Editorial Nº 572 • 14 de Novembro de 2012
Dar
o dito por não dito
A promessa do 13º mês várias vezes repetida antes
das eleições legislativas foi considerada anteontem pelo Primeiro-ministro Dr.
José Maria Neves “de todo impossível” de ser cumprida. A Ministra de Finanças,
em entrevista, também dá a questão do 13º mês como ultrapassada. Mas enquanto o
PM culpa a crise internacional, fazendo por ignorar que ela já vem de 2008, a
Ministra é peremptória: “a única maneira do Governo considerar essa possibilidade
seria se o país crescesse acima dos 15%”.Como nunca o País atingiu essa taxa e
quando se fez a promessa já se sabia que o governo não iria atingir a meta dos
dois dígitos na legislatura, fica evidente que à partida não havia intenção de
a cumprir.
Governar é cada vez mais “prometer” do que
“realizar”. A ênfase é colocado nas intenções iniciais e também nos meios
mobilizados enquanto os resultados das políticas e da actuação governamental
são esquecidos ou preteridos. No processo o princípio fundamental da
democracia, que é responsabilização e prestação de contas dos governantes à
nação e aos seus órgãos representativos, fica altamente beliscado. Sucedem-se
situações várias de “dar o dito por não dito” num jogo de gato e rato que
exausta e fragiliza as instituições, aliena os cidadãos e favorece o cinismo na
vida política.
O Orçamento de 2013 foi apresentado e dele todos
esperam um maior peso dos impostos. O próprio Governo conta com aumentos de
quase seis milhões de contos nas receitas. Isso parece não impedir a ministra
de finanças de afirmar que não há aumentos no IVA mas sim convergência para os
15% com o fim da majoração da gasolina e do gasóleo e da minoração da
electricidade, água, telecomunicações e transportes. Implícito no raciocínio
estaria que todo o exercício não resultaria em mais carga fiscal. A realidade
que ela própria relata é que a electricidade produzida vai ficar 5% mais cara e
água 8%. Os consumidores ainda acrescentam aos novos preços mais 15% do IVA. A
coroar o “bolo” vem a taxa de iluminação pública. Não estranha pois que mesmo
em período de crescimento raso de 4,3 e 4,4 % o governo tenha a expectativa de
aumentar as receitas cobradas em 18,5%.
O jogo de palavras para confundir os contribuintes
não fica por aí. Todos os pretextos parecem ser bons para o Estado adiar a
restituição do IUR e do IVA. Entre as desculpas figuram detecção de casos de
evasão e fraude, soluções informáticas de devolução directa, que levam um ano
e meio a ser encontradas, e repartições de finanças cada uma a interpretar a
lei fiscal à sua maneira. Tudo em nome da justiça tributária, como assegura a
ministra. Entretanto como o próprio relatório do OE 2013 confirma (pg 55) o
Estado durante estes anos todos continua a financiar-se de forma gratuita à
custa particularmente dos contribuintes dos dois escalões mais baixos.
A opção do governo na procura do equilíbrio das
contas é pelo aumento das receitas. O corte nas despesas verifica-se
essencialmente no orçamento de investimento porque não há vontade política para
se mexer significativamente nas despesas de funcionamento. Face a isso e na
falta de uma base tributária maior, porque o emprego não aumentou e o sector
privado nacional não prosperou apesar das centenas de milhões de euros
investidos nas infra-estruturas, resta “espremer” o que já existe: os
trabalhadores e empresas do sector formal.
Focalizado na procura de mais receitas o governo
parece não se preocupar muito se, com as vias utilizadas (aumento do IVA, criação
de outras taxas, administração pública obtusa) sectores como o turismo perdem
competitividade, empresas tornam-se inviáveis e muitos trabalhadores perdem o
emprego. Reina uma visão de curto prazo. Fica-se com a impressão que se está
aguentar até que apareça mais um cheque de Bruxelas ou de outro sítio em
resposta à política de “país útil” que se quer vender à comunidade
internacional.
A antecipar as dificuldades do próximo ano a
ministra de Finanças procura desmentir que alguma vez proclamou que Cabo Verde
estaria blindado à crise internacional. Mas essa é a percepção geral e não
surge do nada. Segundo a Lusa, em Maio de 2009 em Dakar, declarou que Cabo
verde “está pronto” para enfrentar a crise internacional e os usos sucessivos
do termo blindado em relação à crise serviram para consolidar a ideia. O PAICV
beneficiou dessa imagem. Não se pode agora dar o dito por não dito porque se
tornou evidente que era de facto uma ilusão, como aliás tantas outras
promessas.
A Direcção