quarta-feira, outubro 31, 2012

Mistificações



Editorial Nº 570 • 31 de Outubro de 2012
Mistificações
 “Cabo Verde é um caso de sucesso” passou recentemente a ser a frase que os governantes se deleitam em repetir em todas as ocasiões e intervenções. Parece não incomodar que para a generalidade da população nas ilhas esse sucesso não tem tra­dução no seu dia-a-dia. E que a realidade vivida de desemprego, de quebra da actividade económica e emergência de problemas sociais mais complexos e mais intratáveis traz muita apreensão se não angústia em relação ao futuro próximo. O governo ilu­de-se e ilude o país. Procura varrer para debaixo do tapete as vulnerabilidades múltiplas que persistem e não confronta o facto de que o arquipélago não se preparou para os desafios da pós graduação a país de rendimento médio.
Para o governo, importa repetir apreciações de instituições e personalidades estrangeiras que lhe convém. Não das outras como as do Forum Económico Mundial ou do Doing Business que são realmente consideradas por quem pensa investir e fazer negócios em Cabo Verde. Mas a esperança da população particularmente dos actualmente desempregados e dos jovens é que o país ganhe dinâmica económica suficiente para criar postos de trabalho em número significativo. E isso só pode resultar da acção de privados nacionais e estrangeiros motivados por ambiente de negócios favorável e por factores sustentáveis de competitividade.
A experiência de outros povos aponta como via certa para a criação de emprego e aumento de rendimento das pessoas o desenvolvimento da capacidade de exportação de bens e serviços. A história de Cabo Verde em momentos infelizmente demasiado pontuais ou conjunturais também comprova isso. Retrospec­tivamente sabe-se que a postura de rapina do Estado face aos investimentos e aos negócios contribuiu em muito para que esses surtos do crescimento económico fossem efémeros. Demasiadas vezes matou-se a “galinha de ovos de ouro” deixando na miséria, frustração e desespero muitos que já viam nas actividades eco­nómicas em crescimento a esperança de uma vida melhor.
Várias vozes no país alertam para os perigos de mais uma vez se estar a pôr em perigo sério um sector económico de grande potencial como é o turismo. Ao aumento da carga fiscal sobre o sector anunciado na proposta do Orçamento de Estado para 2013 vêm juntar-se significativas alterações de mais de 100% nas taxas pagas nos vistos para entrada e a proposta de uma taxa de dormida de dois euros por cada turista. Tais medidas diminuem a já fraca competitividade de Cabo Verde em relação a outros destinos turísticos. É de se perguntar o que é que explica tama­nha cegueira que nem perante exemplos sucessivos de perda de oportunidades permite que se siga o caminho óbvio.
Entretanto nota-se que o governo se rejubila na imagem arti­ficial do sucesso e pensa que pode perpetuar a generosidade dos parceiros mesmo em ambiente de crise fazendo de Cabo Verde um país útil. A opção que faz, explica porque é que não é por distracção que descura sectores económicos promissores como o turismo e sufoca empresas para equilibrar as contas. Ou que envereda pelo caminho de fazer obras como estradas, portos e aeroportos com base na dívida externa e que dão muita visibilida­de, mas que salvo raras excepções trazem poucos investimentos e negócios. O problema é que não se pode por muito tempo estar a mobilizar para a acção ou fingir que se anda e ficar no mesmo sítio. Afecta negativamente a motivação, a auto-estima e a confiança no futuro da população.
Há que mudar de paradigma. Persistir na mistificação da realidade impede que se corrijam as falhas, se inove nas abor­dagens e que se crie urgência na implementação das medidas de governação que tragam crescimento económico e mais emprego para o país.
A Direcção



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