, é chegar ao COP30, em Novembro de 2025, no Brasil, com um número considerável de países que adoptaram alternativas de financiamento suportadas pela taxa de carbono.

São 21 os países, segundo o jornal Financial Times de 20 de Novembro, que actualmente já avançaram com taxas de solidariedade, entre os quais Portugal e Suécia, que incidem sobre passageiros de linhas aéreas e marítimas. São evidentes as vantagens para o combate às mudanças climáticas resultantes da arrecadação de receitas, que, segundo estimativas desse jornal, em termos mundiais, poderão chegar a 164 mil milhões (billions) de dólares anuais. Cabo Verde, que, a partir da aprovação na semana passada da taxa de carbono, passou a integrar esse grupo de países, também poderá beneficiar dessas vantagens. Com uma taxa de 550 escudos (5 euros), prevê-se arrecadar mais de um milhão de contos, que, de acordo com o ministro das Finanças, em declarações no parlamento, serão utilizados exclusivamente para financiar acções de mitigação e adaptação aos efeitos das alterações climáticas.

Há, porém, quem aponte desvantagens, considerando que essas taxas constituem um custo extra que sobrecarrega os viajantes em geral, particularmente os de menores recursos. Pode também interferir no fluxo turístico. Nos países com um volume estável de passageiros, os efeitos serão mínimos; mas, noutros, onde o turismo ainda está por consolidar-se e tem maior peso na economia, não se pode descurar eventuais impactos negativos na competitividade do destino. Para que as vantagens sejam reais, é fundamental que as acções de mitigação e adaptação às alterações climáticas sejam bem definidas, estabelecendo prioridades, garantindo sustentabilidade e articulando pequenos projectos com uma estratégia nacional e uma visão de futuro.

De facto, é essencial focar na construção de um país mais resiliente face aos extremos climáticos e mais preparado para beneficiar da transição energética em termos de crescimento e competitividade. O grande esforço de mobilização de fundos que está a ser feito neste momento não deve ser encarado como mais um dos exercícios feitos no passado para promover o crescimento económico global. É sabido como esses esforços ficaram aquém do pretendido, resultando em desperdícios extraordinários de recursos e na persistência de grandes manchas de pobreza em várias regiões do globo.

Faz sentido que hoje se procure uma maior mobilização de recursos financeiros, mas impõe-se que esta seja acompanhada de outras medidas. Realmente é de não repetir práticas que não resultaram em instituições inclusivas. Nem de manter a mesma cultura de governação que, em muitos países, levou a fracos crescimentos e ao aumento da desigualdade. Deve-se também rever a governação multilateral, que frequentemente impõe regras sem dar a devida atenção aos resultados, às especificidades locais e aos seus anseios. O combate à vitimização, que enfraquece o esforço global, e à desresponsabilização, que impede a cooperação necessária, é essencial para ultrapassar o momento crítico que enfrentamos. Está em jogo o futuro global perante ameaças potencialmente existenciais. Não há muita margem para fracassos. 

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1200 de 27 de Novembro de 2024.

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