No próximo dia 20 de Abril completam-se três anos da inauguração da actual legislatura dominada pelo MpD. A vitória nas eleições de 16 de Março negara um quarto mandato ao PAICV abrindo o caminho para uma alternância na condução do país.
A dimensão da derrota eleitoral do PAICV, que ficou reduzido a pouco mais do que terço dos deputados, pareceu sugerir que o eleitorado quereria uma mudança de políticas mais do que uma mudança de governo. E compreende-se: a situação do país vinha-se deteriorando em crescimento, emprego e segurança enquanto se tornava mais notória a vulnerabilidade da população rural e acentuava-se a desesperança numa parte significativa da juventude. A promessa do turismo ainda ficava aquém do desejado tanto pela relativa baixa da qualidade dos postos de trabalho criados como também pelo seu fraco efeito de arrastamento na economia nacional. Quis-se pois alternância para mudar este estado coisas.
É um facto que as políticas públicas aplicadas na década anterior tinham desembocado numa estagnação económica que se arrastava há vários anos com óbvio impacto no emprego, no rendimento das pessoas e nas perspectivas futuras das pessoas e em particular dos jovens. A par disso, via-se como o Estado se tinha endividado ultrapassando então mais de 125% do PIB enquanto empresas públicas como a TACV tornavam-se num risco crescente para o país. Também se constatava que a trajectória centralista do Estado se mantinha ou tornava-se pior criando nas diferentes ilhas a sensação de estarem a ficar para trás. Por seu lado, a administração pública, na sua ineficiência e resistência a reformas, continuava a ser um obstáculo à melhoria do ambiente de negócio e um travão no esforço para tornar o país mais competitivo. Juntam-se a isso as dificuldades crescentes da população jovem saída dos liceus e universidades não só em encontrar emprego como também a adequar-se à oferta existente de trabalho. Não espanta pois que perante um quadro tão difícil a votação nas urnas não clamasse por uma outra governação e outras políticas para o país.
O problema é o que acontece depois de ganhar o poder. O desafio logo à partida é como proceder para que ao mesmo que se faz a gestão diária se esteja preparado para fazer as alterações de políticas que abram caminho ao cumprimento das promessas eleitorais. Para isso conviria não se deixar afogar nos problemas que são sempre maiores do que parecem quando se está na oposição e nem deixar-se levar pela tentação de confrontar o adversário como se as eleições não tivessem sido realizadas e ganhas. Mas não é o que normalmente acontece nessas circunstâncias e o resultado é a continuação por muito tempo da crispação política típica dos tempos eleitorais e a perda de ímpeto para a mudança que isso acarreta com claro prejuízo para se fazer as reformas que se impõem. Para um país como Cabo Verde que de há muito que vem “esticando” a corda de um modelo de desenvolvimento claramente gasto e obsoleto, os resultados podem ser desastrosos porque há muito coisa inadiável a ser feita. E no meio de confrontos políticos, que são simples repetição de diferenças do passado, os problemas do presente não são devidamente debatidos. Como há desconfiança não se criam vontades. E se não houver vontade nem debate lúcido dificilmente os problemas podem ser equacionados e resolvidos. O que se passou com a lei da regionalização na semana passada no parlamento é ilustrativo a esse respeito.
Ninguém fica tranquilo se perante as dificuldades a abordagem adoptada continua essencialmente a ser “mais do mesmo” e se conveniências político-partidárias continuam a perturbar o reconhecimento dos problemas e a procura de soluções. A verdade é que faz confusão às pessoas, por exemplo, notar que afinal crescimento não está a trazer mais emprego, que mais educação não está a criar mais oportunidades de trabalho para os jovens, e que o país continua grandemente vulnerável às secas. Também incomoda verificar que apesar de grandes investimentos no Estado persistem as queixas da sua ineficiência e da sua insensibilidade no tratamento dos utentes e operadores económicos. No mesmo sentido vê-se com alguma apreensão que soluções encontradas em certos sectores embora contribuam para estancar sangrias de recursos públicos e diminuir défices orçamentais deixam espaços vazios que as pessoas e a economia no seu todo pagam em custos mais elevados, em acesso limitado e baixa qualidade de serviço. Globalmente não há percepção que se está perante uma abordagem nova sem as amarras das políticas no passado que falharam em proporcionar mais rendimento e mais oportunidades de uma via melhor. E isso não é bom para as pessoas nem para a democracia.
A democracia corre o risco de entrar numa crise profunda se se desenvolver a percepção geral que todos os partidos são iguais, que todos os governos fazem o mesmo e que a alternância política é uma farsa porque todos vão para o governo para se servirem e não para servir o interesse geral. Como já alguém disse, a democracia não garante bons governos mas assegura que maus governos podem ser mudados e o país reorientado com outras políticas. A história demonstra que se isso não acontece e o sistema partidário falha em assegurar verdadeira alternância corre-se o risco de descredibilização das instituições e de toda a classe política. O forte desgaste sofrido pelas instituições nos últimos três anos a começar pelo parlamento mas não deixando incólume nenhum outro órgão de soberania ou instituição pública tem como base essa frustração com alternâncias que não se materializam e levam ao descrédito do regime.
No próximo ano de 2020 começa o novo ciclo eleitoral com eleições autárquicas seguidas de legislativas e presidenciais que irá prolongar-se para a segunda metade do ano 2021. Tendo como referência o que se passa noutras democracias pode-se dizer que provavelmente vai-se ter eleições como nunca antes aconteceu no que respeita aos protagonistas, às tácticas utilizadas e ao papel a desempenhar pelas redes sociais nas campanhas eleitorais. E como outras experiências democráticas já demonstraram nenhum partido está seguro de manter a sua importância e o seu peso eleitoral por mais legado histórico que reivindicar ou maior número de militantes que reclamar. Se persistir a descrença na incapacidade dos actuais actores em fornecer alternativas credíveis pode-se ter que lidar com a ascendência de partidos extremistas e eventual aparecimento movimentos sociais inorgânicos. A verificar-se a fragmentação do campo político cabo-verdiano neste molde já com exemplos em outras latitudes seria um desastre de total responsabilidade dos dois grandes partidos cabo-verdianos. Desempenhar com sentido de estado e respeito pelo interesse geral o papel de partido de situação e o de partido de oposição no regime democrático é fundamental para o funcionamento, credibilidade e eficácia da democracia. Infelizmente, há demasiados exemplos que isso não tem sido a norma, em particular nos últimos anos.
Humberto Cardoso
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 907 de 17 de Abril de 2019.